Inglaterra, outono de 1785
-Maldição,Pedro, a mulher está morrendo!
Pedro baixou os olhos para a mulher pálida que repousava imóvel sobre a pequena cama.
— Ela ainda esta respirando.
— Mal e mal.
— Está apenas exausta do trabalho de parto, Remus. - Pedro apanhou a criança envolta em faixas que jazia sobre o braço largado da mulher. - Pobre pequeno. Pelo jeito foi estrangulado pelo próprio cordão umbilical. Bem, vamos logo, Remus, troque os bebês.
— Odeio isso. - Remus depositou gentilmente o recém-nascido, que dormia tranquilamente em seus braços, ao lado da mulher. — Isto não esta certo. Isto não esta certo. A pobre mulher não tem forcas para cuidar da criança. Ele vai acabar morrendo junto dela. Talvez pudéssemos...
— Pare agora mesmo, Remus Lupin! — Pedro irrompeu. — Você esta se esquecendo do que aconteceu com o velho Malvin quando ele tentou dizer não para aquela megera? Você quer que os seus ossos se misturem aos dele naquele fosso? É claro que isto não é certo, mas não temos opção. Nenhuma opção. É melhor deixar o pequenino morrer do que levar uma bronca daquela mulher. Senão, certamente seremos assassinados pela própria mãe dele.
— O lorde cuidaria bem do garoto.
— O lorde não enxerga a verdadeira face daquela mulher, você sabe disso. Agora, vamos cair fora daqui. A megera quer esse bebê que já está morto nos braços dela antes que o lorde retorne o que deve acontecer em breve, pois ele já deve ter recebido há algumas horas, a notícia de que a sua esposa deu a luz. O tolo que fez isso ira se arrepender amargamente, disso tenho certeza - Pedro murmurou e balançou a cabeça.
Remus começou a seguir Pedro para fora do simples casebre quando, de repente, hesitou.
— Já estarei com você num piscar de olhos, Pedro. Só vou...
— Só vai o que? Precisamos partir agora mesmo!
— Só quero garantir que eles estão quentes e confortáveis, dar a eles uma chance de lutar, ou não vou conseguir descansar em paz.
— Corra, então, ou logo nós dois iremos descansar ao lado do velho Melvin.
Depois de acender a lareira e cobrir a mulher e a criança com outro cobertor, Remus olhou ao redor para se certificar de que Pedro não estava vendo. Apanhou então um maço de papeis de dentro do seu velho casaco e rapidamente colocou-os embaixo das cobertas. Quando olhou para a mulher novamente, levou um susto. Ela estava observando-o.
— O seu bebê terá um local decente para o descanso eterno — sussurrou. — Odeio ter de fazer isto, certamente odeio, mas tenho esposa e cinco filhos. Sim, e, no fim das contas, sou um covarde. Aquela mulher perversa não hesitaria em me matar caso eu tentasse estragar os seus planos. Se conseguir, esconda bem os documentos. Se o lorde sobreviver às armadilhas da esposa, ele estará esperando pelo filho e, então, os documentos servirão como provas de que este menino é seu filho. É o máximo que eu e alguns poucos ousamos fazer, sinto não poder ajudar mais. Rezarei por você, moça. Por você e pelo garoto. Sim, e rezarei por mim também, pois tenho certeza de que hoje condenei a minha alma. - Em seguida, deixou o casebre correndo.
Depois de esperar alguns minutos para ter certeza de que os homens já haviam partido, Hermione Granger saiu do vão ao lado da lareira, onde se escondera quando os homens arrombaram a porta, e se ajoelhou ao lado da cama da sua irma, Laurel.
Ela fitou a criança que a irmã segurava. O menino estava vivo. Tocando na bochecha quente e macia do bebê, ela olhou para a irmã enquanto a tristeza formava um nó na sua garganta. Laurel estava morrendo. Ambas sabiam disso. Mesmo assim a irmã sorriu.
— Tudo aconteceu exatamente como você previu Hermione - Laurel disse num sussurro fraco, que não vinha da necessidade de guardar segredo. — A vida surgindo em meio à morte foi o que você disse.
Hermione assentiu, nem um pouco feliz por suas previsões terem se mostrado corretas.
— Sinto muito pela sua criança.
— Não sinta. Logo nos encontraremos.
— Oh, Laurel — Hermione iniciou com a voz embargada pelas lágrimas.
— Não chore por mim. Estou pronta. Na verdade, anseio por me juntar ao meu amor e ao nosso filho. Minha alma esta em prantos por eles.— Laurel ergueu uma mão pálida e tremula e limpou as lágrimas da face de Hermione. — É por isso que ainda vago sobre esta terra, por isso não morri logo depois que o meu querido Henry se foi. Esta criança precisava que estivéssemos aqui, precisava do corpo do meu filho para estar aqui. Eu me recuperei daquela febre mortal porque o destino o solicitou de mim. Meu pequeno Charles Henry terá um enterro distinto. Talvez até receba uma bênção.
— Ele não deveria ser colocado no túmulo errado.
— Isso pouco importa, Hermione. Ele já esta junto do pai, esperando por mim. Agora, lembre-se, você precisa fazer com que pareça que esta criança morreu. Não se esqueça de escrever nossos dois nomes na cruz. Embrulhe cuidadosamente os ossos que recolhemos. Ah, não fique tão aflita, irmã. Em vez de ser jogada em uma pilha de ossos como fazem com tantas outras nos cemitérios de Londres, aquela pobre criança também terá um local decente para descansar em paz. Aqui no interior não somos tão insensíveis com os nossos mortos, não precisamos revolver nossos túmulos para dar lugar a outros. Foi um belo presente que demos aquele bebê, há tanto tempo morto sem identificação.
