CAPÍTULO 1 – DRACO MALFOY

ACONTECIMENTOS PARALELOS AO LIVRO "A CÂMARA SECRETA"

Até os 12 anos eu não tinha ainda me dado conta de que havia algo de muito errado com meu pai. Poderia se argumentar que àquela altura eu já teria percebido que ele era um bruxo das trevas adepto à ideologia sangue-puro; mas eu tinha sido ensinado – não só por ele, mas pela minha mãe e por todos os bruxos adultos com os quais a minha família tinha convivência próxima – que os trouxas, nascidos trouxas e mestiços eram inferiores, e que as artes das trevas eram simplesmente um ramo da magia que sofria preconceito de bruxos moralistas e hipócritas como Dumbledore e os aurores do Ministério.

Apesar disso, meu pai tinha feito questão de me dar tudo de bom e do melhor, assim como à minha mãe, para que eu fosse bem vestido, bem informado, bem educado, e tivesse acesso a tudo que o dinheiro pudesse comprar. Ele jamais me infligiu um único castigo físico, isso era, em suas próprias palavras, coisa de trouxa. E ele também não correria o risco de macular o corpo de seu herdeiro com algo tão desagradável aos olhos como uma cicatriz.

Mas mesmo assim, Lucio Malfoy tinha insistido toda a minha infância em como eu deveria ser: nunca demonstrar medo, nunca chorar, não perder o controle, olhar para os outros de cima, me orgulhar de pertencer àquela família, trazer honra para o nome dos Malfoy. Quando eu fui a Hogwarts, aos 11 anos, descobri que meu nome e meu dinheiro tinham chegado antes de mim. Meus colegas de casa me respeitavam. Então não achei nada difícil manter a pose que meu pai queria, repetir tudo o que eu ouvia em casa.

Mas aos doze anos eu descobri que meu pai não era um homem forte, orgulhoso do bom nome da família Malfoy, honrado e decente como eu queria acreditar. Ele era cruel.

Naquele ano, a Câmara Secreta foi reaberta, e houve um furor de animação na Sonserina, ao qual eu fiz coro, afinal aquele era o plano do fundador da nossa casa, expurgar a escória de Hogwarts. Mas as coisas começaram a ficar sérias, e embora eu continuasse a repetir que, como meus colegas de casa, estava feliz com o rumo dos acontecimentos, eu estava apavorado com aquilo. Uma coisa era impedir trouxas de estudar em Hogwarts, agora mata-los? Isso me parecia extremamente radical! Meus pais nunca tinham chegado a me falar nisso.

Meu pai se aproveitou da história toda para tentar afastar Dumbledore da escola, mas o diretor acabou retornando. Em um dia, ele foi até o escritório do diretor, e não percebeu que eu ouvia a conversa. Dentro da sala estavam meu pai, Dumbledore e Harry Potter, que na época era também um menino de 12 anos.

- Então, você já fez os ataques pararem? – zombou meu pai. – Já apanhou o culpado.

- Apanhamos. – ouvi a voz de Dumbledore, me aliviando que enfim aquilo tivesse terminado.

No fundo eu não queria que alunos continuassem a ser petrificados e que aquele estado de terror continuasse a pairar sobre a escola.

- E? Quem é? – Perguntou meu pai.

- A mesma pessoa da última vez, Lúcio. Mas agora, Lorde Voldemort agiu por intermédio de outra pessoa. Por intermédio do seu diário.

Eu colei o ouvido na porta, escutando como o tal objeto, o diário que pertencera ao Lorde das Trevas tinha possuído Gina Weasley, fazendo com que ela abrisse a Câmara Secreta, atacasse nascidos trouxas. Ao final, Harry Potter prontamente acusou meu pai:

- Foi o senhor que deu o diário a ela. Na Floreios e Borrões. O senhor apanhou o velho exemplar de Transfiguração que ela levava e escorregou o diário pra dentro dele, não foi?

Deixei a memória vagar pra aquele dia ao qual Potter se referia. Tínhamos de fato encontrado os Weasley na Floreios e Borrões.

- Prove. – meu pai sibilou.

- Ah, ninguém pode fazer isso. – disse Dumbledore. – Não agora que Riddle desapareceu do livro. Por outro lado, eu aconselharia você, Lúcio, a não sair distribuindo o material escolar que pertenceu a Voldemort. Se mais algum objeto chegar a mãos inocentes, acho que Arthur Weasley é um que vai providenciar para que seja rastreado até você...

