Numa estradinha qualquer próxima a Londres, em uma das beiradas enlameadas, encontrava-se um homem, sujo e desleixadamente bonito. O cabelo castanho claro voando à brisa morna de junho, o rosto retorcido em profunda melancolia.
Era sempre assim nas noites de lua cheia; havia algo naquela esfera pálida que parecia lhe censurar.
Apertou mais o longo casaco contra o corpo praticamente nu, indolente ao calor, afinal aquilo lhe fazia se sentir um pouco mais protegido, e proteção era o que mais desejava naqueles momentos.
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Era uma daquelas noites calorentas de verão Londrino; a senhora Black reclamava a cada minuto da escolha do marido de permanecer na capital, o clima era consideravelmente mais ameno na casa de campo no Devonshire.
Mas o conde Orion tinha negócios a tratar e se viu obrigado a conservar-se em Londres, mesmo que sobre as repetitivas queixas da esposa.
Os filhos, ambos em período de férias, ficariam até o fim de agosto com os pais, para enfim retornarem para o Internato de Hogwarts em Norland.
Sirius, o primogênito, estava mais uma vez tocando piano, de modo a evitar a companhia de qualquer parente seu. Ele era diferente dos outros Black, e isso já havia sido percebido e repreendido por Walburga. Ela sabia o quanto o filho tendia para as artes em vez da política, o quanto ele pouco se importava com a nobreza e com o dinheiro, e isto era, afirmava, uma tendência imperdoável que deveria desde já ser alterada.
-Tocando piano, outra vez? –exclamou a senhora Black, aproximando-se.
O aposento era ricamente mobiliado; uma sala para visitas, com o piano, um sofá vinho e uma mesinha de centro com crisântemos. Também havia muitas prateleiras e outros tantos detalhes presentes em qualquer casa nobre.
-Sim, - retrucou. –Não vejo mal algum nisso.
-Deveria estar estudando, ou ajudando seu pai. O piano só lhe atrapalha, já disse centenas de vezes que tendo ou não naturalidade com a música, não permitirei que escolha este caminho. –disse ela em tom severo.
Sirius então pela primeira vez desviou a atenção do piano para fitar a mãe. Era verdade, o assunto já havia sido discutido inúmeras vezes.
-Mãe, não quero discutir isto agora. Deixe-me em paz com meu piano, e lhe serei eternamente grato.
A mulher bufou, e furiosamente fechou o instrumento, quase machucando os dedos do filho.
-Você é um futuro conde, não pode desperdiçar tanto tempo assim. Proíbo-lhe de tocar neste piano por essa semana. E Deus sabe o quanto estou sendo razoável, pois o certo seria proibi-lo para sempre.
O garoto se levantou em um salto, o cabelo negro caindo sobre os olhos, as sobrancelhas demonstrando parte da raiva que sentia.
A senhora Black o ignorou, tomando lugar no sofá e o observando com uma calma fingida.
-O senhor Steele nos convidou para um baile particular em sua residência amanhã à noite, e perante as circunstancias seria um desrespeito não aceitar o convite. –informou ela, com um sorriso.
-Ótimo, -disse Sirius, indo em direção às escadas. –Elliot certamente possui um piano onde eu possa tocar sem ter os dedos quase arrancados.
E fechou a porta de seu quarto com um baque, antes que a mãe pudesse berrar alguma coisa em resposta.
Sirius era com toda certeza um dos garotos mais belos de toda a Inglaterra, e um dos mais ricos também: o pai possuía um rendimento anual de mais de cem mil libras, sem esquecer das suntuosas propriedades.
Conde Orion e sua mulher depositavam grandes esperanças no futuro do filho mais velho, desde muito cedo se empenhavam em arranjar um casamento à altura da condição social de Sirius, e encontraram na senhorita Steele uma forte candidata.
O aposento era enorme, com uma lareira e uma ante-sala. O papel de parede azul-turquesa com flores douradas nas laterais, a cama extremamente confortável ao centro.