— Eu sei. Mas apesar de todo o cuidado que tomamos, continuo rezando para que não estejamos erradas.
— Eu sempre soube que estávamos certas, que era o destino e que não poderíamos mudá-lo por nada. Sentirei a sua falta, mas, de verdade, não sofra por mim. Eu estarei feliz.
— Como uma mãe pode ser capaz de fazer isso com o próprio filho? — Hermione tocou delicadamente nos cabelos fartos do bebe.
— Ela não pode dar um herdeiro saudável ao lorde, pode? Isso arruinaria todos os seus planos.
Quando Laurel não respondeu nada ao longo de alguns minutos, Hermione murmurou: — Agora descanse. Não precisa dizer nada.
— Preciso e muito — sussurrou Laurel. — Meu tempo está se esgotando. Assim que eu partir, cuide do enterro, e logo em seguida vá procurar o nosso primo Leopold. Ele estará esperando, pronto para iniciar a parte dele neste jogo. Ele a ajudará a cuidar da criança e do pai dela, e lhe dirá quando será o momento certo para agir contra aquela mulher malvada e o seu amante. —Laurel virou o rosto e beijou a cabeça do bebê. — Esta criança precisa de você. Ele e seu pobre pai, cego de amor. Nós duas sabemos que este menino, um dia, irá realizar grandes feitos. Sinto-me em paz em saber que os meus sofrimentos não são completamente em vão, que algo de bom resultara de toda a tristeza.
Hermione beijou o rosto gélido da irmã. Chorou ao sentir que a ultima centelha de vida estava se esvaindo do corpo frágil de Laurel. Deixando de lado a dor que pesava como uma pedra sobre o seu coração, ela preparou Laurel para o sepultamento. O sol mal tinha se erguido para um novo dia quando ela já estava ao lado do túmulo da irmã, a pequena égua robusta carregada com seus poucos pertences, e o bebê confortavelmente preso junto ao seu peito por um cobertor, em uma espécie de tipóia. Uma árvore contorcida pela ação do vento era tudo que marcava o ponto exato do túmulo de Laurel, nos pântanos desolados. Hermione duvidou que a cruz de madeira que ela tinha feito duraria por muito tempo, e as pedras que tinha empilhado sobre o túmulo para deter animais carniceiros logo acabariam se misturando as que salpicavam o terreno pantanoso.
— Eu voltarei. Laurel — Hermione jurou.— Cuidarei para que você e o pequeno Charles Henry tenham um sepultamento digno. E também para que esta pobre criancinha que esta em seus braços tenha um lugar digno ao seu lado. Ela merece tal honra.
Hermione fez uma prece em silêncio pela irmã e em seguida virou as costas, fixando a mente na longa jornada que tinha adiante.
Iniciada a viagem, poucas horas depois, Hermione teve de fazer uma pausa para atender as necessidades do bebê, ela fitou a estrada sulcada que se estendia alem dos imensos pilares de pedra que demarcavam o caminho para Colinsmoor, o lar da criança em seus braços. Ficou tentada a ir ate lá para tentar descobrir exatamente o que estava acontecendo. Corriam rumores na vila. No entanto, Hermione sabia que seria tolice, e assim permaneceu onde estava, protegida pelas sombras do bosque, no lado oposto da estrada que a levaria para Londres e para o seu primo Leopold.
Pronta para retomar a viagem, ela ouviu o som de um cavalo se aproximando em alta velocidade. Dali de onde estava, observou quando um homem saiu da estrada que vinha de Londres e entrou na que conduzia a Colinsmoor e continuou sua corrida apressada. "Que homem elegante", ela refletiu. Alto e esbelto, de cabelos e roupas pretas montado sobre um imenso cavalo também preto - era um tipo majestoso.O rosto fino e aristocrático estava pálido e a fisionomia, carregada com vincos profundos de preocupação. Ele era o retrato perfeito do marido apaixonado correndo para se juntar a esposa e ao filho bem-vindo. Hermione pensou na dor que em breve o acometeria ao acreditar que o seu filho estava morto e na dor que estava por vir quando descobrisse a horrenda verdade sobre a mulher que amava. Ela se perguntou ate onde tudo isso poderia mudar o homem.
Seus olhos baixaram para a criança em seus braços.
— Aquele era o seu pai, rapazinho. Ele parece ser um homem bom. Seu patrimônio se estende ate a estrada. Logo você poderá clamar por ambos. Eu juro.
Com uma ultima olhada na direção de Colinsmoor, Hermione montou no cavalo e pegou a estrada para Londres. Ela lutou contra o estranho desejo de seguir aquele homem e poupá-lo da dor que o esperava. Contudo, ela sabia que seria uma bobagem. O destino determinava que o homem fosse de encontro a sua provação.
Ate que o lorde enxergasse a verdade, ate que enxergasse a verdadeira faceta da sua esposa, Hermione sabia que a sua obrigação, sua única obrigação, era manter a criança viva.
Duas semanas depois ela bateu a porta da elegante casa do seu primo Leopold, em Londres, e não se surpreendeu quando ele mesmo abriu a porta. Ele olhou para o bebê em seus braços.
— Seja bem-vindo, Anthony - ele disse.
—É um belo nome - Hermione murmurou.
— É um dos nomes que ele tem. A notícia sobre a morte foi publicada nos jornais.
Hermione suspirou e entrou na casa.
—É assim que tudo começa.
—Sim, minha criança. É assim que tudo começa.
