Sexta-Feira, dia 10 de janeiro de 2014

Querido Diário!

As coisas já não estão como eram antes. Não poderiam estar. Claramente não estariam. Paul se distanciara ainda mais nos últimos dias. Éramos eu e ele contra o mundo. Nós contra todos e tudo. Como sempre devia ter sido. Melhores amigos para sempre, ainda somos, eu espero. Eu não sabia com quem conversar, ou se tenho alguém com quem conversar. Você é a única coisa que encontrei para que pudesse desabafar tudo que estou sentido. Nunca fiz isso antes, e não sei porque o estou fazendo agora. Sempre achei diário coisa de garotas, de meninas e afins. Só que me parece que estou tão perdido que só me resta escrever sobre isso. Sobre como as coisas se tornaram ruins nos últimos dias, desde daquele dia em que Paul e eu acabamos ficando. Não, eu não sou gay, e Paul também não. Nunca senti atração por outros garotos, e não sinto agora. Eu acho que não. Só que com Paul é diferente. Tudo com ele é diferente. É mais intenso, do amor ao ódio. Ele é como uma tempestade, ora pode vir fraca, ora pode vir forte. Ora pode não causar estragos, ora pode destruir vidas. Ora calmo, e ora violento.Tudo aconteceu na virada do ano. Na noite do dia 31 de dezembro, em uma terça-feira, prestes para se tornar quarta-feira. Estávamos só, eu e ele. Bêbados como sempre ficávamos na virada do ano nos últimos cinco anos desde que começamos a beber. O cigarro queimava na mão dele enquanto o baseado estava comigo. Era mais um dia comum para nós. A não ser que as coisas tomariam um rumo um pouco diferente. Talvez fosse a curiosidade, o álcool, ou o fato de sermos tão próximos um do outro que necessitávamos estar ainda mais próximos. Eu o amo é claro, não sei de que forma agora, não sei dizer como. E isto está me matando.Tínhamos indo em uma festa juntos, ele com sua namorada Sarah e eu com a Jessica, minha namorada. Tudo estava bem. Até que eu e ele saímos para fumar um baseado. Faltava menos de 5 minutos para a virada do ano. Para um novo começo. Eu tinha acabado de passar o baseado para ele, quando Paul me olhou com seus olhos azuis tão claros que quase pareciam transparentes. O cabelo loiro sobre os olhos, as tatuagens por todo o braço direito, o sorriso belo nos lábios, tudo estava normal como sempre esteve.

— Eu te amo, velho. Te amo para caralho – ele tinha dito. – Preciso de você comigo a vida inteira, okay?

— É claro que vou estar sempre com você – eu respondi. – Amigos para sempre.

— Eu estou falando sério, Luke, você não pode me abandonar, beleza?

Eu lembro de ter rido. Coloquei minhas mãos no rosto dele e o puxei para perto de mim. Ficamos bem próximo, nossas testas uma encostando na outra. Os olhos azuis dele me fitavam com uma ansiedade tão grande que me fazia questionar se ele estava bem. Ele estava praticamente suplicando por minha amizade. E isto doeu dentro de mim, porque eu e ele éramos como irmãos, e a angustia em seu olhar me aterrorizava.

— Eu te amo, Paul, okay? – Minha voz era quase um sussurro enquanto nossas testas estavam uma encostada na outra.

– Eu também te amo pra caralho.

Ele sorriu. Só que o sorriso logo se transformou em lágrimas. Eu me questionei o porquê das lágrimas, ele quase nunca chorava. Suas lágrimas eram raras, muito raras. Só o vi chorar duas vezes na vida, quando a mãe dele morreu e quando brigamos pela primeira vez. E aquela ocasião era de comemorar, não de derramar lágrimas.

— Se eu partir, você jura que não vai me esquecer? – Ele perguntou chorando.

— Hein, cara, que isso? O que está havendo, Paul?— Só me responde – ele disse sério, se afastando de mim.

— É claro que não vou te esquecer. Que conversa idiota é essa?

— Amigos para sempre – ele ficou de frente comigo. – Eu e você. Só nós dois contra o mundo. Não é Luke?

Eu tinha concordado com a cabeça. Ele estava muito estranho. Estranho demais. Algo estava errado. Paul fumou o baseado e ficou me encarando. Era somente eu e ele, em um antigo terminal rodoviário. Ele cheirava a perfume e cigarro. A lua era cheia e as estrelas brilhavam fortes no céu. Um rojão soou no alto, primeiro suave e depois foi aumentando. A meia-noite tinha chegado e com ela, um novo ano. Ele me abraçou como sempre fazíamos.

