Nota da (simpática) autora : eis aqui mais uma história, em seguimento de Na tua ausência. Comecei-a na véspera de natal e era para ter apenas um capítulo, nada de muito relevante. Todavia, a vida é troll e, mais tarde ou mais cedo, tinha de chegar a minha vez. E achei que poderia aplicar as minhas mais recentes experiências nesta história e torná-la muito maior e bem mais relevante.
Desafio os possíveis leitores a ouvirem primeiro 'Mourners', da banda alemã de doom metal Empyrium, cuja letra tomei a liberdade de pedir emprestada. Bem como as personagens fantásticas do Mestre.
Sem mais delongas, espero que gostem desta nova história. :)
Meagre trees in the shrouds, as olde as the stones...
Mourners of abandon'd love
Fornever their woes shall grow silent
O how many times may the moon has shone
- reflected in these black lakes?
Should it be that we can hear...
The woes of those who ceased their lifes?
O so old they are...
They bare the neverending grief...
Age-old miserability
Ancient bitter beauty
Lost is the hope of those
Who walk the moors with pain in heart
...and all joy it sinks,
burried deep,
forever presumed dead
O, so old they are
They bare the neverending grief...
Age-old miserability
A bitter beauty thrilling me.
('Mourners', Empyrium)
Pareceu-lhe que fora ontem...
Thranduil levou o cavalo para o picadeiro e montou. Deu uma voltinha a passo, depois a trote, depois a galope. Olhou na direcção dela, certificando-se que ela ainda lá estava. Apesar de não a ver ele sentia-a, por muito que ela se quisesse esconder. Então Thranduil começou a fazer habilidades com o cavalo.
Queria impressioná-la, mostrar-lhe o quão bom ele era, como ele e o cavalo negro se tornavam num só ser de extrema elegância.
Todavia, Cuchulainn não estava disposto a colaborar. Não gostava dela e não queria que o dono o trocasse por ela. Virou as orelhas para trás, enquanto ladeava agilmente ao longo do picadeiro com o pescoço arqueado. Teria de agir na altura certa...
Não demorou muito para que uma elfo saísse do celeiro e se aproximasse lentamente do picadeiro, os olhos azuis fixos no cavaleiro loiro e no cavalo negro.
Thranduil tentou ocultar um sorriso, parou o cavalo e fê-lo recuar; estava convencido de que ele, exímio cavaleiro com tão belo corcel, era completamente irresistível. Parou o cavalo, fez uma transição directa ao galope e fez Cuchulainn galopar de lado, cruzando os membros poderosamente.
O cavalo resfolegou quando o seu olhar se cruzou com o da elfo; chegara a mordê-la, mas ao que tudo indicava isso só a tinha aproximado mais do seu dono.
Num acto de fúria, o grande cavalo negro empinou-se de repente e deu uma cangocha. Sentiu Thranduil ser projectado do arreio para o chão e fugiu a galope, investindo loucamente contra a cerca de madeira do picadeiro. A madeira fina não conseguiu conter o colossal cavalo, que quase pisou a assistência e continuou a galope até chegar à cavalariça; recusava-se determinantemente a ajudar Thranduil.
O jovem rei ficou deitado de costas no chão arenoso do picadeiro, demasiado envergonhado para se mover. Oh, o vexame! Como pudera cair de maneira tão ridícula em frente à sua amada? Como é que fora incapaz de controlar as macacadas traiçoeiras do cavalo?
Reparou então que ela o olhava, preocupada:
-Meu rei...?
-Eu... - a custo, Thranduil sentou-se. Doíam-lhe as costas, mas o seu ego tinha sofrido um dano irreparável - Eu estou bem.
-Parece abalado. - a elfo apressou-se a ajudar o seu rei a erguer-se e acabou por não conseguir ocultar um sorriso - Bem feito, seu exibicionista.
-Como se tu não gostasses... - o jovem rei retribuiu o sorriso.
Thranduil parou o cavalo e olhou na direcção do celeiro. Ela já não estava lá, nem nunca mais estaria.
O rei elfo sentiu um aperto no coração e decidiu que não conseguia montar mais naquele picadeiro. Confinar-se àquele enorme rectângulo de areia limitado por madeira trazia-lhe demasiadas recordações.
Incitou o cavalo contra a cerca e Cuchulainn saltou-a obedientemente. Também o cavalo queria tirar dali o seu cavaleiro. Galoparam pelo pátio e transpuseram os portões.