Tirou um livro aleatório da prateleira, 'John Locke' constatou com um sorriso maroto. Se a senhora Black o apanhasse lendo um escrito iluminista seria capaz de deserdá-lo, e este era o principal motivo para que Sirius o lesse.
Mal teve tempo de folhear uma página, quando pela janela escancarada entrou voando uma pedrinha.
Ele retirou relutantemente os olhos do livro, se dirigindo vagaroso até a janela, onde as cortinas de seda esvoaçavam.
-Finalmente, Padfoot. –gritou um rapaz de olhos esverdeados escondidos atrás de um par de óculos.
-Prongs, é você?
-Não, claro que não. Sou eu, Voldemort, e vim lhe convidar para um divertido passeio onde o principal objetivo é matar o maior número de pessoas possível. –respondeu ele, irônico.
-Ah, percebo. Só fico um pouco curioso com o fato do maior Serial killer de todos os tempos estar agora em frente a minha casa. –replicou Sirius, que já colocara uma das penas no parapeito, e se preparava para pular.
-Vamos, a carruagem está esperando. –disse Prongs, entre risadas.
Sirius pulou, tentando não fazer muito barulho ao cair. Ajeitou o paletó e passou as mãos sobre o cabelo ao ficar de pé, seguindo o amigo em direção ao veículo.
-Aonde vamos dessa vez? –perguntou Sirius, entrando na carruagem lustrosamente preta.
-A um serão musical na casa da senhora Jennings. Lílian estará lá. –acrescentou, ao ver que seria necessário se explicar melhor.
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Ao longe reconheceu o trote de cavalos, outra carruagem se aproximava. Não tinha forças para realizar o que era preciso: esconder-se na folhagem. E se via obrigado a provavelmente receber os olhares acusadores de quem quer que fosse.
Sabia que ali não era seu lugar, deveria estar no subúrbio à uma hora dessas. Em um daqueles antros repugnantes, cheirando a ópio.
Mas era lua cheia, e isso era motivo suficiente para se manter longe das brigas grosseiras, da violência de uma vida desordenada, dos párias e dos ladrões. Tremia só de imaginar o cais, com suas lanternas que luziam na popa de algum enorme navio mercante, a luz que estremecia e estilhaçava-se nas poças.
O carro estava muito próximo agora, podia até sentir o odor que o cavalo emanava, podia ver o medo nos olhos do cocheiro. Mas então tudo desapareceu.
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-Marque minhas palavras, Padfoot, Lílian ainda vai me amar. –disse Prongs com convicção, estirado no banco da carruagem. –Não entendo como ela pode apreciar a companhia daquele imbecil do Ranhoso.
-Nem eu. Mas, mudando um pouco de assunto, acha que minha família vai ficar sabendo que fui a esse evento musical? –perguntou, receoso. –Fiz o possível para não ser reconhecido.
-Estava escuro, e aquela peruca loira que lhe emprestei deve ter bastado. Apresentei-lhe como um amigo meu da França; Sabe, acho que nós, ingleses, de certa forma tememos os franceses e suas idéias.
Sirius balançou a cabeça em sinal afirmativo, espiando pela janela. Os lampiões a gás brilhavam acompanhando a rua estreita, a frente pôde discerni a silhueta de um homem.
-Mas, naturalmente, eu e você somos uma exceção. Como gostaria que minha mãe soubesse que apoio às tais idéias francesas. –exclamou ele, com um suspiro.
-Ela o trancaria num quarto e nunca mais o deixaria sair, acredite em mim, é melhor que ela continue do jeito que está, ignorante a maior parte de suas rebeldias.
-É, acho que você tem razão, mas algum dia qu--... James! Peça para o cocheiro parar. –berrou Sirius de repente, agora o rosto completamente para fora da carruagem.
Prongs o obedeceu no mesmo instante, assim que pararam Padfoot correu para fora do carro, indo à direção de um homem desmaiado na beira da estrada.