Fiquei convencido de que tinha sido ele. Na verdade, eu nem estava surpreso. É como se eu tivesse tentado me enganar, durante toda a minha infância, com essa imagem honrada do meu pai. Ele tinha, afinal, sido o responsável pela reabertura da Câmara Secreta. Tinha sido o responsável pelos alunos petrificados que, felizmente, não sofreram sequelas permanentes. E Gina Weasley tinha sido possuída... tinha sido arrastada para o interior da Câmara... Gina Weasley que era puro-sangue. Qual era o sentido daquilo? Não era uma questão de afastar trouxas de Hogwarts, meu pai só queria se vingar de um desafeto seu, Arthur Weasley, não importava que sua filha não tivesse uma gota de sangue trouxa.

Depois daquele acontecimento, passei a olhar meu pai com outros olhos. Eu continuava a seguir sua cartilha, fazer o que ele esperava de mim, até porque tinha descoberto que ele era capaz de qualquer coisa para conseguir o que queria.

Mas eu decidira que o observaria com cuidado.

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ACONTECIMENTOS PARALELOS AO LIVRO "O CÁLICE DE FOGO"

Depois dos eventos da Copa Mundial de Quadribol, dois anos mais tarde, meu pai ficava cada vez mais horas por dia trancado na enorme biblioteca da mansão, quase não fazia mais refeições comigo e com mamãe, como era seu costume quando eu estava em casa para as férias de verão.

Mamãe tinha comentado, em segredo, que aquelas pesquisas de meu pai tinham se tornado frequentes após notícias de que o Lorde das Trevas estava na Albânia, onde tinha desaparecido recentemente uma bruxa, Berta Jorkins. E que agora, com o aparecimento da marca Dele no céu, na noite da Copa Mundial, meu pai tinha se enfiado na biblioteca com maior empenho.

Eu estava curioso e pressentindo que algo muito ruim estava para acontecer. Então, numa noite, quando ouvi meu pai gritar o nome da minha mãe, chamando-a da biblioteca, eu fui pé ante pé, silenciosamente, para ouvir atrás da porta.

- O que houve, Lúcio? – minha mãe perguntou, tendo chegado um pouco ofegante na Biblioteca, visto que o marido a tinha chamado com tanta urgência.

- Eu descobri. – meu pai exclamava, como um grito de vitória. – Descobri o segredo daquele maldito.

- Que maldito? – minha mãe perguntou, sem entender. – Do que você está falando?

- Do Lorde das Trevas. – meu pai respondeu, como se fosse óbvio.

- Por Merlin, Lúcio. Eu achei que você concordasse com ele. A vida toda insistiu nessa marca negra. Sempre me condenou por eu não ser como Bella, por eu não ter querido tornar-me Comensal da Morte. – eu ouvi minha mãe argumentar.

Era a primeira vez que eu ouvia eles falarem naquele assunto tão abertamente. Tudo o que eu sabia era que minha mãe tinha duas irmãs: Andrômeda, que tinha se casado com um nascido trouxa e banida da família, e Bellatrix, que estava em Azkaban há 14 anos por ser Comensal da Morte.

- Você não quis se tornar Comensal porque é fraca. Eu sempre soube disso. – meu pai falou com rispidez. – É uma pena que Rodolfo Lestrange tenha se casado com Bellatrix antes que eu pudesse faze-lo.

Eu nunca o tinha ouvido tratar minha mãe assim. Mas naquele dia me dei conta que era provável que aquilo acontecesse com frequência quando eu não estava ouvindo. Eles apenas escondiam de mim. Senti meu sangue ferver no corpo, um sentimento de ódio mal contido preso na garganta.

- O que você descobriu? – minha mãe disse, contida, ignorando as ofensas que ele tinha lhe dirigido.

- Descobri como ele conseguiu sobreviver. Ele tem uma Horcrucx. – meu pai contou. – Aliás, uma não, ele tem Horcruxes, no plural.

- Horcrux? – minha mãe questionou, como se o termo não lhe fosse comum.

- É um objeto em que se guarda parte da alma, com magia das trevas. Desse jeito não se pode morrer verdadeiramente. – meu pai explicou. – Venho estudando e pensando a respeito desde que ele deixou aquele diário comigo. O comportamento do diário com a menina Weasley foi extraordinário pra qualquer magia das trevas comum. Mas claro, o diário foi destruído por Potter. Então se o Lorde das Trevas retornar, significa que ele fez mais de uma Horcrux, partiu a alma mais de uma vez, algo que nenhum outro bruxo fez antes.

- E você acha que ele vai retornar? – a voz de minha mãe deixava claro seu medo.

- Acho que sim, infelizmente. Minha marca está escurecendo. Esse assassinato de Berta Jorkins... a Copa Mundial de Quadribol... nada disso é coincidência. – meu pai respondeu, pesaroso. – O melhor que posso fazer é me tornar, também, imortal, antes que ele retorne.

- Imortal? – minha mãe perguntava como se ele tivesse enlouquecido. – Você vai fazer uma Horcrux também? Vai partir a alma?

