decomposição da sombra

"And when the rain comes down
Would you choose to walk or stay?"

Causa da morte: suicídio por acreditar demais. E tornou-se amargo, adstringente, falava com um aroma pútrido. Manteve suas crenças no alto de seu coração, tal qual uma coroa ficaria, presa a uma série de artérias e veias, envolvendo por fim todo o órgão, controlando cada batimento.

Sua vida era acreditar.

Seu mundo foi caindo muito devagar, muito metodicamente. As peças por ordem de tamanho: primeiro as minúsculas, que quase não doíam.

Era muito novo para aquilo.


um garoto revoltantemente jovem desesperado de sede treme com as lembranças de rostos na mais completa desesperança, mas serve-se da água suja porque, com o que lhe sobra de razão e sanidade, não pode parar de pensar que, se não o fizer, sirius e seus amigos e pessoas boas e pessoas que lutam e pessoas que se importam e pessoas que não merecem vão sofrer


O que Regulus melhor fazia era mentir. Não era melhor por eliminação; era melhor porque naquilo era exímio.

Tinha uma compleição delicada, seu rosto era amável e suas maneiras eram distintas e educadas. Ouvia com atenção a tudo que as pessoas lhe diziam e era fácil de conduzir. Mas não raro plantava sementes de idéias interessantes naqueles que tentavam convencê-lo. Era muito sutil e muito preciso. Raras vezes ficou insatisfeito.

Podia ver através de qualquer coisa.


o menino entende rápido que gosta de ser elogiado pelos pais e ter a liberdade da confiança que lhe dão; também começa a ouvir falar de um homem que é maior que qualquer ministério ou título


(Viu-se na face daquele homem.)

Era verdade, não sabia bem qual era o problema em haver pessoas sem uma família longa e pura no mundo mágico. Também não tinha argumentos a favor. E tinha o bom-senso de manter-se afastado da questão; mas enxergava nitidamente uma vantagem em pôr-se contra...

Com isso conquistou regalias na escola, na família e no trabalho; conquistou presentes e promessas e foi temido por quem tinha com ele contato direto. Era algo vago que não conseguiam explicar – mas, quanto mais doce a impressão da voz dele, mais se afastavam, menos lhe negavam as coisas.

Sem dúvida, houve quem não cedesse àquela aura. Era por isso que mantinha-se afastado de Sirius. Não que não soubesse mentir para ele, podia mentir para qualquer um e sempre o fazia para si mesmo. Mas Sirius era imune e direto, não se incomodava em feri-lo e não tinha medo de ser retribuído. Requeria inteligência e preparo especiais que Regulus ainda não aprendera.


sua mãe chora em seus braços na noite em que sirius desaparece para sempre e regulus não consegue sentir pena dela nem admiração por ele; sente alguma espécie de peso no coração, algo como inveja, e reprime o desejo de pensar por si mesmo


Contudo não era o que ganhava que o atraía irresistivelmente para a causa de Voldemort. Era o espelho. Receber ordens de si mesmo e obedecê-las e entender como podia haver resistência. Pessoas como Sirius, que não acreditavam nas palavras do lorde das trevas. E Voldemort sabia conquistá-las ou destruí-las.

Regulus não podia deixar de desejar uma oferta tão tentadora. Não podia evitar a devoção. Construíra com perfeição uma imagem de cavalheiro, nobre e tudo que agradasse ou causasse medo em quem lhe falava, mas sabia que a arte de mentir envolvia a arte de entender bem as verdades, e a sua era a de que era fraco e medroso. Sabia, no entanto, que podia ser grande e criar sombra em todos os outros.

Voldemort não era fraco... certamente não era medroso...


(Viu a real face daquele homem.)

revoltantemente jovem e muito mais velho do que podia agüentar, entende força e a e si mesmo


Mas quando pudera imaginar que um símbolo no braço tiraria dele tantas noites de sono? Só enxergara a possibilidade de atingir o que ele mesmo chamava de perfeição, como bem feita era a sua imagem.

Sentia-se irremediavelmente sozinho. Revia seus passos e seus sorrisos, suas promessas de juventude. Revia os sorrisos dos pais e os gritos do irmão. Revia os velhos amigos que não entendiam nem entenderiam o que sentia, pois perto deles preferia não sentir. Revia livros que lera e revia as mentiras que contara, escutava todos os detalhes em sua cabeça.

Revia tudo em cada noite acordado e em cada rosto que sabia que viria a matar.

Observara muita sinceridade em sua curta vida. Costumava seguir Sirius e brincava de ler sua mente. Seu sorriso tinha uma qualidade curiosa, algo feliz, como aquecer-se depois de um dia frio e cansado. Por anos Regulus acreditou que a expressão do irmão era relacionada ao que acreditava. Foi quando Voldemort lhe pediu um favor especial que o primeiro a morrer em muitos anos na família Black entendeu que felicidade e fé sequer eram da mesma família de palavras.

Amadurecer, no entanto, teve a peculiar função de ser sinônimo de ir embora.


(Por mais irônico que pudesse ser, bem sabia que nunca teria a glória que sempre desejava e bem sabia que seu antigo eu jamais faria tal coisa sem a certeza do título de herói.
Bem aprendera que a vida era muito mais
)


Voltou atrás.

Na lápide de Regulus Black havia um caixão vazio.