-Minha nossa. –disse James, percebendo o rapaz maltrapilho inerte poucos metros a sua frente. –O que pretende fazer, Sirius?
-Não sei, não sei. –respondeu, enquanto checava o pulso do garoto desmaiado. –Ele está vivo. –constatou.
-Felizmente.
-Ele passa mal, não sou médico nem nada, mas se fosse dar um palpite diria que por falta de alimentação.
Sirius olhou para o céu por um instante, pensativo.
-James, será que, bem, você sabe, eu não poderia levá-lo para minha casa, meus pais o jogariam na rua no instante seguinte, mas já os seus pais...
Prongs olhou para o garoto, deveria ter uns dezesseis anos, era incrível como o rapaz de sua mesma idade poderia estar em estado deplorável e ele passar tão bem.
-Não daria certo, meus pais têm bom coração ,verdade, mas receber um mendigo em casa é demais para eles. –objetou James, tristemente.
-Merda. –praguejou Sirius.
-Se bem que tenho uma idéia. –disse de repente, os olhos brilhantes. –Temos outras propriedades aqui em Londres, e meus pais me cederam uma delas para poder estudar com maior tranqüilidade.
-Sim! É um plano genial, por isso que eu amo você, Prongs. –exclamou Sirius, com um largo sorriso, dando um rápido beijo na bochecha do amigo, que fez o cocheiro arregalar os olhos.
Acomodaram o provável pedinte em um dos bancos da carruagem, Sirius colocando a cabeça dele nas suas coxas, de forma a dar-lhe maior conforto. Iriam primeiro até a casa de estudos de James na Farley-street.
-Padfoot, já é madrugada. É mais seguro para você ir logo para casa, cuidarei dele por hoje, mamãe vai acreditar em mim quando eu disser que decidi dormir no chalé.
-Não importa, meus pais apesar de tudo respeitam minha privacidade, não vão me descobrir. –replicou ele.
James assentiu, sabia o quanto o amigo era teimoso, quando estava decidido de algo era quase impossível faze-lo voltar atrás.
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Abriu os olhos, contudo imediatamente os fechou, pego de surpresa pela intensidade de luz do aposento.
Os lábios estavam rachados, sua barriga roncava e tinha cede. Passou uma das mãos no rosto e notou um curioso cheiro de lavanda. Não estava acostumado a isso, sua pele geralmente cheirava a uísque ou ao terrível ópio, nunca a algo tão doce como a lavanda.
-Ele está acordando, Sirius! –gritou uma voz masculina que ele não conhecia.
Então, ouviu passos, e mesmo de olhos fechados sabia que o observavam. Alguém se ajoelhou ao seu lado, pois podia sentir a respiração lenta e regular em seu pescoço.
-Você está bem? –perguntou outra voz masculina ternamente. –Suponho que deve estar com fome, e com cede. Ai desculpe-me, você mal acordou e já lhe encho de perguntas.
-Padfoot, são uma e quinze da manhã. –informou um deles. –Você deveria voltar para casa.
Forçou os olhos a abrirem-se, piscou algumas tantas vezes, e enfim pôde enxergar o que o rodeava: Dois rapazes, o primeiro estava sentado numa cadeira simples a sua frente, o cabelo bagunçado, um par de óculos nos olhos verdes; O segundo, teve de admitir, chamou muito mais sua atenção. Agachado ao seu lado, o mirando com genuína preocupação, o cabelo teimando em cair charmosamente sobre o rosto de narciso.
O quarto era pequeno, com um papel de parede amarelo e um lampião sobre uma escrivaninha de madeira, que provocava longas sombras alaranjadas.
-Onde estou? –conseguiu perguntar, a garganta tão seca que as palavras lhe arranhavam.
O homem ao seu lado sorriu.
-Você está seguro. –ele limitou-se a responder, ficando de pé e indo a direção da porta.
Alguma estrela cadente, ou quem sabe uma bondosa fada madrinha, escutou o seu desejo; Pelo menos por aquela noite estaria protegido de verdade.
