Prólogo
A noite no Rio de Janeiro estava agitada. O calor do começo de verão fazia as pessoas procurarem um local fresco para se abrigarem. Muitos íam caminhar na praia e aproveitar a brisa do mar, ou procuram um boteco para pedir um chopp gelado.
Marina estava pouco se importando.
Estava trancada no quarto, no completo escuro, enrolada em seu edredom preferido. O cabelo estava uma desgraça, a roupa por ainda e os olhos estavam vermelhos e inchados de tanto chorar. Seu pequeno rádio piscava enquanto uma música triste tocava. Marina havia criado aquela playlist a anos atrás, na primeira vez que havia passado por essa situação, e essas músicas meio que tinham se tornado uma espécie de "ritual" para sair da depressão.
Mas não estava ajudando.
Alguém bateu à porta do seu quarto.
"Vai embora!" ela gritou, achando só podia ser sua mãe preocupada com ela. Mas foi uma voz masculina que falou.
"Marina, sou eu" era Nicolas. Ele finalmente havia aparecido.
Levantando-se lentamente, Marina abaixou o volume do rádio. Seus braços e pernas estavam rígidos pelas horas que passara encolhida embaixo do edredom, e a cabeça doía. Ela abriu a porte e ficou momentaneamente cega pela luz que emanava do corredor, mas pela cortina de claridade conseguiu enxergar a silhueta de Nicolas apoiada no batente da porta.
"Vem" ela disse, com a gargante falha de tanto soluçar e gritar no travesseiro.
Ela não precisou dizer duas vezes, Nicolas já estava lá. Marina então ligou a luz do quarto, revelando a bagunça do cômodo - roupas e papéis jogados no chão, pratos e copos sujos sobre a pequena escrivaninha - fazendo Nicolas assobiar longamente.
"Bela decoração" ele disse.
Apesar de tudo, Marina não pode deixar de sorrir um pouco. Nicolas era sem dúvida seu pilar de sustentação. Não é como se o fato de serem primos atrapalhasse em alguma coisa, muito pelo contrário. Ela correu até os braços dele, e ele a abraçou forte.
"Me conta o que aconteceu."
Ele se sentou na cadeira da escrivaninha enquanto ela se jogava na bagunça que era a sua cama. Respirou fundo. Odiava se lembrar daquilo, mas era necessário. Ela lembrou da angústia que sentiu ao ficar sem receber notícias de Caio por dias - a ponto de não aguentar mais e ir até a sua casa, que acabara encontrando vazia.
Foi então que viu. Teria passado despercebido se não fosse um detalhe: a marca de nascença em seu pescoço. Voltando para casa desanimada, Marina passou por uma pequena praça e viu Caio, seu namorado, aos beijos com uma garota que ela não fazia ideia de quem era. Na verdade "aos beijos" não era a expressão correta - Marina achou eles teriam transado ali mesmo se ela não tivesse aparecido e metido as unhas na cara de Caio.
Depois daquilo ela se descontrolou. Bateu com o máximo de força que tinha (que não era muita), chutou, xingou, arranhou, parecia uma selvagem. Caio não reagiu. Quando Marina se acalmou o suficiente, apenas perguntou: "Por que?"
A resposta dele doeu mais do que qualquer soco que ela poderia ter recebido.
"Eu cansei, Marina. Fui procurar em outras garotas o que você não podia me dar... Se é que me entende."
Marina só ficou lá, olhando estupefata para os dois. Para o garoto que pensava que a amava, e para a garota ao lado dele. Ela entendia, claro que entendia. Tudo não passava de uma farsa para conseguir sexo, e como ela havia negado...
"Nunca mais ouse falar comigo." ela disse, virando-se para ir embora.
Ele nem mesmo foi capaz de olhar para ela.
Marina ficou em silêncio por algum tempo, tentando controlar o choro. O que mais a deixava irritada era o fato de ter sido tão burra, de ter se deixado levar, e logo por ele...
