PRÓLOGO
Já passavam das duas da madrugada quando uma sombra se moveu silenciosamente pela noite afora, entrando no pátio central da aldeia, a essa hora já deserto. Vestindo uma túnica que cobria da cabeça aos pés, sentou-se em um dos bancos enquanto deixava a mente vagar. Mas antes que pudesse pensar em qualquer um de seus problemas ouviu, vindo de algum lugar não muito longe, um leve farfalhar de folhas que aguçou seus instintos de guerreiro. Tateou por baixo da túnica se assegurando de que estava com sua espada e então segurou firmemente em sua bainha. Caminhava em passos lentos e silenciosos na direção da floresta que dividia os dois reinos e que produzira o ruído de passos. Cada vez mais fundo nas entranhas da floresta, como que seduzido pelo desejo de uma batalha que pudesse distraí-lo do turbilhão de pensamentos que ele registrava no momento. Uma coruja soou ao alto o fazendo se desequilibrar por alguns segundos, tempo suficiente para que uma outra sombra, que definitivamente não era a sua, se postasse no lado oposto em que estava. Se recompôs imediatamente desembainhando a espada com firmeza e a apontou para o estranho, que acabou por imitar seu gesto. O brilhos dos cristais e rubis que cravejavam as espadas à luz da lua, que agora apontavam uma à outra, os fez fecharem os olhos por alguns segundos. E não precisaram de nem mais um minutos após abrirem os olhos para reconhecerem um ao outro.
- Charlie. – Falou com desdém o homem que se encontrava antes na aldeia.
- Carlisle. – Respondeu ainda mais amargamente o estranho na floresta.
Como se travassem uma batalha visual, continuaram se olhando mortalmente por alguns minutos, até que Carlisle se manifestou.
- O que faz o bondoso Rei de Icemoon vagando pela floresta essa hora da noite? – Disse enquanto desenhava um sorriso maldoso em seus lábios.
- O mesmo que você, Rei de Firesun! Atormentado demais para ficar ao lado do leito da mulher enquanto ela pari nossa cria. – Ele respondeu com firmeza fazendo uma expressão de choque passar pelos olhos de Carlisle, que logo embainhou a espada e tentou parecer mais cordial.
Charlie fez o mesmo e estendeu uma das mãos para que Carlisle pudesse cumprimentá-lo. Depois de um aperto cordial e firme se fizeram uma pequena reverência e estouraram em risos. Como se fossem bons e velhos amigos apoiaram-se um no ombro do outro e trotaram pela floresta conversando sobre os acontecidos do dia.
A esposa de ambos estava dando a luz em seus respectivos castelos, enquanto eles tentavam manter a calma do lado de fora. Era impossível continuar ouvindo os gritos e lamúrias de dor que ecoavam pelo salão principal, o que os fez saírem para refrescarem os pensamentos. Chegando ao ponto em que se encontraram.
- Meu velho amigo Carlisle, o que faremos com o tempo que passa rápido demais? – Disse Charlie enquanto se sentava em cima de um tronco seco.
- Parece-me que ainda ontem nós corríamos por essa floresta acertando pombas com estilingues. – O amigo gorducho completou rindo.
- Bons tempos. – Charlie suspirou. – Aqueles em que conseguíamos correr. – Ele emendou olhando pra Carlisle e passando as mãos em sua barriga igualmente redonda quando caíram na gargalhada.
Riram por mais um tempo se lembrando de como eram quando crianças. Eles sempre foram amigos, mas sempre mantiveram isso em segredo devido aos seus ancestrais. Vinham de famílias tradicionais que eram inimigas desde o início dos tempos. E se soubessem a amizade que cultivavam acabariam por serem cruelmente castigados. Felizmente haviam conseguido esconder perfeitamente toda a camaradagem e seus pais se foram, os deixando responsáveis por seus reinos. Charlie se tornou rei de Icemoon, e Carlisle, rei de Firesun. Acabaram perdendo o contato, pois tinham que manter as aparências cada um para com seu povo. Estavam tão acostumados a se tratarem mal que sempre que se encontravam faziam uma pequena cena como a de alguns minutos atrás. Mas há poucos meses haviam se reunido e decidiram que, assim que seus herdeiros nascessem, seriam prometidos um ao outro, se possível, na esperança de reinar a paz entre os dois reinos e de finalmente poderem voltar a se encontrar sem ser as escondidas. Esse assunto não demorou a surgir naquela noite. Foi entre risadas e lembranças que eles puderam escutar a comemoração em ambos os castelos.
- Pois que com este barulho só pode ter nascido meu descendente! – Disse Carlisle todo orgulhoso.
- Digo o mesmo, meu caro amigo. - Completou Charlie. – Tenho que ir agora, meu caro. Vemo-nos daqui a uma semana para resolvermos tudo que há de ser resolvido, passe bem Carlisle.
Ele disse enquanto praticamente corria em direção ao castelo. Antes que Carlisle sumisse de vista também lembrou de gritar.
- Felicitações, meu velho amigo!
- Para você também, Charlie. – Ele ouviu de um Carlisle que se embrenhava na mata em direção ao seu castelo.
