Oceanos de Vinho
Por Lamari
Disclaimer: Saint Seiya e nenhum produto relacionado me pertence. Essa obra não tem fins lucrativos de qualquer espécie.
Resumo: Prestes a serem punidos pelos deuses com o mais duro dos castigos, Afrodite e Máscara da Morte repensam em suas vidas. Yaoi Máscara da Morte X Afrodite
AVISO: Essa fic tem conteúdo yaoi / lemon – ou seja, relacionamento emocional e físico (ah-hã) entre homens. Se você se chocou, não leia. Não me diga depois que eu não avisei...
Cap. I – Mar de Rosas
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Baby join me in death
Baby join me in death
Baby join me in death
Querido, junte-se a mim na morte
Querido, junte-se a mim na morte
Querido, junte-se a mim na morte
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Ele sabia. Pressentiu ao se levantar naquela manhã. Amanhecera um dia triste, de sol claro mas nuvens escuras. Um dia úmido. Ao respirar o ar frio da manhã, um arrepio gelado lhe percorreu a espinha. Ele olhou para a cama vazia a seu lado e apertou os olhos. Apalpou o colchão: não, não estava mais lá. Não havia mais nada além do cheiro impregnado nos lençóis de seda clara abarrotados por sobre o leito... vazio.
Entrelaçou os dedos finos e longos das mãos delicadas, esticando os braços acima do corpo. Esticou-se por completo, sentindo todos os músculos de seu corpo bem feito, nem forte nem fraco demais: proporcionalmente perfeito. Retesou-se, estava cansado. As pernas doíam, os braços latejavam... olhou mais uma vez para a cama: vazia.
Suspirou, já não se importava mais. Já havia se acostumado ao jeito do outro. Amantes há tanto tempo... tinham vivido tanto juntos. Mas gostava de Máscara da Morte do jeito que ele era: cruel, frio, calculista... necromanticamente belo. Suspirou. "Não há pessoa no mundo mais parecida comigo do que ele...", pensou. Sorriu, embora uma angústia estranha houvesse lhe invadido o peito desde que acordara. O coração se encolhia no peito, desmanchando-se por uma razão que ele não sabia qual era.
Afrodite levantou-se preguiçosamente, e a passos felinos caminhou até o espelho enorme que havia em frente à sua cama. Narciso não ama a ninguém além de si mesmo, e admirar seu reflexo todo dia ao acordar era o ritual preferido do belo morador da Casa de Peixes. Naquela manhã estranha, entretanto, Afrodite não viu seu próprio reflexo no espelho. Não era a figura loira andrógena de sempre à sua frente, mas sim um homem moreno, de cabelos castanhos revoltos e olhar penetrante, a lhe sorrir provocantemente. A figura no espelho se desfez numa nuvem de fumaça, e então o ser mais belo do mundo reapareceu, mais branco do que o normal, olhando espantado para si mesmo. Afrodite apertou os olhos e meneou a cabeça, levando a mão direita ao peito que lhe doía sem motivo. Caiu de joelhos em frente ao espelho, fraco: o que estava acontecendo, afinal?
Arrastou-se até o banheiro e com algum esforço conseguiu se colocar de pé. Tirou a túnica de laise transparente e já rasgada aqui e ali: cada falha era uma lembrança, cada reentrância de tecido, azulejo e pele tinha uma história para contar. Deixou a água cair sobre sua pele, na esperança de que a água lavasse a angústia que sentia sem saber porque. Vã.
A angústia continuava lá, corroendo, apertando. Sufocando. "Ar...", ele clamou com as mãos espalmadas nos azulejos azuis transpirando vapor. Os cabelos molhados escorriam pelas costas e ele ergueu os olhos em direção ao chuveiro, deixando os pingos caírem forte sobre o pescoço branco arroxeado aqui e ali. Rapidamente lembranças dançaram em sua memória... era tão jovem e já tinha vivido tanta coisa. Eram tão jovens e já tinham vivido tanta coisa...
Deixou o banho e admirou-se novamente, desta vez no espelho do banheiro. O corpo branco e esguio ostentava marcas vermelhas e roxas: chupões e arranhões dos quais ele tanto se orgulhava. Conseguiu sorrir. Ele preferiria acordar ao lado do cruel algoz que deixava aquelas marcas em sua pele maculada, que demarcava território em seu corpo renascentista. Acontecera algumas vezes, é verdade... momentos em que Máscara da Morte permanecera até a manhã seguinte e lhe acordara com um sorriso e um beijo. Eram momentos raros, mas eram. Para Afrodite, isto bastava.
