A fumaça subiu em direção ao céu. Rodopiava levada pelo vento. O cigarro já havia abandonado os lábios de Gokudera – esse jazia no chão. Takeshi cruzou os braços. Os dois se encaravam, sem dizer coisa alguma. Gokudera desviou o olhar, talvez envergonhado. Uma palavra pairava entre eles. Um nome. Gamma.
Hayato sabia que tinha mil e uma coisas que deveria falar. Devia pedir desculpas, por ser tão idiota o tempo todo. Por não aceitar Yamamoto (de todas as maneiras implícitas que essa frase denotava). Deveria agradecer. Agradecê-lo, na verdade, pois estava vivo e sabia que era por causa dele. As palavras se formavam na sua boca, mas morriam na hora de sair.
Respirou fundo, mais uma vez. O obrigado saiu baixo. O desculpa nunca foi dito.
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Gostava de ouvi-lo tocar. Era um daqueles poucos momentos em que ele não estava sendo apenas um "adolescente rebelde", quando parecia portar-se como um adulto. Os dedos percorriam as teclas, como se percorressem o corpo de alguém. A melodia era sombria e melancólica – assim como o olhar do pianista.
Quando Gokudera parou de tocar, Yamamoto desencostou-se do vão da porta. Hayato olhou para Takeshi, pegando um cigarro no bolso. Seus dedos tremiam – seus dedos sempre tremiam, nervosos, quando tinha que acender um cigarro. Porque ele sempre se lembrava do primeiro que fumara. Porque ele sempre acendia um quando não queria falar. Porque era quase sempre quando Takeshi estava por perto que isso acontecia.
Aquilo talvez se chamasse contemplação silenciosa. Porque os dois permaneciam imóveis, encarando-se. O som do piano parecia ainda ecoar, e a fumaça do cigarro agitava-se levemente sobre a cabeça de Gokudera. Talvez o som e a fumaça fossem as únicas coisas se mexendo ali.
Os passos de Yamamoto foram decididos (sempre eram) quando ele se aproximou de Gokudera. E ele parou. Ele parou, porque era ali que ele sempre parava. Era ali que algo o impedia de continuar. Porque ele gostava de olhar para Hayato – gostava de saber que ele ainda estava vivo. Gostava de saber que a luta com Gamma não o havia matado. Gostava de saber que ele ainda estava lá.
Sua vontade era estender a mão e tocá-lo, como Gokudera tocava o piano.
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Gokudera nunca soube sentir direito. Tudo o que ele sentia era completamente difuso – em relação a Bianchi, em relação a Reborn, em relação até mesmo ao Décimo. Porque tudo lhe parecia pré-programado (principalmente os sentimentos por esse último). Era algo que ele tinha controle sobre. Mas ele nunca conseguia controlar a rajada de sentimentos que lhe invadia quando estava com Takeshi. Raiva, ódio, impaciência. E depois, felicidade. Uma felicidade estranha, que ele nunca havia sentido antes. Uma felicidade que ele agora agradecia ser capaz de sentir.
Gokudera olhou para Takeshi com o canto dos olhos e o moreno fez o mesmo. As mãos se estenderam, ao mesmo tempo, e se tocaram. O rosto de Hayato ficou vermelho, mas Takeshi sorriu. Sorriu e apertou a mão de Gokudera com força, porque ele desejava que nunca se soltassem.
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Os sentimentos de Takeshi não eram confusos. Ele sabia muito bem o que sentia, e por quem sentia. Era natural. Porque antes ele era só Yamamoto Takeshi, jogador de baseball, brincando de Máfia. E agora ele era realmente alguém – e, em parte, só se sentia alguém por causa de Gokudera. Porque se não fosse por ele, tudo seria a mesma coisa de sempre.
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Vida. Não estava morto. E tudo graças a Takeshi.
Vida. Não se sentia morto. E tudo graças a Hayato.
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Os ecos do piano estavam no aposento. Estavam nas almas deles. O pianista não mais tocava – agora eram dois corpos no chão, abraçados, beijando-se. A fumaça do cigarro rodopiou em direção ao céu.
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N/A: Presente para as cinco pessoas que devem estar surpresas por eu estar postando em KHR. É, a fic não faz muito sentido. Ou faz. Ou... Sei lá.