Yrjan colocou uma mão sobre a testa de Tjaden e franziu o cenho. Legolas, de mãos atrás das costas, balançava-se para a frente e para trás:
-E então? - perguntou
-Ele continua com febre... - foi a resposta seca do conselheiro:
-Não será excesso de analgésicos? - opinou o príncipe:
-Ele estaria muito pior se não fossem estes analgésicos. - assegurou Yrjan - Deve é ter alguma infecção, aquela ferida na cabeça não está nada bem...
Legolas limitou-se a assentir, mas não estava convencido. Esperou para que o conselheiro do pai saísse do quarto para pegar num pergaminho, no tinteiro e na pena e se sentar na berma da cama:
-Achas que me safo? - murmurou Tjaden:
-Voltas a perguntar-me isso e eu bato-te.
-Estás a escrever, isso é o meu testamento?
Legolas fez uma careta e o tenente febril soltou uma gargalhada. Apesar de tudo, Tjaden continuava bem-disposto. Haviam passado algumas semanas desde a batalha e o príncipe sabia que os ferimentos do seu tenente requeriam muito mais do que meras semanas para sarar, mas até ao momento não havia o mínimo sinal de melhoras:
-Agora a sério, estás a escrever o quê? - teimou Tjaden. Legolas não ergueu os olhos do pergaminho:
-É para o Aarne. Eu acho que estás a reagir mal aos analgésicos do Yrjan, mas sinto-me mal por duvidar das capacidades dele... só quero confirmar.
Tjaden tentou assentir, mas achou melhor não se mexer. Legolas terminou a carta, correu para a secretária, selou a carta e saiu porta fora:
-Já volto. - disse.
Cuchulainn trotou até ao pátio e parou. Thranduil preparava-se para desmontar, mas ficou a ver o filho entregar um pergaminho a um mensageiro, que montou o palafrém e passou a alta velocidade pelo rei. Thranduil desmontou e aproximou-se do filho:
-O que era aquilo? - quis saber, retirando as luvas de montar. Legolas cruzou os braços:
-Uma questão urgente para o Aarne. Sobre o Tjaden. - Thranduil ergueu uma sobrancelha e Legolas deixou os braços penderem-lhe ao longo do corpo, tristemente - Ele não está nada bem...
-Isso é perfeitamente normal, elfo apressado... - o rei colocou um braço em redor dos ombros do filho e afastou-se em direcção às cavalariças com ele, Cuchulainn seguindo-os pacientemente - O Yrjan vai pô-lo bom novamente, não te preocupes.
-Espero bem... - suspirou Legolas. Desenvencilhou-se do braço do pai e voltou para o palácio.
Thranduil ficou a vê-lo afastar-se, até abanar a cabeça e ir tratar do cavalo.
Nessa tarde o rei foi para a sala do trono e, sentando de banda no real assento, tirou a coroa da cabeça e apoiou o queixo na palma da mão.
Yrjan estava ocupado com os feridos.
Legolas estava ocupado com um ferido.
Aarne não estava ali para o entreter com os seus escândalos histéricos.
O rei olhou para o trono vazio à sua direita e suspirou tristemente.
Fitou o nada, pensativo; tinha saudades dela, dos gritinhos animados quando corria atrás dela pelos corredores, das manhãs intermináveis em que ela lhe pedia a opinião sobre que vestido usar nesse dia. Tinha saudades de quando o filho era pequenino e estavam sempre juntos... sempre fizera questão de estar presente nas etapas mais importantes do crescimento de Legolas; fora Thranduil quem o ensinara a ler, a escrever, a montar e a manejar armas. E fizera questão de lhe contar histórias à hora de deitar, e de lhe dar banho, e de assistir às aulas de montar e de arco e flecha. Pelo menos, fizera-o enquanto pudera...
Mesmo Aarne se começou a ocupar do príncipe, Thranduil fez questão de ser um pai o mais presente possível.
E jamais poderia imaginar que o seu pequeno, irreverente e ruidoso Legolas cresceria tão rapidamente.
O rei elfo abandonou a sala do trono, trocando-a pela melancolia do seu quarto.
Taisto juntara-se a Legolas e a Tjaden e os três jogavam às cartas. Taisto estava a perder, não se conseguia concentrar no jogo por estar sempre a fazer piadas sobre a carecada de Tjaden. E o bom tenente empenhava-se em ir ganhando o jogo. Legolas tentava manter-se sério, se bem que era difícil.
