1. NA ESTRADA
- Por favor, não, não, não!
E assim eu abri meus olhos, após ouvir muitos gritos e vozes chamando. Não vi rostos. De quem eram aquelas vozes? Eu não sei dizer. Apenas sei que a mais próxima era de um homem. Não soava como a voz de um velho, mas alguém da minha idade, ou próximo a isso. Jovem.
Não sei se dormi. Não sei se desmaiei. Não sei se fui assaltada, sequestrada, ou se... sei lá. O fato é que tudo está confuso em minha cabeça. Eu nem lembro onde estava ou como vim parar aqui, nesta estrada deserta cercada por mato e árvores.
Era dia. Olhando ao meu redor por alguns instantes, nem gente e nem carros... Não há ninguém por perto, nenhum sinal de qualquer viva alma que possa me explicar COMO eu vim parar neste lugar - embora me sinta livre cercada pela natureza viva – verde e fresca. O cheiro de folhas é forte, marcante e inexplicavelmente maravilhoso. Tudo é paradoxalmente novo e familiar... por isso não devo estar com medo. As circunstâncias, pelo menos, não parecem assustadoras. Só bizarras. Eu devo morar por aqui.
Levantei, e minha cabeça começou a doer. Percebi que não havia chegado aqui há muito tempo. Meu cabelo não está tão sujo, nem minhas roupas. Talvez eu caí ou fui atropelada, pronto. Justificaria o pouco de sangue na camisa. O importante é que nada doía, não havia ambulância, então pensei, ironicamente, "bom, nada está quebrado". Comecei a andar pela estrada, descansada e despreocupada. Vai ver eu dormi, pois realmente estava bem disposta. Quando passasse alguém, eu iria pedir ajuda... pois com o tombo (na minha lista de hipóteses isso também pode ter acontecido), minha memória tinha literalmente apagado.
Ao andar, reparei no meu próprio corpo, buscando evidências que pudessem revelar minha identidade. Comecei analisando minhas mãos: pequenas, finas, brancas como o resto da pele. Tinha vários sinais pelos braços, deviam ser sardas. Não usava joias, apenas um escapulário, sem muitos detalhes. Minhas unhas não estavam pintadas. Passei os dedos nos meus lábios, que estavam um pouco ressecados, talvez do frio, mas não acho que estava usando batom ou qualquer tipo de maquiagem. Pelo menos não saiu nada em minhas mãos quando esfreguei meu rosto. Os cabelos, um pouco bagunçados, acredito, eram lisos, compridos e castanhos. Usava uma camisa xadrez azul larga por cima de uma camiseta branca, um jeans surrado e um par de tênis comum.
Andei por horas tentando decifrar quem eu era, com base nestas pistas. Não cheguei a nenhuma conclusão. Acho que agora eu deveria surtar... mas preferi manter a calma. Afinal, de algum jeito eu fui parar ali, e alguém deveria aparecer, mais cedo ou mais tarde. Impossível a civilização inteira ter sumido enquanto eu estava desacordada!
Vi uma macieira, e parei. Me aproximei, dei um pulo, e agarrei a fruta que estava mais baixa. Era vermelha como sangue, e grande. Parecia de mentira. Sentei encostada num tronco de árvore, perto da estrada. Toda jogada, pensando, enquanto olhava a maçã. Olhei ao meu redor. A estrada não era nova, também não era antiga. Não havia sinal de freada nem de acidentes. Não adianta... eu não tinha nem ideia de que lugar era aquele, mas era belo...e fazia frio. Na verdade, olhando agora, parecia mais uma pintura, uma obra de arte dessas que, quando vemos, nos perdemos na vivacidade das cores. O silêncio era profundo... só ouvia algumas cigarras e pássaros, bem de longe, e o som do vento batendo nas árvores. Uma borboleta pousou na minha perna, eu a peguei, delicadamente, com um dedo. Ela era vermelha e branca. Levantei meu dedo contra a claridade e suas cores contrastavam lindamente com o verde e cinza daquele céu nublado.
Descansei mais um pouco e levantei, não queria perder tempo e tinha que achar alguém antes de escurecer.
Mal sabia eu...
Devo ter andado por horas. Eu não usava relógio, mas soube que estava anoitecendo quando o céu começou vagarosamente a escurecer... ou o tempo estava fechando, não sei dizer. Ainda não tinha visto o sol, pois o lugar era cercado por mato e árvores. Comecei a suar e parei de andar. Dobrei a barra do meu jeans para cima, minhas pernas estavam ficando inchadas. Resolvi entrar em uma espécie de trilha na mata. Afinal, não passaria a noite no meio de uma estrada deserta. Naquele buraco, pelo menos, eu ficaria um pouco mais segura, mais escondida de algum bicho que pudesse aparecer ali.
Sentei perto de um tronco de árvore partido no chão. Fiquei ali, admirando a recém-chegada lua cheia por alguns instantes... tentando lembrar de alguma coisa. Tentei lembrar se tinha um lar, uma família, amigos... tudo em vão.
A perda de memória e o passar das horas me trouxeram, enfim, a angústia.
