Um mal só pode ser vencido por outro mal.
JEAN-PAUL SARTRE
PRÓLOGO
Ouvia-se apenas o silêncio tenebroso e agourento pairando pelas ruínas naquele momento. A atmosfera era pesada, mórbida sobre os diversos corpos espalhados uns sobre os outros na grama verde dali. Uma brisa rala atravessou o local, dispersando o cheiro de morte que se acumulava sobre o massacre; irônica e suave, acariciou a face do homem parado em meio ao cenário.
Harry Potter era seu nome. O nome que há tempos sumira sem deixar vestígios de que um dia existira: Harry Potter, o foragido. O paradeiro daquele peculiar par de olhos verdes era desconhecido desde que Minerva McGonnagal, professora de Hogwarts, fixara a vista em seu curto cabelo espetado rumando em direção às portas do castelo de Hogwarts, seis anos mais cedo.
Agora com vinte e três anos, Potter talvez não fosse mais reconhecido. Os cabelos antes curtos e com o aspecto bagunçado eram agora longos, desgrenhados em sua peculiar organização. Charmoso sob o sereno da noite, a luz refletia sobre o negro ali estampado. Selvagem, misterioso, perigoso. Sua aparência forte, robusta e bem treinada não mais condizia com o antigo garoto magricela de dezessete anos.
Apesar do físico mudado, o que realmente espantaria quem quer que o reconhecesse eram seus olhos: o par de orbes esmeralda não transmitia mais a alegria, a inocência e a bondade de tempos passados – cobertos pela escuridão, emitiam um poder jamais visto. Um poder tão grande que vez ou outra era possível ver o dourado reluzindo ali.
Toda a astúcia, a indiferença, a força e a determinação seriam encontradas em seus olhos com facilidade. E como se não bastasse toda essa mudança, ainda havia o sorriso jocoso que brincava em seus lábios por grande parte do tempo – sorriso este que era reproduzido agora, enquanto fitava o trabalho recém-feito no local.
Não precisou dizer nada: nem uma palavra de despedida, nem uma última maldição. Apenas andou apático, as passadas lentas no sangue ainda fresco, até um dos homens caídos sob um pedaço de rocha. Sorriu, abaixando-se nos calcanhares.
Com os joelhos dobrados e movimentos calculados, enfiou a mão entre ele e a ruína, alcançando seu bolso interno com pouco esforço. Dentro do pano, sentiu o punho fechado com força, como se estivesse protegendo algo. Uma proteção falha, riu-se ele – bastou um movimento para que tivesse a pedra em suas mãos.
Levantou-se. O sorriso jocoso fez-se mais uma vez presente, e então sumira. Para outrem, Harry Potter nunca pisara ali: era apenas uma lenda morta. Uma lenda morta há anos. Ele, entretanto, não precisava ter sua existência conhecida: era hora de agir nas sombras.
