Disclaimer: Nada me pertence, e eu não ganho dinheiro com isso.
NA: essa fic cita vampiros de uma outra obra, da qual não falarei o nome, porque então eu não poderia postar a fic nesse site.
NA²: o diálogo no fim dessa fic foi retirado do filme 'Entrevista com Vampiro' (hehe, não é difícil adivinhar quem são os vampiros agora, né?) que não me pertence.
Death Wish
por Dark K.
A verdade é que cada lágrima sua é também um pouco minha.
Sofro, por você e a lembrança que traz, como jamais sofri antes.
Sua beleza etereamente terrena, uma leveza dolorida de corações pesados e o brilho de passados escuros em seus olhos.
Vim a Londres para matar as saudades de um grande amigo e encontro a sombra de um grande amor a me assombrar.
Olhos verdes humanos, vivos, e mais antigos do que deveriam ser – tão como os dele.
Os cabelos negros que caem em seu rosto, como se tentasse esquecer quem é, quem foi, ou quem ainda vai ser.
Você é tão ele, menino misterioso que caminha pelas ruas desertas à noite, com a garoa gelada batendo em seu rosto com uma punição por todos os males que jamais causou, mas que ainda assim acha que são culpa sua.
Tão, tão ele. Meu filho, meu amado, meu amor.
Meu assassino.
Meu cúmplice.
Tão ele.
Nem mesmo finjo resistir o impulso de segui-lo a toda parte, percorrer seus passos com a pressa inata ao que sou, com a força imbatível que tenho.
Sou seu por querê-lo tanto.
Nem mesmo me ocorre lutar contra.
†
Às vezes, quando a noite já estava alta, e o sono não conseguia o envolver, podia jurar que ouvia o som leve de passos ao seu lado. Percorrendo sua casa, entrando em seu quarto a cada vez que fechava os olhos, tentando chamar o descanso que não vinha.
Um brilho em violeta de olhares que jamais estiveram ali. Um flash imperceptível de um dourado vivo que julgava perceber pelo canto do olho, e que jamais via.
O som de um violino antigo, que cantava de dor e de sombras, e saudades e perdas durante as raras vezes em que conseguia dormir por alguns minutos.
Seus passos seguidos na garoa gelada que o fazia sentir vivo, presente, real.
Não se sentia real há tanto tempo que nem mesmo se percebia como alguém.
Já não falava com Ron, ou Hermione há semanas. A escola recomeçaria em alguns dias, mas não iria voltar.
Não sabia mais quem era, ou o que faria.
Havia sido quebrado de maneira irreparável com sua própria morte e agora... Agora desejava ter escolhido o caminho mais fácil, talvez. Não ter voltado para terminar com tudo.
Não ter fingido e tentado se fazer acreditar que queria estar ali, que queria voltar, que acreditava em um futuro – que desejava viver.
Ouvindo os passos ecoarem em seu encalço, tendo a certeza de que alguém, ou algo, ou ambos, o seguia, quase desejava que fosse alguma máscara alva de seu passado a assombrá-lo, para levá-lo embora.
Convidava a Morte para brincar, e aguardava ansiosamente para que ela o atendesse.
†
Não conseguia não sorrir ao ouvi-lo pensar que queria a Morte, que a desejava.
Tão ele até em seus escrúpulos em acabar consigo mesmo, em temer o pior dos atos, em tentar atrair a morte, mas sempre pela mão de terceiros, e jamais a sua.
Tolo, talvez, ou quem sabe apenas inocente, um alguém que não reconhecia a Morte pelo que ela é.
Tão ele.
Os passos na garoa pediam mais uma vez para serem seguidos com seu eco sedento de companhia, e atendi.
Em sua casa, o pequeno apartamento modesto com tão pouco de seu que bem poderia ser o lugar de qualquer um, sigo-o através das janelas, vejo-o trocar-se para a noite, mesmo que saiba que não vai dormir.
Abro a janela por fora, e entro em silêncio.
Seus olhos verdes me encaram diretamente pela primeira vez, e sinto vontade de sorrir diante da sua calma.