- É a melhor saída. Ele vai querer se vingar de mim, eu nunca o procurei, todos esses anos. – meu pai falou. – E além disso, eu me recuso a continuar a servi-lo cegamente. Quero que seja provisório. Quero destruí-lo, tomar seu lugar, me tornar eu mesmo um Lorde das Trevas.

- Lúcio, você está louco... – minha mãe disse, em voz baixa. – Quando jovem você escolheu servi-lo, o que mudou?

- Mudou tudo. Ele deixou aquele diário comigo, o diário de Tom Riddle. Claro, eu pesquisei, quis saber quem tinha sido esse homem. E descobri que era um mestiço, filho de um pai trouxa, sem tradição, que foi a Hogwarts com uma mão na frente outra atrás, usando vestes e material escolar de segunda mão. – meu pai falou, num misto de nojo e irritação. – Tom Riddle, que mudou de nome para fingir pra todos nós que merecia ser seguido, e passou a se chamar de Lorde Voldemort. Você acha, Narcisa, que vou me curvar o resto da vida para um mestiço sujo, criado num maldito orfanato trouxa?

Minha mãe estava sem palavras, completamente chocada. Escondido atrás da porta, eu também.

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ACONTECIMENTOS PARALELOS AO LIVRO "O ENÍGMA DO PRÍNCIPE"

Nossa vida se tornou bem mais difícil após o retorno do Lorde das Trevas. Meu pai fingiu-se de Comensal da Morte fiel, arrependido de não ter procurado seu Mestre, e insistiu para que eu e minha mãe nos portássemos com muita cordialidade e deferência diante dele. Perceptivelmente ele deixava minha mãe apavorada.

Depois da falha do meu pai em uma missão que ele havia liderado no Departamento de Mistérios, no Ministério da Magia, que acabara culminando na prisão do meu pai em Azkaban; Voldemort achou por bem que a melhor possibilidade seria ordenar que eu servisse em nome do meu pai, claramente tentando vingar-se dele, ao dar uma tarefa impossível a um garoto de 16 anos sem nenhum preparo, que envergonharia o nome da família.

Voldemort deixou bem claro que eu deveria receber a marca negra, matar Dumbledore, ou eu e minha mãe não sobreviveríamos. Eu, acuado e com medo, disse que aceitava.

Na véspera do meu retorno a Hogwarts, minha mãe veio até o meu quarto conversar. Ela sentou-se na minha cama, ao meu lado. Seu olhar cansado e ao mesmo tempo alerta não combinava com as feições aristocráticas e altivas. Eu sempre tinha achado minha mãe uma mulher linda, mas ultimamente, era difícil ver algo nela além de medo.

- Você não vai precisar fazer nada, eu falei com Severo, ele vai cumprir sua tarefa. Ele fez um voto perpétuo. – minha mãe falou, tentando me tranquilizar.

Aquilo me fez arregalar os olhos.

- Então quer dizer que o diretor... Dumbledor... ele está mesmo condenado? – eu perguntei, aflito com aquele caminho sem volta pra morte.

- Ele está condenado desde que o Lorde das Trevas decidiu que a prioridade seria mata-lo, Draco. – ela explicou, a voz exausta. – Tudo que eu quero é que não tenha que ser você a fazer isso. Porque você não vai conseguir.

- Você acha que sou fraco? – eu franzi a testa.

Não estava com raiva, só queria saber se ela pensava como meu pai.

- Não. Eu não acho que seja fraqueza não ser capaz de matar. – ela disse. – Mas seu pai acha, e o Lorde das Trevas também.

- Se não for eu a fazer, ambos vão me punir. – eu disse o óbvio.

Minha mãe me olhou com uma expressão clara de dor.

- Seu pai me escreveu. Disse que você deve cumprir a determinação do Lorde das Trevas, que eu não posso ter dado a ele um filho fraco como eu. – o amargor na voz da minha mãe era de cortar o coração. – Disse que soube do pedido que fiz a Snape e que você deve deixar claro, cada vez que ele te procurar em Hogwarts, que não vai deixa-lo roubar a sua glória. Aconselho você a obedecer e dar sempre essa resposta ao professor Snape, mesmo que não seja verdade. E você vai ter mesmo que fazer algumas tentativas, através do Armário Sumidouro, de fazer com que cheguem ao diretor objetos que possam mata-lo. Mesmo que você não se esforce muito... tem que ao menos parecer que quer cumprir essa ordem.

Mas de tudo o que ela disse, o que importava mais pra mim é que minha mãe não se sentisse tão inferiorizada. Porque ela não era. Meu pai jamais a mereceria.

- Você não é fraca. Agradeço todos os dias por não ser filho de alguém como Bellatrix. – eu a defendi.

- Você sabe? – ela pareceu surpresa. – Sabe que seu pai queria ter se casado com a minha irmã?