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Sirius depositou a bandeja delicadamente sobre o colo do garoto, tinha feito o possível para lhe preparar uma refeição razoável: uma sopa simples de legumes e uma jarra de leite.
-Não sou bom cozinheiro. –explicou-se ao ver a careta de espanto do rapaz maltrapilho.
-Padfoot, não diga que não avisei. Agora, já são quase uma e vinte. –lembrou James, consultando o relógio de bolso.
O provável mendigo se pôs a comer avidamente, bebendo todo o leite da jarra sem o uso de copos. Sirius e James o observavam com uma mescla de diversão e admiração.
-Obrigado. –murmurou ele, ao terminar. –Quanto lhe devo?
-Nada, não quero seu dinheiro. –respondeu Sirius prontamente.
O outro o fitou com curiosidade.
-Já entendi. Então, é o meu corpo que você quer, certo? –perguntou ele, com um sorrisinho sensual, se ajoelhando na cama e se preparando para desabotoar a camisola branca que James lhe emprestara.
Sirius o impediu, segurando seus braços frágeis, quase femininos.
-Percebo que não me expressei muito bem; Não quero nenhum tipo de pagamento.
-Não o entendo. –disse, com sinceridade, pendendo a cabeça um pouco para o lado. –O que você pode querer de mim que não seja meu pouco dinheiro ou sexo? Para quê me tirou daquela calçada?
James fez menção de dizer alguma coisa, mas Sirius o impediu, pedindo silencio com um movimento de mão.
-Eu não quero nada de você, nem mesmo gratidão. O tirei de lá por que me sentiria terrivelmente culpado se não o fizesse. –afirmou Sirius, com seriedade. –Suponho que você deva ter encontrado muitas pessoas horrendas por aí, que o magoaram demais. Não serei uma delas, palavra.
-Chega de seriedade Padfoot. –exclamou James, que não agüentava mais o clima sério daquela conversa. –Vamos nos apresentar, que tal?
Sirius pareceu acordar de um transe, e voltou ao semblante jovial e sagaz de sempre.
-Sim sim, bem lembrado Prongs. –começou, com um imenso sorriso. –Eu sou Sirius Black, ou Padfoot. Ele é James Potter, ou Prongs. E você é...?
O rapaz parecia hesitante diante de tanta simplicidade e alegria que aqueles jovens possuíam, e faziam questão de compartilhar com todos ao redor.
-Remo... Remo Jonh Lupin.
-Padfoot, temos agora que encontrar um apelido para ele. –murmurou James, pensativamente.
-Tem toda razão, - concordou, pondo a mão no queixo e espiando pela janela.
Lupin estava atônito, nunca antes haviam se importado de lhe dar um apelido que não fosse grosseiro e ofensivo.
-Já sei! –berrou Sirius subitamente. –O encontramos numa noite de lua cheia, desmaiado e sujo como se fosse uma espécie de lobisomem. Enfim, que tal, Moony?
-Apoiado. –aderiu Prongs animado. –Agora somos quatro: Prongs, Padfoot, Rabicho (que se encontra agora com a família em Norland.) e o mais novo membro, Moony.
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-Moony... –sussurou.
Gostava do apelido, foi a coisa mais carinhosa que já fizeram por ele. É... Talvez o mundo não fosse tão monstruoso assim.
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Enfim, eu já tava pensando nessa fic faz tempo; no projeto original ela se passaria numa Londres recente, sabe? Mas estou atualmente viciada em livros sobre o século 18, e não pude resistir ..'
Bom, o meu Lupin é um rapazinho muito devasso e traumatizado; o meu Sirius um outro rapazinho rebelde, que não aceita as regras sociais de seu tempo.
Aí, o Voldemort é um serial killer que tem um monte de seguidores, sacas:D Mas ele não vai aparecer na historia não, só em comentários do tipo mesmo.
Não pretendo passar do quinto capitulo, mas veremos como a historia vai se desenvolver o/
Ah, por favor, se lerem, comentem .
Beijooos .