Alguém bateu à porta e Yrjan espreitou para dentro do quarto. Os jovens elfos suspenderam o jogo, mas o conselheiro abanou a cabeça muito loira:
-Continuem a jogar, só preciso de vos roubar o príncipe por uns instantes. - disse Yrjan. Legolas olhou para as suas cartas e para os amigos. Depois, com um sorriso de orelha a orelha, revelou as cartas e afastou-se da cama:
-Que sorte a vossa, mais duas e eu ganhava! - exclamou. Os outros elfos suspiraram exageradamente e continuaram a jogar. Legolas aproximou-se de Yrjan, olhando-o interrogativamente:
-Estava à procura do rei, - começou o conselheiro - e acho que ele está no quarto. Mas creio que não me cabe a mim entrar lá.
Legolas ergueu uma sobrancelha, uma expressão idêntica à do pai. Yrjan limitou-se a assentir e afastou-se para que Legolas passasse.
O príncipe trotou até ao quarto do pai, os seus passos ecoando pelos corredores vazios. Ouviu-se um gemido sofredor vindo da enfermaria. Parou diante da porta sólida e imponente e bateu. Não obteve resposta.
E então, à boa maneira da casa real de Mirkwood, entrou.
O quarto estava escuro, as cortinas de veludo pesado cerradas e as velas apagadas. Thranduil estava sentado em cima da cama, os joelhos puxados ao peito, os braços em seu redor e a cabeça loira apoiada neles. A coroa jazia aos pés da cama, aparentemente violentamente atirada para lá. Legolas mordiscou o lábio inferior e sentou-se ao lado do pai; detestava encontrá-lo naquelas situações:
-Meu pai? - chamou. Thranduil apenas soluçou e abraçou o filho, desolado:
-Estou velho... - lamentou-se - Velho!
-Não está nada... - volveu Legolas, apertando o pai nos braços - Porque é que diz isso?
-Olha para ti... - suspirou o rei, endireitando-se e tomando o rosto do filho nas mãos. O rosto severo de Thranduil estava lavado em lágrimas -... ainda ontem andavas às minhas cavalitas e hoje tomas conta dos teus soldados... como o bom rei que vais ser.
Legolas lançou um olhar incrédulo ao pai; não era costume encontrar o rei numa situação tão... tão frágil. Por fim, o príncipe sorriu e colocou as suas mãos sobre as do pai:
-Sente-se sozinho...
O rei ia ripostar, mas em vez disso sorriu. Um sorriso grande e envergonhado:
-Traste...
-Aha, acertei! - Legolas sorriu também. Só que o seu sorriso morreu e o príncipe desviou os olhos azuis dos olhos verdes do pai - Já não lhe dou muita atenção, realmente...
-Agora estás a fazer com que me sinta uma criança mimada... - não que Thranduil desgostasse os mimos do filho. Legolas abraçou-o fortemente, sentindo-se mal. O rei pareceu ler-lhe os pensamentos e fez-lhe festas na cabeça loira - Sabes piolho... também sinto a falta da tua mãe.
-Pensa nela muitas vezes? - Legolas olhou o pai curiosamente. Nunca conhecera a mãe e, para ser sincero, uma figura maternal não era algo que lhe fizesse falta. Thranduil assentiu veementemente e o jovem príncipe voltou a abraçá-lo - Sabe que o amo e que não o vou abandonar, certo?
-Claro que sei, piolho... - e o rei elfo quis acreditar, mas as palavras do filho só lhe apertaram mais o coração; como poderia acreditar que Legolas jamais o abandonaria se corriam o risco constante de sofrer um ataque, de terem de lutar? Com a sorte que tinha, como poderia estar descansado e acreditar que o destino não lhe pregaria outra rasteira?
Fungou e limpou as lágrimas às costas da mão; não se podia deixar abater daquela maneira... afinal, era o rei! E não queria preocupar Legolas, o jovem elfo já tinha a sua dose. Estudou o rosto do filho, sorrindo novamente, e apertou as bochechas do filho:
-Lembraste de quando te fazia isto? - perguntou. Aquelas bochechas eram irresistíveis:
-Claro que me lembro! E lembra-se quando eu fazia isto? - e, num ápice, Legolas escapou-se e fugiu. E tal como esperava, Thranduil correu atrás de si.
Rindo e correndo percorreram os corredores do palácio. Passaram por alguns guardas que os olharam, confusos, e só pararam quando, ao virar de uma esquina, Legolas chocou com Yrjan e Thranduil chocou com Legolas. O rei recompôs-se imediatamente e ajeitou a coroa que não tinha na cabeça. O conselheiro lançou-lhes um olhar sabedor, contornou-os e seguiu caminho. Pai e filho seguiram-no com o olhar, contiveram o riso e Legolas regressou ao quarto, enquanto Thranduil se encaminhou para a sala dos mapas.