Talvez não tão como ele no final de tudo, já que não demonstrava medo, ou estupefação – apenas a aceitação calada de que as vozes que tentava ouvir, e os passos que tentava ver, e as cores que tentava seguir de fato existiam ali, em sua frente, concretos e etéreos, em flashes de violeta, dourado e branco-porcelana.
A luz fraca das velas antiquadas que estão sobre a cabeceira o tornam tão irreal quanto eu.
Pequenas manchas e cicatrizes marcam em sua pele.
Seus olhos permanecem parados em mim, fixos, como se presos, não com o fascínio que tanto vejo nos mortais à minha volta, mas com a aceitação clara de que, enfim, a morte atendeu a seus gritos mudos e desesperados, e chegou até ele, na forma de um anjo louro de olhos violeta, e um violino em sua mão.
A cama em que ele repousa está a um passo de distância, e cruzo-o em um tempo tão rápido que não há palavras para descrevê-lo.
Os olhos verdes e frios como a garoa lá fora apenas me encaram, sem medo, ou terror, ou hesitação.
Menino misterioso e fascinante, que encara a morte frente a frente sem nem mesmo um sorriso de escárnio para fingir-se indiferente.
Encara-a apenas porque pode, porque talvez não aguente mais, porque talvez já não veja razão.
Recuo alguns milímetros porque percebo que, tão diferente dele, este menino não teme a morte.
Ele não escolheria o Presente das Trevas.
Ele escolheria o Descanso Eterno.
Sorrio diante de sua calma. Minha mão estende-se deliberadamente para o rosto tão gelado ao toque humano, mas que para mim é como lava, sentindo seu sangue correndo em seu corpo, quente e vivo e tão atraente.
Inclino-me sobre ele e toco seus lábios com os meus, em uma declaração muda e permanente de que, a partir daquele exato momento, ele me pertence.
Sua reação não é a devoção completa dos tantos outros a quem já fiz esse gesto. Não há entrega, não há súplicas, não há clamores para que eu não o deixe.
Ele me encara com seus olhos de morte, pisca lentamente uma única vez, e se deita, sem desvencilhar minha mão de seu rosto.
Seus olhos se fecham, e ele adormece sem sonhos, enquanto corro meus dedos gélidos de carne morta por entre os fios negros.
Já não fico por me lembrar dele.
Fico por este novo ele tão fascinantemente estável, e constante, e destemidamente fracassado na missão humana mais simples: viver.
Fico porque assim o desejo.
Fico porque o desejo.
E isso me basta.
†
Entra pela janela o ar gélido, um pouco da garoa que parece estar sempre ali, e a certeza de que a Morte, talvez, o ouça: talvez por ser seu Mestre, talvez porque finalmente tenha o percebido - muito provavelmente por ter aceitado o convite que fazia incessantemente.
O ser etéreo estende a mão até seu rosto, e ele pensa que com aquele toque talvez ele vá, enfim, para onde não deveria ter partido. Para o Nunca, para o Lugar Algum, para King's Cross, de uma vez por todas. Mas tudo que há no toque é o gelo de algo morto que não traz o seu fim.
Indaga com seu olhar o que aquele ser é. O que faz ali. Recebe um breve sorriso de volta, uma carícia, um quase beijo.
Cansa-se daquele jogo.
Fecha os olhos, e tem a vaga consciência de que uma mão o acaricia até sucumbir ao sono bem-vindo e tão escasso.
Quando acorda na manhã seguinte, a luz do sol, raro presente nos últimos meses, brilha pela janela entreaberta. Não sabe dizer se a noite passada fora um sonho, a realidade, ou algum devaneio seu para ter paz e conseguir adormecer.
Seu dia passa com a calma dos condenados a tentarem descobrir porque estão ali, já que não chamaria suas andanças sem rumo ou objetivo pela cidade onde agora mora de "viver".
Apenas continua, porque não sabe como não continuar.
O entardecer traz mais uma vez os passos atrás dos seus, os flashes de cor e branco em espaços impossíveis. A presença some a alguns metros de seu prédio.
Fecha a porta de sua casa atrás de si, e, logo em seguida, tudo que conhece é a dor.
