A sombra se aproximava a passos lentos. Se pudesse ver o rosto, tinha certeza do sorriso sarcástico que estaria nele.

E eu tinha medo, muito medo. Ele não podia acabar logo com isso para que ela pudesse definhar em paz? Se tivesse sorte não sairia traumatizada – pelo menos não muito.

A mão asquerosa percorreu meus ombros e parou em minha nuca. Tentei desvencilhar, então notei as algemas. Lancei um olhar raiva para a sombra; porém minha raiva não era nada, absolutamente nada se comparada a fúria que meu captor iria descontar quando descobrisse a minha maneira de driblar seus intentos e manter minha sanidade.

A mão desceu pelo meu corpo. Fechei os olhos implorando pelo fim...


O vibrar do celular me acordou. Soltei um suspiro de alívio ao conferir o relógio, antes de abrir a mensagem:

"9 horas, 09/09. Confere?

Enviada por S"

Conferi o espelho, agradecendo por meu esforço em ter um visual plausível para uma noitada com os amigos não ter desmanchado com o cochilo. Peguei minha bolsa e saí do quarto.

Encontrei minha mãe e seu noivo na sala. Na TV o canal de esportes chiava. Phil preparava seu whisky e Renée usava o telefone.

- Estou indo com o pessoal, ok? – Minha mãe nem se dignou a me olhar na cara.

Meu futuro padrasto me lançou um olhar da cabeça aos pés. Fiquei tensa, mas aparentemente não estraguei tudo.

- Vão beber? O motorista pode levar e buscar você e suas amigas.

E relatar a você cada detalhezinho sórdido do que acontecer?

-Não precisa. Você sabe que eu não bebo mais – disse seca. O nojento deu um risinho, provavelmente lembrando, como eu, do motivo que me fez parar. – Hoje inclusive é a minha vez de dirigir.

- Ok, então. Cuidado com os rapazes, Mary. – Rolei os olhos enquanto andava até a porta. O coração a mil de raiva e medo de ser pega.

Já na moto, saquei o celular e escrevi:

"Confere.

Enviada para S"

Dei partida e acenei para o porteiro quando passava pelos portões. A adrenalina tomou minhas veias quando virei a esquerda e comecei a contar os quarteirões.

Um...

Dois...

Três...

Quatro; Cinco; Seis; Sete...

No oitavo quarteirão um farol quase me cegou, mas o carro passou direto por mim, na direção oposta. Aliviada, diminuí a velocidade ao alcançar o nono quarteirão; passando a procurar pela casa de número nove.

09 horas, 09/09.

Virar a esquerda, seguir por nove quarteirões até a casa de número nove. Ou era até a nona casa?

Quando comecei a me preocupar um carro estacionado fez sinal com o farol.

Em frente à casa de número nove, sua lesada!

Nem estacionei. Passei a moto pra Jacob sem dizer nada e entrei no carro com Seth.

-Hey Mary! - Seth me cumprimentou sério, dando partida e seguindo.

-Seth.

A tensão era suficientemente grande para nos impedir de falar.

- Como foi lá?

- Eles pensam que vou sair com minhas amigas. Não que minha mãe se importe com isso – tentei ignorar o olhar de pena que recebi.

- E o Phil? Tranquilo?

- Acho que sim, já que consegui chegar até vocês. Não estamos sendo seguidos, né? – arrisquei um olhar pelo retrovisor, assim como Seth.

- Não - e se corrigiu. – Aparentemente.

Eles estavam arriscando tanto por mim...

- Obrigada por ser meu padrinho, Seth. Mesmo que não der certo, eu nunca vou me sentir grata o suficiente.

Ele riu.

- Mary, eu te disse pra parar com isso já tem uns 300 agradecimentos passados. Vale à pena – Seu tom voltou a ser sério. – Como se nós fossemos deixar você na mão. Você pode não ter mais pai. Você pode ter uma mãe que vale nada. Mas você tem a mim, a vovó Marie e Jake. E nós não deixaremos ninguém por a mão em você.

Engoli as emoções e ia agradecer – de novo, mas sob olhar de reprovação dele eu dei um risinho.

- Então você devia me chamar de Bella, padrinho.

- Você vai me chamar de Dindo?

Chegamos rindo ao aeroporto, e minha sensação de liberdade era quase palpável.

Não conte com os ovos que não foram postos.

Jake nos encontrou na fila do check-in. Passou meus novos documentos, meu passaporte pra uma vida mais... Segura, por assim dizer.

- Tia Marie mandou essa carta pra você – Jake me passou um envelope.

Ah, vovó... Eu vou sentir tanto sua falta, pensei enquanto apertava o papel com mais força que o necessário.

- Me dê seu celular e fique com esse. Eu já coloquei os contatos necessários na agenda. – Eu troquei com ele, e Jacob desligou o meu velho telefone. – Vou dar um fim nele junto àquela coisa vermelha.

- A moto NÃO!

- Shhhiii, Mary. Calma! Quer por tudo a perder? – Seth disse aborrecido.

Aborrecida ia ficar eu se Jake desse fim na moto.

A moto do meu pai.

Tudo que me restou dele... Bem, quase tudo. Eu sabia que era brincadeira do meu tio retardado, mas ele sabia que o quanto a "coisa vermelha" significava pra mim.

Uma chamada soou no aeroporto.

- Mary, é a nossa deixa.

Eu abracei Jake bem apertado, lágrimas transbordando os olhos.

– Obrigada, obrigada, obrigada. Tudo o que você fez por mim é... Você é o melhor tio do mundo! Eu vou sentir saudades. Já estou com saudades.

– O mais importante agora é ter você a salvo. Quando tudo isso acabar sua lata velha vai estar te esperando numa vaga do aeroporto.

– Diga à vovó que eu a amo, que estarei pensando nela. – Me soltei dele e dei a mão a Seth.

– Eu vou cuidar dela, irmão – Seth foi solene.

– É bom que cuide mesmo. Confio em você.

– Vamos nessa, afilhada?

Quando o avião decolou, apesar do alívio, só conseguia pensar na merda que ia dar se me descobrissem.


Hey pessoal!

Esta é minha primeira fic, um presente (na verdade uma aposta perdida) pra uma amiga muito querida.

Não vai ser muito longa, mais ou menos uns dez capítulos, se eu não mudar meu roteiro.

Ainda não sei qual o ritmo de postagem, um capítulo por semana, talvez dois se der tudo certo.

Essa foi uma só a introduçãozinha a bagunça que é a vida dessa protagonista.

Fiquem ligados no que está por vir...