— Feliz ano novo – dissemos em uníssono.

Foi então que algo aconteceu. Algo que nunca me ocorreu antes. Tanto para mim quanto para Paul, supus. Senti os lábios dele pressionarem os meus, primeiro com calma e logo com ferocidade. Eu não tive reação. Alguma coisa dentro de mim dizia para eu me afastar, outra parte não deu tanta importância. A língua dele forçou por dentro da minha boca, pedindo passagem. Ele estava me beijando. Não sabia o que fazer ou como devia reagir. Então me deixei levar, apenas isso, deixei que fluísse. Sei que é estranho, sei que sendo hétero deveria tê-lo feito recuar. Mas nada disso parecia errado ou ruim, na verdade era bom. Era extremamente bom, e isto era o pior naquele momento. Eu estava gostando. Era como beijar qualquer outra mulher, só que ele beijava melhor que a maioria das mulheres que já peguei, e era muito mais forte. Não me lembro de quanto tempo durou o beijo, mas quando terminou ele me olhava daquela forma sombria que indicava que uma tempestade estava a caminho e sabia que aquele Paul era perigoso, eu devia agir com cautela.

— Me desculpa – foi o que disse. – Eu não sei bem o que deu em mim.

Minha resposta foi o silêncio. Eu não sabia como reagir. Não sabia. Só queria que esquecêssemos aquilo e seguíssemos em frente, como algo normal. Só que Paul não parecia estar levando com casualidade. Acredito que meu silêncio não tenha sido bem recebido por parte dele. Vi a fúria nos olhos dele, o antigo Paul estava em outro lugar, àquele era um Paul violento, sádico e perigoso. Recuei quando senti que se aproximava. Mas era tarde, o punho dele já tinha ido de encontro ao meu rosto. Senti a dor quando ele me acertou, e depois outro soco, foi quando tropecei e cai no chão. Não fiz nada para me defender de tanto que era minha surpresa. Essa não era a primeira vez que ele me batia. O álcool o deixava meio insano, mas nunca me importei. Eu sempre o controlava, e ele nunca me batia de forma violenta para tirar sangue. Dessa vez tinha sido diferente, ele me bateu com um desejo insano. Eu só conseguia ver seus olhos cheios de fúria quando o peso dele pressionou meu corpo contra o chão e outro soco me acertou nos lábios e dessa vez senti o gosto do sangue como bílis na minha boca.

— Paul – gritei quando senti o quarto soco. – Pare, Paul.

Em um momento ele era a fúria. Terrível e cruel, maligna em sua essência, sinistra em seu interior. Em outra ele era a compaixão. Fácil de lidar, bela em essência, bondosa em seu interior. Havia lágrimas por todo seu rosto, a cabeça deitada sobre meu peito como se ele fosse uma criança. Ele chorava em meu peito enquanto eu o mantinha protegido até onde eu conseguia mantê-lo. Ele se levantou e sua mão me puxou para cima e ele me abraçou.

— Me desculpe, eu não queria te bater – ele me segurava com força.

Minha boca estava cortada e estava manchando a camisa dele com o sangue que escorria onde ele tinha acabado de machucar. E suas lágrimas molhavam a camisa que eu vestia.

– Me perdoe Luke. Por tudo.

Acho que devo ter sussurrado que estava tudo bem. Que tudo ia passar. Eu estava perdido. Extremamente perdido. Não sabia decifrar o que estava sentido por ele naquele momento. Amor? Ódio? Paixão? Desejo? Tudo isso misturado? É difícil de saber. E eu não sei agora, querido leitor. Não sei.E em um silêncio perturbador senti seus lábios rígidos novamente sobre os meus. Mas dessa vez não houve língua, nada, apenas um beijo rápido.

— Eu te amo – ele disse e se afastou. – Sempre vou te amar.

Naquela madrugada trocamos poucas palavras e nos dias seguintes quase não nos víamos mais. Eu o amo de uma forma que eu não posso descrever como já disse antes, e queria que ele soubesse que nada entre nós havia mudado. Só que algo tinha mudado. E descobriríamos muito em breve, eu espero, preciso dele mais do que tudo nesse mundo. Afinal, somos eu e ele contra o mundo, não é mesmo?

Boa Noite.