Vermillus
.todos os seus vermelhos.
Havia
o branco da sua pele salpicada com manchas de ferrugem.
Havia suas
mãos delicadas, que desenhavam no papel velho borboletas e
flores.
Havia seu cheiro doce, tão
doce,
que me inebriava.
Havia o vermelho dos seus cabelos. Várias
nuances. Vários vermelhos. Todos seus Ginevra.
-x-
1. vermelho-rubi.
Cor
de pedra preciosa no seu sangue.
O vermelho mais intenso. O mais
puro. O que você traiu, sem se importar com as conseqüências, sem
perguntar se estava certo se preocupar com pessoas que nem sabiam da
sua existência. Você era errada e o erro ficou marcado no seu
vermelho-rubi.
2. vermelho-indiano.
Era
o vermelho mais fraco que você tinha.
Ele aparecia em raras
ocasiões. Quando você sorria para mim.
Quando vi sua filha pela
primeira vez, notei que ela tinha mais desse vermelho do que você.
Eu
a observava entre as grades do colégio que ela freqüentava. Todos
os dias, ela o esbanjava, não com a mesma graça e delicadeza que
você exibia. Ela era mais feliz do que você. Ela tinha feito a
escolha certa. Você fez à errada. Eu fui a sua escolha. A mais
errada que você fez.
3. vermelho-escuro.
Este
era o vermelho do seu aroma.
Seu aroma doce e escuro, que cercava
a cama que você dormia e me fazia ficar acordado durante a noite
inteira, olhando para os vitrais do Châteu de Blois, contemplando os
vidros, sentindo o seu aroma e colorindo com todos os seus vermelhos
aqueles antigos vitrais.
Um a um, eu tocava os seus tons e os
colocava nos vitrais. Todos os seus vermelhos eram meus, você me deu
como me deu sua alma. Você se entregou a mim. Junto com você vieram
os seus vermelhos.
4. vermelho-violeta
Eu
fui ao Châteu de Blois. Comigo, foram todos os seus vermelhos.
Eu
não costumava a deixar você sozinha em casa, muito menos saia às
ruas, mas os vitrais de enfeitiçavam. Havia algo de você
neles.
Talvez fosse o vermelho-violeta, o das suas dores. O que
envolvia o seu corpo, te causando dor. Fazendo escorrer lágrimas dos
seus olhos. Eu era a sua dor. O vermelho mais forte, o que te
envolvia. Que quase alcançava os seus lábios e acariciava os seus
cabelos com os dedos frios roubando toda a sua quentura.
Sua
filha estava lá, Ginevra. Com o habitual sorriso que era até capaz
de derreter-me.
Ela não tinha o seu aroma e o sangue dela não
era puro como o seu. Ela tinha o cheiro do pai. Um cheiro leve e um
pouco amargo, não era como o seu, nunca seria. Ninguém teria a
audácia de carregar aroma igual ao teu.
Ela tinha os teus olhos,
eu nunca gostei tanto dos teus olhos. Seria mais bonito se ela
tivesse os olhos do pai. Os seus são tão simplórios.
As mãos
de Lily não eram delicadas como as suas, ela não tinha sardas. Ela
era sua filha, a que você nunca viu.
Ginevra, ela era semelhante
a você quando tinha doze anos, a mesma ingenuidade, a mesma
confiança. A mesma cor de cabelo, esse era igual
ao seu. IGUAL.
Nem semelhante nem diferente. O sorriso e seu cabelo. Era só isso
que me agradava em Lily.
A luz que entrava pelos vitrais coloria o
sorriso de Lily enaltecendo ainda mais o vermelho que também fazia
parte dela.
Os vitrais coloriam o sol. Coloriam o sorriso de Lily,
que deixava de ser vermelho e tornava-se azul amarelo e verde.
Somente a escuridão guardaria para sempre o sorriso lindo que sua
filha tinha.
5. vermelho-pálido
Essa
era a cor da sua morte.
A mesma cor da morte da sua filha.
Naquele
mesmo dia Ginevra, ela pediu para que eu a matasse. Eu somente
atendi.
Eu vi o sangue dela pingar nos meus sapatos escuros. Preto
e Vermelho. Puro e Impuro. Eu e Lily.
Eu cortei os pulsos dela com
um pedaço de vidro. Um vidro amarelo, que se tornou vermelho, não
um dos seus vermelhos,
um vermelho qualquer. Qualquer vermelho daria mais beleza para
aqueles vitrais.
Eu toquei os meus os lábios nos dela. Eram
gelados.
Mesmo sem ter sentido os meus lábios com os teus, eu
sabia que eles eram quentes. Você toda era quente, pois você toda
era vermelho. Como o fogo que eu gostava de dominar, fogo que se
alastrava, igual aos seus os olhos caçando em desespero os filhos e
o marido que
você mesma largou por mim,
pelas ruas francesas. Grande erro o seu não foi?
Com o sangue
dela eu escrevi seu nome em um dos vitrais. Ginevra. Eu gosto do seu
nome, gosto de escrevê-lo e de falá-lo. Ginevra.
Ginevra. Ginvevra.
Minha menina, minha em sangue e dor.
6. vermelho-chumbo.
Seu
último vermelho.
O que mostra toda a sua diferença a mim.
Você
é o sol.
Eu sou à noite.
Que embala seus pesadelos não
deixando você fugir.
Eu não vou deixar você fugir, Ginevra.
Você me escolheu. Você renegou seus filhos e seu marido por mim!
Sua escolha talvez possa não ser eterna, mas irá com você até a
sua morte.
Seu vermelho-chumbo marca a vida que você renegou. A
que você nunca mais terá. A que não te pertence mais, pois você é
minha.
Você é o meu vitral feito de nuances vermelhas que eu
contemplo em silencio. Somente olhando, quase tocando, nunca te
libertando. Eu sou a catedral em que você ficará presa para sempre.
Sou o concreto que enaltece suas cores e sua quase-abstração. Sou
seu e você é minha. Até
o fim dos seus dias.