"Mais um Caio..." ela suspirou. "Droga de maldição" disse, com os dentes serrados.
Nicolas ficou tenso.
"Ah, de novo não..." ele se levantou e sentou-se ao lado de Marina na cama. "Vai me dizer que você ainda está com isso na cabeça?"
Ela não respondeu. Não precisava.
"Você tem que admitir que é coincidência demais..." ela disse.
"Qual é" Nicolas exclamou, exasperado. Desde quando você acredita em misticismo?"
Marina não acreditava, mas tinha que dar o braço a torcer. A verdade é que ela havia sido amaldiçoada por uma cigana a alguns meses atrás. Ela se lembrava muito bem daquela noite. O circo estava lotado, todos buscando uma diversão a mais no fim de semana. Marina estava com Nicolas e Elena, rindo enquanto comiam um saco de pipoca, quando Elena viu uma barraca escura com um letreiro simples.
"Madame Mirella: Adivinhações e Encantamentos" ela riu, mas seus olhos brilhavam. "Vamos?"
Ela arrastou os amigos para a barraca. Lá dentro estava quente e escuro. Uma cortina de contas separava a entrada do aposento principal.
"Aproximem-se, crianças." uma voz sussurrou de dentro.
Rindo uns para os outros, eles entraram. O aposento era circular e mal iluminado. Vários pufes e almofadas cobriam o chão, e no meio do lugar havia uma mesa redonda com uma bola de cristal levemente iluminada, e atrás dela sentava uma senhora na casa dos quarenta, gorda e com a pele cheia de rugas, seu corpo envolto por várias camadas de panos. Clichê, foi tudo o que Marina conseguiu pensar.
"Como soube que a gente estava na porta?" Nicolas perguntou, ansioso. "A senhora viu na bola de cristal?"
Madame Mirella o olhou enigmaticamente antes de dizer "Eu ouvi vocês rindo."
Os três se sentaram, e a sessão teve início. Eles escolheram cartas de tarô, leram a sorte na borra da xícara de chá e viram o futuro na bola de cristal. Clichê, Marina não parava de pensar. Até que antes de irem embora, Madame Mirella insistiu em ler as linhas das mãos.
Primeiro foi a de Nicolas. Você é confuso e inseguro sobre si mesmo, e isso lhe causará problemas, ela disse, deixando o garoto atordoado. Depois, pegou a mão de Elena. Minha menina, você pode esconder a verdade de uma pessoa por um longo tempo, pode esconder a verdade de várias pessoas por pouco tempo, mas nunca conseguirá esconder a verdade de todos por muito tempo. Pense nisso, ela disse, deixando Elena completamente atordoada.
Quando pegou a mão de Marina, os olhos de Madame Mirella se arregalaram.
Ah, meu Deus, ela disse. Você tem a maldição do nome, e isso lhe causará dor. Tenha cuidado, criança, pois a maldição só poderá ser quebrada por aquele que carrega o nome maldito.
Marina soltou sua mão, estremecendo.
"Vamos embora daqui" ela disse, empurrando Nicolas e Elena para fora.
Aquilo era bobagem, ela sabia, mas foi naquela mesma noite que ela conheceu o primeiro dos Caios...
"Isso é papo para gente desesperada" Nicolas disse, cortando seus pensamentos. "Marina, usa a cabeça. É a coisa mais ilógica do mundo você achar que está sendo perseguida por todos os Caios da cidade."
Marina confirmou, sem realmente prestar atenção. Então se levantou de um salto.
"Chega" ela disse. "Não vou mais pensar nisso. De agora em diante, eu nunca mais chego perto de nenhum garoto chamado Caio, não importa quem seja. Tendo maldição ou não, é melhor pecar pelo excesso do que pela falta."
Nicolas rolou os olhos, mas se levantou e abraçou Marina.
"Essa é a minha garota."