É bom para um pai brincar com um filho, mesmo que seja apenas por alguns minutos.
O vento assobiava-lhe nas orelhas.
O vento secava-lhe os olhos.
O vento desequilibrava-o.
O vento poderia assustar-lhe o cavalo.
O vento fazia com o que o seu cabelo lhe tapasse os olhos.
Aarne gritou de frustração e parou o cavalo. A cerca de metro e meio de distância, Glorfindel parou também:
-O que foi agora? - perguntou o paciente matador de Balrogs:
-Está vento! - indignou-se Aarne. Glorfindel sorriu; já fora a chuva, o sol, o frio, os passarinhos a voar perto dos cavalos, uma abelha, uma borboleta... agora era a vez do vento importunar Aarne - Com estas condições, é impossível ter uma espada na mão e estar em cima de um cavalo!
-Tenho aquilo que precisas, vou buscar. - e o nobre e prestável elfo saltou do cavalo e correu para o ferreiro. Aarne ficou a vê-lo afastar-se, as rédeas firmes numa mão e o punho da espada na outra. Asfaloth aproximou-se do cavalinho de Aarne e o elfo de olhos verdes fez-lhe uma festa desajeitada entre as orelhas:
-Fica aí, não invadas o nosso espaço pessoal... isso, aí, quietinho.
Aarne orgulhava-se de já estar a apanhar o jeito à coisa e olhou em redor, sentindo-se um pouco poderoso, assim montado no seu corcel gorducho e peludo e de espada em punho. E daquele planalto relvado junto à casa de Elrond viu chegar um mensageiro vestido com as cores de Mirkwood. Franziu o cenho e observou enquanto o mensageiro trocava algumas palavras com um dos elfos que varriam as folhas caídas das escadas da casa, elfo esse que apontou Aarne. E o mensageiro espicaçou o cavalo e subiu a ligeira inclinação, até parar junto a Aarne.
Não lhe dirigiu a palavra, limitou-se a estender-lhe um envelope com a divisa de Legolas. De cenho franzido, o elfo sardento aceitou a carta que a mão enluvada do outro elfo lhe oferecia, abriu-a e leu. Franziu ainda mais as sobrancelhas e lançou um olhar interrogativo ao mensageiro.
Só que o outro elfo, com um elmo que lhe projectava uma sombra ominosa no rosto, limitou-se a assentir; pelos vistos, queria levar já a resposta.
Glorfindel aproximava-se com um elmo nas mãos e Aarne, vendo o efeito sombrio no rosto do outro elfo, decidiu que não queria aquele balde ridículo e fantasioso na cabeça. Desmontou e embainhou a espada:
-Já volto, tenho de responder a isto. - explicou a Glorfindel quando passou por ele. Correu em direcção à casa e a espada começou a bater-lhe nas pernas. Soltou um impropério e agarrou no punho da espada com uma mão, para a imobilizar.
Procurou Elrond e encontrou-o na varanda com Arwen, que tocava uma melodia agradável na harpa. Sentiu-se desprezível por ir incomodar tão pacatos e nobres seres, mas tratava-se de uma emergência. Elrond aconselhou-o, Aarne correu para o seu quarto, escreveu a resposta a Legolas e voltou a correr lá para fora.
Entregou a carta ao mensageiro e viu-o partir. Glorfindel já montara novamente e balançava as pernas enquanto o cavalo arrancava umas ervinhas do chão:
-O que era? - perguntou curiosamente. Distraído, Aarne aceitou o elmo e colocou-o na cabeça. Ficou torto e o nobre elfo de Gondolin ajeitou-lho e ajustou a correia:
-O Legolas está preocupado com a saúde de um tenente dele. - resumiu o elfo. Glorfindel assentiu:
-Ouvi dizer que se travou uma grande batalha, e o exército de Thranduil esteve lá. - o elfo de Gondolin observou enquanto Aarne montou e desembainhou novamente a espada, e não conseguiu evitar um sorriso orgulhoso; Aarne continuava o mesmo, mas mudara tanto...
Então o elfo loiro com madeixas de cobre ergueu uma sobrancelha perfeita:
-Uma batalha? O Legolas não me contou nada sobre uma batalha.
Glorfindel mordiscou o lábio inferior e baixou a cabeça enquanto Aarne se escandalizava e revoltava por causa deste pequeno detalhe que lhe dizia respeito e fora ocultado.
Weeee, review?
(capítulo grande é grande! :D )