- Sei. E sei que sua irmã é uma lunática. Seria capaz de matar a nós dois se o Lorde das Trevas ordenasse. – eu falei, em voz baixa, embora estivéssemos sozinhos. – E sei também sobre as Horcruxes do Lorde das Trevas e sobre as maluquices do meu pai de fazer as próprias Horcruxes e tomar o lugar dele.

Nos últimos anos, eu tinha feito questão de investigar eu mesmo para saber afinal o que eram essas Horcruxes. Era uma magia sem precedentes, de uma podridão tão absoluta que me embrulhava o estômago pensar que alguém podia ter de fato feito aquilo, ainda por cima mais de uma vez.

- Seu pai só conseguiu fazer uma Horcrux. Não sei o que é o objeto, ou onde ele guardou, mas o processo foi horrível, quase o destruiu. Tenho certeza que ele não tentará de novo. – minha mãe contou, estremecendo com a lembrança. – Seu pai acha que pode tomar o lugar do Lorde, mas evidentemente ele não tem a mesma disposição e resistência para ir assim tão longe nas Artes das Trevas.

- Nem o mesmo talento em magia, nem os mesmos seguidores, nem nada disso. – eu falei, com lógica. – Meu pai não vai derrotar o Lorde das Trevas. Ele por acaso sabe onde estão essas Horcruxes? O que elas são?

- Parece que uma delas é a cobra... e seu pai desconfia de um objeto que o Lorde mandou sua tia Bella guardar no cofre dos Lestrange. – minha mãe falou. – Mas concordo com você, ele não sabe onde estão as outras horcruxes, não sabe quantas são. E mesmo que soubesse e as destruísse sem que nunca o Lorde das Trevas se desse conta, ainda assim seu pai não teria talento em magia para derrota-lo.

- Ele está louco. Meu pai é um louco, cruel, disposto a tudo pelo poder. – eu falei, perplexo. – Inclusive sacrificar a nós dois.

- Ah, Draco. – minha mãe parecia prestes a chorar. – Você é tão novo... não queria que já estivesse carregando tudo isso nas costas.

- Eu quero dividir esse peso com você, mãe. Lucio Malfoy nos acha fracos, mas de alguma forma nós vamos precisar encontrar forças pra sobreviver a tudo isso. – eu segurei sua mão - Não temos como fugir agora, mesmo que conseguíssemos nos esconder do Lorde das Trevas e dos Comensais da Morte, eu ainda sou menor de idade, e com o rastreador meu pai me encontraria assim que saísse de Azkaban... o que não deve demorar muito.

- Você pensou nisso? – minha mãe se permitiu sorrir pra mim, carinhosamente.

- Eu gostaria de tirar você daqui. – eu disse a ela. – Toda vez que o Lorde das Trevas nos visita eu vejo como você sente medo. Eu também sinto, mas tento parecer forte, para te apoiar...

Ela me puxou para um abraço.

- Meu único medo é que ele faça algo contra você. – ela esclareceu.

Deixei que ela me abraçasse, sabendo que aquela seria nossa última oportunidade por um longo tempo. Depois de alguns minutos, me afastei pra olhar pra ela.

- Olha só, vou dizer o que vamos fazer. Vamos fingir que tudo está bem, que concordamos com o Lorde das Trevas e com o meu pai. Eu vou agir como eles querem o ano todo. – eu disse a ela, tentando passar confiança. – Quando meu pai sair de Azkaban e vier pra casa, você só diga que eu aceitei a ordem do Lorde das Trevas e que vou cumprir. Talvez eu consiga matar Dumbledore e impedir que eu e você sejamos punidos... afinal, ele já vai morrer de qualquer jeito, independente de mim. Quando pudermos... quando for seguro... vamos sair daqui juntos.

- Você gostaria disso, Draco? – minha mãe perguntou. – Uma vida simples, longe da Mansão, longe do dinheiro e poder dos Malfoy...

- Todo esse dinheiro e poder compensou pra você mãe? – eu perguntei, sério.

- Não. – ela murmurou. – E descobri hoje que meu filho é muito mais parecido comigo do que com o pai.

Eu me despedi da minha mãe com o coração na mão, sabendo que a deixaria em casa, exposta a visitas constantes do Lorde das Trevas e às humilhações e degradações que meu pai a fazia passar.

Naquele ano, descobri que não era capaz de matar ninguém. Senti um arrependimento pavoroso das minhas duas tentativas de fazer com que objetos chegassem a Dumbledore, pois ambas feriram pessoas que nada tinham a ver com isso, e que podiam ter sido mortas por um acaso. Por minha culpa. Comecei a me sentir monstruoso, até que no momento final, com a varinha apontada para o peito do diretor, eu tinha falhado, retornado pra casa sem cumprir a missão que me tinha sido dada, sabendo que sofreria as consequências e que veria a minha mãe sofrer, também, as consequências da minha fraqueza.