Caminhou ainda nu de volta a seu quarto. Deitou-se mais uma vez na cama grande, espalhando-se, esparramando-se nela para impregnar-se do cheiro, da essência do outro. "Ah, Máscara da Morte de Câncer...", suspirou, agarrado ao travesseiro de penas de ganso que jazia sobrando a seu lado. Passou um bom tempo neste ritual, não se sabe precisar o quanto... Até que finalmente se levantou e vestiu uma túnica azul de seda, amarrou uma faixa preta na cintura, penteou os longos cabelos loiros e calçou suas sandálias de couro: estava pronto para iniciar suas atividades rotineiras, precisava cuidar do jardim.
Foi então que aconteceu. Ele sentiu uma presença estranha, sorrateira. Depois de tudo o que eles haviam vivido, Afrodite, que sempre fora seguro de si, não conseguiu evitar um grito rouco. Chamou sua armadura e, na velocidade da luz, já estava junto da deusa a quem jurara proteger. Pois mesmo com a fama de Maldito, Afrodite sempre fora fiel. À sua maneira, mas fiel.
A presença estranha se multiplicou e se intensificou, certamente era uma invasão. Seu peito doeu ainda mais quando enfim entendeu o motivo da angústia. Procurou Máscara da Morte com o olhar, ele estava lá. O cavaleiro de Câncer apertou os olhos, que brilhavam mais do que o normal, e caminhou até ele. Chegou bem perto, muito perto...Afrodite sentiu o cheiro forte, o hálito quente de Máscara da Morte. Apoiou-se nele, fechou os olhos e suspirou.
Quando os abriu novamente, ele viu. Uma mulher loira, belíssima, acompanhada de anjos... só podia ser a Morte. Os outros cavaleiros de ouro também estavam lá. Afrodite engoliu em seco e se aconchegou mais em Máscara da Morte. Quis tirar a armadura, o metal atrapalhava, mas não conseguiu. A mulher se apresentou como Ártemis, a Deusa da Lua. Trazia uma punição para Atena e seus cavaleiros.
Por haverem lutado contra os deuses, os cavaleiros de Atena deveriam agora ser castigados. "Ah, uma hora teríamos que enfrentar nossos pecados...", sussurrou Afrodite no ouvido de Máscara da Morte, que simplesmente apertou-lhe a mão. Ártemis descreveu-lhes o castigo: seriam os bravos cavaleiros de ouro congelados, petrificados, e suas almas cansadas não teriam jamais direito a descanso.
Afrodite engoliu em seco, o nó em sua garganta doendo a ponto de quase sufocar-lhe. Encostou os lábios no ouvido de Máscara da Morte. "Não me importo em morrer contanto que esteja a seu lado...", murmurou aquelas palavras que já haviam sido ditas em outra ocasião. O amante lhe dirigiu um olhar de súplica. "Querido, junte-se a mim na morte...", sussurrou o Cavaleiro de Peixes.
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We are so young
Our lives have just begun
But already we're considering
Escape from this world
And we've waited for so long
For this moment to come
We're so anxious to be together
Together in death
Nós somos tão jovens
Nossas vidas apenas começaram
Mas já consideramos
Escapar desse mundo
E já esperamos tanto
Por esse momento
Estamos tão ansiosos para estarmos juntos
Juntos na morte
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Máscara da Morte apertou forte os olhos. Não ousava encarar Afrodite a seu lado, nem mesmo os outros cavaleiros de ouro ele encarou. O Cavaleiro de Peixes, ao contrário, escrutinou o ambiente com seus belos olhos azuis: estava escuro, a penumbra tornava tudo translúcido num paradoxo inexplicável. Escuro, tão escuro que o breu invadia os ossos. E fazia doer.
Dor. Foi isso que ele sentiu em seus dedos, quase ouviu as falanges se partindo em pedaços tamanha força Máscara da Morte usava para apertar suas mãos. Afrodite suspirou. Respirou fundo e se controlou, tentava a todo custo não sentir o nó que lhe apertava as entranhas. No fim, talvez fosse melhor daquela forma. Já tinham vivido a morte por duas vezes... uma terceira não seria assim tão ruim se estivessem juntos.
Afrodite sorriu: sempre estiveram juntos na morte. Mesmo que tivessem ficado separados no Meikai, a certeza da presença de um é que dava forças ao outro. Era assim com ele, e Afrodite não tinha a menor dúvida de que com o outro também ocorrera da mesma forma. Máscara da Morte havia confessado na primeira vez que ficaram juntos que o que lhe mantivera vivo nos dias de Inferno havia sido a procura constante por si. Num daqueles raros momentos de Máscara da Morte que eram, e para o Cavaleiro de Peixes esse simples ser, ou melhor, ter sido, era suficiente.
