O Diário Invisível dos Exilados
Parte I: Infância - Prólogo da desilusão
Capítulo I
Somos quatro irmãs, da família Ayakashi. Fisicamente, eu sou a mais alta e forte; com doze anos de idade, a mais velha; e também a mais...eu não sei o que dizer além disso. Na academia militar, os mestres nos ensinam muitas coisas, mas o nosso maior aprendizado é nos preparar para uma guerra muito importante, porque é o nosso destino, a nossa vontade, e a nossa obrigação buscar o triunfo do nosso povo...acho que isso deveria nos deixar mais unidos e iguais uns aos outros...mas eu tenho a sensação de que todos querem vencer sozinhos essa guerra: aqui em Nemesis cada um tenta se tornar melhor do que o outro em tudo, custe o que custar. Será que no planeta Terra também é assim?
Outro dia, perguntei à mamãe porque meus colegas de classe são tão hostis uns com os outros...como vamos vencer Neo Queen Serenity sem juntar nossas forças de verdade? Por mais que ela tenha uma certa razão, quando disse que competir aumenta a competência, eu não acho que estejam pensando como um grupo quando humilham e menosprezam uns aos outros. Cada um deles quer se tornar uma espécie de héroi para os outros, quem sabe um dia ocupar sozinho o lugar de salvador do clã Black Moon, mas só ouço idiotices quando abrem a boca. Odeio todos eles. Odeio a mim mesma por não ter forças pra acabar com esses inúteis.
Eles não querem lutar pra sair desse lugar horrível que é o Planeta Nemesis. Eles querem lutar pela fama e pela glória. Juntar inimigos em nossa terra é sinônimo de poder, mas saber lidar com eles é o que separa os tolos das mentes brilhantes. Eles não são grande coisa, só um bando de tolos onde uns mentem e traem melhor do que os outros.
Não há honra nas vitórias sem mérito, era o que dizia meu pai. Ele morreu há três anos atrás, e isso deixou um buraco no meu peito que nem o maior poder do universo vai preencher. Não deixaram minhas irmãs irem ao velório, pois eram pequenas demais. Lembro de ter chorado sozinha durante toda a cerimônia fúnebre, pois todo mundo estava ocupado demais fazendo discursos sobre o grande guerreiro que meu pai havia sido. Mas ninguém se desculpava por tê-lo mandado para a morte e tirado de mim. Chorei sozinha, de tristeza e de raiva, soluçando e remungando pragas. Minha mãe ordenou que eu parasse com aquilo, e então...
"Vou chorar o quanto eu quiser, dane-se você e esses idiotas!"
Eu estava desesperada quando disse aquilo. Tinham me proibido até de ficar junto ao esquife do meu pai, solitário na parte mais alta do salão, enquanto recebia as tais homenagens póstumas. Através do cristal, eu queria ficar olhando pra ele, até o momento de ser confinado em sua tumba para sempre...quando ele saiu de casa, no dia de sua morte, eu não quis aparecer para me despedir.
"Petz!"
Mamãe repetiu meu nome umas três vezes, parada no meio do salão, preocupada com as lágrimas borrando sua maquiagem debaixo do véu negro, com o aborrecimento de sei lá qual autoridade cujo discurso eu tinha interrompido, com as reações da nobreza e da alta sociedade presentes...eu não dava a mínima. Meu pai estava morto. Um homem bom, carinhoso e muito sábio. Enquanto eles transformavam a morte dele em um evento burocrático, eu também me sentia morta por dentro. Guerreiros valorosos em Nemesis tem aos montes. Mas o meu pai, nunca mais voltaria. E ninguém se preocupava em perder a pessoa que ele era, porque ninguém o conhecia de verdade. Aqui, neste lugar, somos todos estranhos.
"Venha, vamos sair...", minha mãe baixou o rosto, sem levantar sua máscara de viúva, e caminhou na minha direção. Eu pus o dedo em riste.
"Não vou sair do velório do meu pai porque você quer impressionar todo mundo! Ele era meu, não deles! Papai detestava essas besteiras, ele achava vocês todos uns falsos! Se alguém aqui se importasse, não teriam..."
"Basta disso, menina!", o pai de Esmeralda, um dos grandes generais do exército de Nemesis, tentou segurar meu braço. Grande erro, porque eu chutei as canelas dele com toda a força possível. O cretino ficou furioso, e me ergueu do chão. Ele me colocou sobre o ombro e saiu do salão, acompanhado pela minha mãe.
Mesmo assim, eu continuava chutando, esmurrando e gritando. Até hoje, o general Garnet me olha atravessado. Ele e as outras pessoas dizem que sou problemática, com tendências preocupantes a piorar cada vez mais.
Quando voltei à Academia, meus colegas já tinham sua opinião formada sobre mim: segundo eles, eu era uma descontrolada, mimada e ingrata, pois deveria ter orgulho da morte heróica de meu pai, cuidando sempre para preservar a memória dele com igual dedicação ao reino, ao povo, e à família real. Um garoto mais velho, puxa-saco dos príncipes, achou que deveria conversar sobre isso comigo. Claro que plantei o pé na cara dele e o derrubei de costas no chão, após alguns minutos escutando imbecilidades de todo tipo. Esperei porque quis ter certeza de que os príncipes iam passar por ali na hora certa.
Não sei o que o Príncipe Demando pensou. Ele não parou pra ajudar o cara, só observou por alguns instantes e caiu fora. Mas o príncipe Saffiru teve uma reação diferente: ele ajudou o inútil a se levantar, perguntou se estava bem, enfim, tudo o que os bons meninos fazem. Mas além disso, ele também sorriu pra mim, antes de correr pra alcançar o irmão mais velho.
Ele é um garoto muito bonitinho, dois anos mais novo do que eu. Tem uns olhos grandes e lindos, azul-claros. Às vezes parece um homenzinho, sempre quieto e tentando botar ordem nas coisas. Talvez ele tenha sorrido pra mim naquele dia porque também perdeu os pais para a guerra. Desconfio de que viva tão conformado quanto eu.