†
Vejo-o conformado com o não-viver que leva, com a ausência da sua Morte que não chega, com a certeza de que não há mais nada e que, talvez, o nada seja tudo que há.
A dor dele me consome, e anseio por fazer algo, tomar esta dor tão calada dele, e fazê-la gritar em mim – colocá-la para fora, e torná-la tangível, e real, pois tudo que existe pode ser destruído e deixado para trás, mas o que não tem forma persiste e continua.
Sigo-o em silêncio, dando pistas do que estou fazendo, mas sem a certeza da presença. Subo até sua casa antes que ele entre e, assim que ele o faz, tomo-o contra mim, seguro-o contra meu peito, e cravo minhas presas em sua pele, rasgando e dilacerando, até encontrar seu sangue – este, sim, real, rico, vermelho-vivo: o exato oposto do verde-morte de seus olhos.
Ele não grita. Não há sons em sua dor, nem mesmo movimentos em seu desespero. Ele sofre, mas não o demonstra, apenas fecha os olhos contra a violação de seu corpo, enquanto bebo seu sangue, esvaindo dele a vida que ele já não quer.
Fraco, seus olhos mal se mantém abertos quando me afasto – minha pele quente, bochechas rosadas, lábios vermelho-carne.
Sorrio para a única pessoa que jamais conheci que, de fato, não teme a morte, mesmo quando a forma que ela assume sou eu.
Ele não responde ao meu sorriso, e coloco-o sobre a sua cama. Observo-o piscar devagar, respirar fundo, como se apenas esperasse o ponto em que já não teria forças para abrir seus olhos depois de fechá-los.
Meus lábios pousam em sua testa marcada por um breve segundo, e então em seu rosto, e por fim, em seu pescoço mais uma vez.
Sugo seu sangue de maneira rápida e inebriada, sabendo que com ele tomo todas as chances que ele teria de sobreviver.
Ele não protesta, não se move, não emite som algum. Se não ouvisse as batidas de seu coração, agora que sinto sua pele gelada contra a minha, já o julgaria morto.
Ele enfrenta a morte sem resquícios de medo, ou de covardia.
O sangue do homem valente é a melhor coisa nesta terra.
Sinto seu coração parar, lento, a morte já o acalenta em seus braços.
Sussurro baixinho em seu ouvido que eu lhe daria a escolha que jamais tive.
Seus últimos resquícios de vida quase se esvaem no esforço de balançar a cabeça em negação.
Como eu suspeitei, ele não deseja ser eterno. Se dada a escolha, prefere sumir, desaparecer, e ir para um lugar desconhecido que talvez nem exista.
Mas eu sou o Príncipe de meu pequeno reino das Trevas, e todos os meus melhores filhos foram feitos sem consentimento. Minha querida boneca de porcelana eterna, meu caro amigo, tão mais antigo que todos nós jamais seremos.
Meu amado que será leal e destemido, que me lembrava tanto ele, apenas para provar que é apenas ele mesmo.
A morte se aproxima a passos rápidos, já não há sangue nele que faça com que viva.
Mordo meu pulso com uma calma deliberada, jogando com o destino, apostando que se eu conseguir fazê-lo a tempo, é porque ele deveria ser meu para sempre.
Minha boca se enche com o gosto adocicado e metálico do sangue.
Beijo-o com seus olhos já fechados, quando já nem mesmo sinto sua respiração. Sua pele se mancha com meu sangue.
Fecho os olhos esperando o destino que o Destino decidiu me dar. Brincando de fazer viver aqueles que desejam ir.
†
Os gritos da morte ecoam nas paredes do quarto, e certamente acordarão os vizinhos.
O sangue mancha os lençóis, e a pele alva, sem marcas, como jamais havia sido antes.
Os lábios vermelhos, os cabelos negros, e os olhos irradiantemente verdes.
Senta-se sobre a cama em uma pose familiar, buscando com o olhar o anjo que mentiu que lhe daria uma escolha.
"Eu quero mais.", é tudo que pede.
O anjo sorri.
"É claro que quer mais.", ele responde sorrindo.
Seu amado, sua boneca de porcelana, seu aprendiz.
Seu.
E nada mais.
R E V I E W !