E o loiro se lembrou de alguns dos momentos que passaram juntos, discutindo a morte. Ele via em Máscara da Morte a beleza da morte, Máscara da Morte via em si a morte bela. Pois Afrodite sabia que para Câncer ele era uma doença, uma fraqueza. Sabia que sua presença sugava os pensamentos e alimentava os sentidos do italiano necromântico. Não havia romance ali, mas necromancia.
O Cavaleiro de Peixes já havia cogitado. Sim, já havia cogitado a bela morte, os dois, juntos, finalmente mortos lado a lado. Finalmente quietos, em paz. Afrodite pouco se importou com as palavras duras de Ártemis, que disse com prazer que não haveria descanso para suas almas. O simples fato de parar de se preocupar com a deusa, de parar... o simples parar seria para ele um descanso. Passar a eternidade em efígie ao lado de Máscara da Morte não seria nada mal, não mesmo.
Eles eram tão jovens... e já tinham sofrido tanto. E já tinham feito sofrer tanto. Quantas cabeças inocentes jaziam imponentes na Casa de Câncer? E não pesava em sua própria consciência a destruição da Ilha de Andrômeda? E não tinham os dois compactuado com Saga de Gêmeos, tendo sido conhecedores da verdade e nunca se manifestado? Afrodite deu de ombros, talvez merecessem aquele castigo...
Fechou e abriu os olhos. Segurou também a mão de Máscara da Morte o mais forte que conseguiu. – Esperamos tanto por isso, querido. Juntos, finalmente juntos na morte. Mesmo, agora não tem mais saída. Ártemis segura o báculo de Atena, vê? Não há mais nada que possamos fazer... talvez o Seiya consiga alguma coisa, ele sempre consegue e nunca morre. Eu não me importo, pois sobra para nós o que há de mais belo: a morte, a eternidade em efígie a seu lado. Ah, Máscara da Morte de Câncer, como ansiamos por esse momento! – murmurou.
O canceriano esboçou um pequeno sorriso quando Afrodite mencionou Seiya. O loiro pôde ler o pensamento dele: uma piada sem graça, uma última rusga, um último veneno ele tinha conseguido dizer. – Somos tão jovens e tão belos. Seremos preservados para sempre em juventude e beleza. Estou tão feliz, meu querido! – exclamou Afrodite, fechando os olhos.
Máscara da Morte não esboçou nenhuma reação.
– Junte-se a mim na morte, meu querido! – pediu Afrodite. Olhou em volta. – É noite embora seja dia. Perfeito. Você não morreria essa noite por amor? – perguntou. Se a resposta fosse a que ele queria ouvir, morreria e enfrentaria o castigo exultando em felicidade.
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Won't you die tonight for love
Baby join me in death
Won't you die
Baby join me in death
Won't you die tonight for love
Baby join me in death
This world is a cruel place
And we're here only to lose
So before life tear us apart let
Death bless me with you
Você não morreria essa noite por amor?
Querido junte-se a mim na morte
Você não morreria?
Querido junte-se a mim na morte
Você não morreria essa noite por amor?
Querido junte-se a mim na morte
Este mundo é um lugar cruel
E estamos aqui só pra perder
Então antes que a vida nos separe deixe
A morte me abençoar com você
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Mas Máscara da Morte não respondeu. Continuou sem dizer nada. Em silêncio. Era aquele silêncio dele que deixava Afrodite com raiva. Entretanto, naquele momento o pisciano não teve raiva. Afrodite resignou-se, não poderia esperar algo diferente do amante, nem mesmo numa situação como aquela. No fundo Máscara da Morte deveria estar decepcionado por não poder retornar ao Meikai... mas a idéia de permanecer em efígie agradava tanto a Afrodite!
Afinal, o loiro não tivera propriamente uma vida tranqüila. Nem mesmo boa. Os únicos bons momentos dos quais Afrodite se lembrava eram aqueles momentos que eram com Máscara da Morte. Para ele soava natural, soava belo até, permanecer ao lado do outro, a alma presa numa bela estátua, para sempre. No fundo o pisciano tinha medo, muito medo de que o amante se enjoasse dele e partisse para outras experiências. Ele nunca soube nem nunca ia saber o que realmente esperar de Máscara da Morte. Afrodite tinha plena consciência de que era muito bonito e sedutor, entretanto também era astuto e sabia que nem o melhor sexo do mundo é capaz de, sozinho, manter uma relação.
Não, certamente que deveria haver paixão. Amizade. Amor.
E então nada seria mais belo, mais perfeitamente harmônico, do que aquele fim: petrificados um ao lado do outro, sofrendo eternamente sem descanso, cientes da presença mútua. Tão perto. Plenos em sua juventude e desejo. Sim, que o fim da vida viesse antes do fim do romance. Que o romance se tornasse necromance e durasse para sempre. Era simplesmente... belo. Ao menos era nisso que Afrodite queria acreditar. Era nisso que ele precisava acreditar para não se deixar vencer e chorar, agarrado ao outro. Para não ajoelhar diante de Ártemis e implorar para que lhes deixassem vivos, vivos para continuarem juntos.
