Aquele foi um dos meus mais estranhos sonhos: vi em meu repouso que o imperador Kazuya havia invadido meus aposentos para me raptar e levar para seu palácio. Levantei assustada de meu futon. Minha irmã dormia pesadamente ao meu lado, meu irmão no cômodo vizinho; a minha alma apenas estava pesada na casa. Rezei uma prece à minha deusa e voltei a dormir.
Não podia ser verdade. Eu costumava adivinhar futuros próximos e ter pressentimentos certeiros, mas eu me recusava a aceitar aquela visão: o próprio imperador, vestido com sua preciosa túnica púrpura e dourada, entrando no lar dos Kazama em plena madrugada, me levando em seus braços para sua cidade proibida e me violando. O que seria de mim? Eu era prometida ao melhor espadachim de toda a China imperial, Lei Wulong, e um dos requisitos para a nossa união era minha pureza. Visitei o sacerdote no mesmo dia, e pedi que ele rezasse com afinco pela proteção do meu futuro.
Durante a colheita do chá, Kim avisou que Lei me aguardava à noite para a celebração do noivado do imperador, no palácio real. Lei tinha acesso à corte porque era o melhor guerreiro do exército chinês. Éramos o casal mais formoso de Xangai, dizia ele. Eu assenti à menina, e disse que estaria pronta para a festa.
Ah! As minhas preces foram atendidas! Eu e Lei não seremos ultrajados pelo nosso senhor; o imperador casar-se-ia e com a noiva contrairia suas núpcias. Mais uma vez fui ao templo e agradeci aos céus.
À noite, vi uma das mais velas festas de toda dinastia. Os súditos dançavam e cantavam a alegria que sentiam, todas as cores enfeitavam o palácio, havia pratos e bebidas típicas, tudo em abundância, os melhores músicos. A futura imperatriz parecia uma deusa de tão bela. Seu rosto estava coberto de pó de arroz, seus olhos, delineados de preto, e suas joias eram as mais raras de todo Oriente. Ela conhecia a fama honrosa de meu noivo e pediu que dançássemos na festa, em homenagem à união.
Os músicos pareceram incentivados pela minha figura, pois foi naquela canção que mais se esforçaram. Sempre disseram que eu era a mais bonita da família. Dançamos à moda da época, fizemos a imperatriz sorrir - mas nada de Kazuya demonstrar alguma emoção. O povo mais parecia celebrar a nossa felicidade do que a dos dois regentes. Comentavam que Jun e Lei seriam a mais feliz das famílias chinesas e eu sorria.
O imperador não tirava os olhos de mim, mas eu - como sempre foi ensinado às mulheres durante milênios - soube disfarçar minha preocupação e fiz uma apresentação encantadora. Aplaudiram meu futuro marido e eu derrubei uma lágrima de emoção por Lei, minha estrela-guia.
Entretanto, a plenitude de alguns dura pouco. Passei quatro luas diferentes tendo o mesmo sonho e temendo pelo futuro. Contei tudo a papai, que pediu proteção aos seus dois conhecidos. Eu estaria segura com sua vigilância. Evitei contar a Lei para que nossos sonhos juntos não esfacelassem; ele com certeza levaria isso como um mau presságio, e adiaria nosso casamento. E isso eu não podia permitir.
Numa das noites de sono inquieto, não contive meu grito de horror quando vi uma criatura de olhos brilhantes e expressão neutra invadir nosso doce lar - o monstro púrpura e dourado das minhas visões: o imperador viera, não era sem tempo, levar a mais velha dos Kazama para seu covil. Gritei, gritei o mais alto que pude, quando vi os dois corpos dos conhecidos de meu pai decepados, e o sangue escurecendo o chão. Kazuya levou-me em seus braços com violência, e eu derramei lágrimas durante todo o caminho. Na cama onde ele me violou, foi onde mais chorei.
A desgraça se instalou na vila, e eu pude ver tristeza nos olhos de Lei quando retornei para casa com as saias sujas de sangue. Ele não deixou de me amar, nunca, não deixou de me abraçar quando tive medo, e não rejeitou Jin, o filho que nascera de minha dor.
