Parte 1

Stela contemplou os portões da Biblioteca com reverência. Os inúmeros símbolos alquímicos que preenchiam cada centímetro cúbico – pois o portão, como toda a Biblioteca, tinha muito mais dimensões que a lógica humana lhe permitia ter – tinham que ter algum significado misterioso em uma língua longe das capacidades de aprendizado dela. Provavelmente um significado que ela teria medo de descobrir.

Stela sempre sonhara em conhecer magos e de verdade. Desde que tinha sete anos e vivia com seu pai e sua mãe numa fazenda a dez dias de viagem de Ankh-Morpork, onde criava vacas. Stela sempre gostara de vacas. Nunca entendeu por que algumas delas morriam tão cedo, mas sempre gostara de brincar com as tetas, que nunca entendera direito para que serviam, e de acariciar suas belas manchas marrons e pretas, que eram, para ela, o sinônimo de beleza. Seus pais sempre a diziam que ela era como uma bela vaquinha. Apelidaram-na de malhada, por ser cheia de sardinhas. Todos os seus amigos pareceram adotar o mesmo apelido, mas, diziam eles, era por um motivo diferente. Algo relacionado com suas ancas.

Mas independentemente de seu amor por vacas, o que Stela amava eram histórias de magos soltando magias impressionantes que mudavam o destino do Disco. Ela sempre quis soltar uma magia de verdade alguma vez em sua vida, no entanto, eles pareciam não sair muito. Apesar de ter conhecido inúmeros heróis, Stela não conhecera sequer um único mago em toda a sua vida.

Sua mãe lhe explicara, aos dez anos, que seu sonho era tolo, pois magos viviam enfurnados na Universidade Invisível, a mais importante escola de magia do Disco, e que eles não aceitavam garotas, mas ela soubera que tudo isso havia mudado. Os magos aceitavam mulheres desde que ela tinha quinze anos de idade. Desde então foi o sonho de Stela ir para a Universidade Invisível. No entanto, seus pais jamais permitiriam. Foi por isso que Stela candidatou-se, por correspondência, a uma vaga de secretária em Ankh-Morpork. Livre de seus pais, poderia finalmente conseguir uma vaga na maior escola de magia do Disco.

Stela não sabia que a única vaga que conseguiria seria de faxineira, mas assim que soube que poderia varrer o chão da universidade, não pensou duas vezes em começar a trabalhar. Tinha ido a Ankh-Morpork e tinha conseguido chegar mais perto de seu sonho. Se trabalhasse duro e tivesse um pouco de sorte, conseguiria sua vaga estudantil na universidade, ela tinha plena certeza disso.

E agora as vastas portas da Biblioteca revelavam-lhe escritos tão formidáveis que ela sentiu-se leve como o ar ao se imaginar lendo-os.

O mago que a acompanhava adiantou-se e empurrou uma das portas.

Não abriu.

O mago empurrou de novo, dessa vez com mais força, mas ambas as portas continuaram imóveis.

-Só um instante... – Disse ele. – Abram, ó magníficas portas do saber, e deixem que os ignorantes adentrem seus vastos salões de... Hã...Saber! – conjurou o mago, agitando suas mãos em movimentos bruscos, fazendo tudo parecer muito impressionante para a nova funcionária.

"Mas que diabos..." pensou Rincewind enquanto enrolava mais um pouco, tentando descobrir por que a porta estava trancada àquela manhã.

-Libertem os horrores escondidos, portas da magia! – Disse ele, gritando alo o bastante para acordar toda a universidade invisível. Será que não havia ninguém do outro lado? – Permitam que os ignorantes passem e deixem para trás sua ignorância para aprender em seus salões majestosos! – Continuou ele, começando a fica irritado com a incompetência dos funcionários da universidade. Se ao menos já tivesse memorizado o feitiço para abrir portas...

-Pare de gritar seu obtuso, tem gente tentando dormir na universidade! – Gritou de volta o prof. Samuel Panter.

Rincewind, constrangido, tentou sinalizar para o professor fazendo caretas quando Stela olhou para o professor. Queria fazer uma boa cena para a garota, cuja aparência deslumbrante quase o fazia querer desistir de seu sonho de ser mago. Quase.

Samuel pareceu só notar a garota depois, tonto de sono como ainda estava. Então seus olhos arregalaram-se por um segundo, e voltaram à posição normal logo depois de sondar o jovem corpo à sua frente.

Stela era uma jovem de quadris largos, cintura fina e cabelos loiros, longos e ondulados. Seus olhos verdes chamavam desviavam olhares, mas seus seios fartos roubavam esses mesmos olhares. Na academia de magos, ainda com tão poucas representantes femininas, ela seria uma bênção.

-Ora, Rincewind, você não nos apresentou à nossa nova convidada.

"Espero que você não tenha necessidade de dormir, seu..."

-Samuel Panter, a seu dispor, jovem dama; posso saber vossa graça? – Samuel Panter já passara há muito dos cinqüenta, mas se gabava de ainda saber como conquistar as damas. Sempre dizia que a idade apenas lhe conferira um "ar de experiência", mas sempre seus alunos estragavam seu humor perguntando de que adiantava o ar de experiência se ele não podia "completar o serviço".

-Stela... – Disse a jovem entre risinhos quando o professor tomou sua mão e a beijou delicadamente.

-Bem vinda, Stela, à Universidade Invisível. Imagino que uma jovem tão formidável deva ser um talento excepcional em magia! Está aqui para se inscrever? – Samuel era uma raridade entre os magos. Ele bem que gostaria de ver a Universidade Invisível cheia de mulheres, e isso se devia, primeiro, ao fato de que, pessoalmente, ele era quase incapaz de lembrar os feitiços por muito tempo, de forma que quase nunca os usava, assim, não se incomodaria em perder um pouco de energia mágica; e, segundo, pelo fato de que melhoraria a imagem dos magos perante o resto do mundo.

Stela ficou lisonjeada pelo que o professor propôs e estava prestes a responder "Sim! Sim, por favor!"

-Ela é só a faxineira. – Respondeu Rincewind secamente, cuja paciência estava diminuindo.

-Oh! – Disse o professor. – Nesse caso tenho certeza que irá fazer um ótimo serviço. – Tentou o professor novamente, mas percebeu que seu flirt havia se perdido, pois os olhos brilhantes da garota se apagaram.

-Professor, a porta está emperrada. – Disse Rincewind, cansado de fingir. O professor lançou-lhe um olhar letal. – Talvez o senhor se lembre do feitiço certo para isso? – Disse Rincewind, regozijando quando recebeu outro olhar mortal do professor.

Samuel Panter não queria passar vergonha na frente de uma mera faxineira – especialmente aquela faxineira – mas sua incapacidade de inventar uma boa desculpa e sua impossibilidade de admitir que tinha esquecido o feitiço o forçaram a tentar uma encenação qualquer.

-Forças que regem este universo – Disse ele sem saber exatamente a qual forças se referia. – Abram esta porta. – Infelizmente a imaginação não era seu forte também.

Por um segundo houve silêncio em frente às portas da Biblioteca. Rincewind tomou ar para deixar sair algum sarcasmo, pelo qual o professor já esperava, quando, com um estrondo, o mecanismo de trava da porta se moveu e as portas começaram a abrir. Quando Panter começou a se perguntar se algum deus lhe devia um favor, uma voz veio de dentro da Biblioteca.

-Está bem, está bem, parem de gritar! Sabem que horas são, por acaso?