O loiro suspirou mais uma vez. Tornou a fechar os olhos. – Essa vida que nós vivemos, Máscara... tão cruel. Ainda mais para nós dois, proscritos dentre os santos. Malditos entre os escolhidos. Vilões entre os heróis. Ah, Câncer... tão iguais nós dois em nossa essência. Sim, esse é o melhor fim para nós dois. Belos e juntos. Jovens e juntos. Amantes e juntos. Que venha logo o castigo. Que Ártemis me abençoe, que a morte me abençoe com você.
O canceriano apertou ainda mais a mão de Afrodite. Doía, mas o pisciano não ousou reclamar. Mas dos lábios do italiano nenhuma palavra, nenhum som escapou. Doíam os ossos das mãos, mas o peito do Cavaleiro de Peixes se encolhia cada vez mais, fechando-se, esmorecendo... seria possível que morreriam mais uma vez, e uma vez mais ele não conseguiria? – Você não morreria esta noite por amor, Máscara da Morte de Câncer? – Afrodite insistiu baixinho. "Responda, por favor...", implorou sem dizer nada.
Afrodite esperou.
E Máscara da Morte não se pronunciou.
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Won't you die tonight for love
Baby join me in death
Won't you die
Baby join me in death
Won't you die tonight for love
Baby join me in death
This life ain't worth living
This life ain't worth living
This life ain't worth living
This life ain't worth living
Won't you die tonight for love
Baby join me in death
Won't you die
Baby join me in death
Won't you die tonight for love
Baby join me in death
Baby join me in death
Você não morreria essa noite por amor?
Querido junte-se a mim na morte
Você não morreria?
Querido junte-se a mim na morte
Você não morreria essa noite por amor?
Querido junte-se a mim na morte
Esta vida não vale a pena viver
Esta vida não vale a pena viver
Esta vida não vale a pena viver
Esta vida não vale a pena viver
Você não morreria essa noite por amor?
Querido junte-se a mim na morte
Você não morreria?
Querido junte-se a mim na morte
Você não morreria essa noite por amor?
Querido junte-se a mim na morte
Querido junte-se a mim na morte
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Afrodite meneou a cabeça negativamente. – Nem mesmo toda essa beleza, nem mesmo toda a perfeição deste momento te comove, Máscara da Morte. Definitivamente não vale a pena viver. Não, não mais. Não essa vida que eu levei. Todos os meus anos, não. De que adianta toda essa beleza, minha beleza, a beleza de nossa morte, hein? – afirmou. Com um puxão livrou-se da mão que apertava a sua. – É uma morte mais bonita do que qualquer uma que eu pudesse imaginar, Máscara da Morte. Se você não consegue entender isso, então me deixe só. Daqui séculos, quando os próximos cavaleiros de ouro vierem ao Santuário, irão admirar minha figura e não a nossa. No fim, sempre foi assim. Ah, Máscara da Morte, pena que você não foi capaz de perceber a beleza desse momento...
Nada. Nenhum som. Nenhum movimento.
O Cavaleiro de Peixes baixou a cabeça. Apertou as duas mãos com raiva, cerrando os dentes e os punhos. Suspirou. – Querido, junte-se a mim na morte. Por favor. Esta vida não vale a pena viver, mas também não vale a pena morrer se não for com você. Por favor. – sussurrou baixinho, num murmúrio quase inaudível.
Foi então que Afrodite sentiu-se ser abraçado. Braços longos envolveram-lhe a cintura, e um queixo másculo com barba por fazer roçou-lhe na face. O loiro tombou a cabeça para trás, apoiando-se no ombro forte do homem atrás de si. – Vamos morrer juntos? Tão lindo...
– Pára, Afrodite! – afirmou Máscara da Morte. – Pára de tentar me convencer de que tudo isto é bonito. Não é. Não é. – disse duramente. Virou o pisciano para si e encarou os belos orbes azuis-piscina. Seus olhos escuros lampejavam e brilhavam mais do que o comum. Máscara da Morte suspirou, e com o indicador acariciou a face do loiro. Beijou-lhe a boca num leve roçar de lábios e logo em seguida abraçou-se a ele, acariciando os fios de cabelo loiro-platinado. – Não é bonito, Afrodite. A única coisa bonita aqui é você. – afirmou baixinho. Cheirou-lhe o pescoço. – Rosas... Afrodite, mar de rosas... – murmurou.
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Música: Join me in death, HIM.