Pus-me a chorar sem saber como sairia daquela situação. O nervosismo me consumiu. Encolhi-me no mato feito criança, uma criança perdida no mundo. Depois de muito resistir, acabei dormindo. Quem sabe aquilo era somente um sonho e no dia seguinte eu acordaria em casa, numa cama quente e com a minha família? Se é que eu tinha família. Não custava sonhar.
Dormi feito uma pedra.
Só acordei com a claridade do dia seguinte. Antes de abrir os olhos, tinha muita esperança de não estar mais ali. Doce ilusão... lá estava eu, no mesmo lugar, com as mesmas roupas, sem ninguém. O único jeito era levantar e continuar andando.
Estiquei-me e levantei. Hoje sentia o corpo dolorido. Voltei para a estrada principal, segui na mesma direção onde seguia no dia anterior. A pista era quase plana. Em algum lugar aquela estrada ia dar.
Não foi naquele dia.
Nem naquela noite.
Nem no dia seguinte.
Nem no outro.
Parecia estar em um espiral sem saída. Algo estava definitivamente errado, muito errado. Ainda assim, tentava ter calma, na medida do possível.
Nos próximos dois dias eu Já estava perdendo a noção do tempo, com muita fome e sede. Mas consegui manter o controle. Perdê-lo, a essa altura, seria uma forma de acelerar o meu fim.
Após alguns dias, eu já não era mais a mesma. A confiança parecia estar me abandonando, apensar de eu lutar contra o sentimento de entrega. Não aguentava mais comer as poucas frutas e algumas raízes que apareciam perto daquela estrada, agora com menos árvores vivas e vários galhos mais secos ao redor.
Já não tinha forças para fazer longas caminhadas como tivera antes, tamanho o cansaço e fraqueza que tomavam conta do meu corpo, eu notei, mais magro e pálido do que antes. Estava cada vez mais perdida, no espaço e no tempo.
Já havia caído por mais de quatro vezes, e me machucado inúmeras, quando finalmente vi uma novidade. Ou duas.
Uma única placa apareceu após horas de caminhada, e dizia "Yellow Woods 1 KM". Era um lugar? Eu não sei. Aliás, não sabia de nada. Se estivesse mais confiante como antes, teria levado em conta o fato de eu ainda ser capaz de ler para ficar um pouco alegre. Apesar da vontade imensa de sair correndo para achar a tal YELLOW WOODS, cambaleei ao lado da pista para descansar, pois eu já não aguentava mais as minhas pernas. Nem a fome e a sede. Estava completamente enjoada, tonta e com mal-estar. Será que comi algo estragado ou envenenado pela estrada? Acho bem improvável... eu, lenta, nem raciocinei que deveria mais era ser sinal da falta de alimentação. Não conseguia mais sentir conforto nem para abrir os olhos. Minha pressão já devia estar em ponto morto, pois acabei desmaiando ali mesmo, sem estar com sono, aparentemente.
Ótimo. Nadei, nadei, e agora morreria "na praia". Ou não... A outra novidade vinha a seguir.
Senti a presença de uma sombra enorme se aproximando, sem eu ver nada. Ele veio por trás, da direção leste, devagar, sem fazer barulho, e parou perto de mim. Pousou aqueles grandes olhos em brasa sobre meu corpo. Ficou extremamente assustado ao ver meu rosto.
-Merda! – sussurrou.
Recuou por alguns instantes, e torci para não querer fugir por medo de encontrar uma pessoa em estado de quase morte. Por alguns instantes, pensei que estaria sozinha de novo. Mas, para a minha última fagulha de sorte, ele voltou. Aproximou-se mais ainda, e começou a me chutar de leve, talvez achando que eu estava morta.
Realmente eu não tinha mais forças, mas consegui abrir meus olhos mais uma vez. E um frio terrível passou pela minha espinha. A vista estava turva, mas sabia que era um homem.
- Vou cuidar de você. Consegue me ouvir? Não se mexa! – ele disse enquanto verificava minha pulsação mais do que fraca.
Rápido e rasteiro, desapareceu por trás de mim, novamente. Fez uma expressão de quem levara um susto, eu realmente deveria estar péssima, com olheiras e cara de morta. Tentei me sentar, mas o único sucesso que tive foi bater a cabeça num tronco de árvore que estava ao meu lado e eu nem havia percebido. Cega.
- Caramba... devagar! - Ele voltou rápido com uma cuia de água. Não vi onde ele conseguiu aquilo. Quase derramou ao ver que eu bati a cabeça. Abaixou-se ao meu lado, me deu a água na boca ao ver que eu não conseguia nem pegar o recipiente, e eu tenho certeza que parecia um bezerro faminto e definhando. Ele parecia estar surpreso que eu estava viva, por algum motivo. A todo o momento me olhava com a expressão mais surpresa possível.
De repente, tudo girou ao meu redor. Ou melhor: de acordo com a minha vista, tudo girava. Ao perceber que eu iria bater a cabeça novamente, ele me segurou. ME SEGUROU. Com apenas uma das mãos. Tirou a água de mim e olhou para meu rosto, provavelmente mais do que abatido, e para a estrada à frente, como se estivesse se certificando que não havia mais ninguém além de mim.
- Vem comigo, vou te tirar daqui. – Ele disse, reclinando sobre mim. Fiquei desconfortável, e ele percebeu. – Tá tudo bem. - Colocou cautelosamente uma mão embaixo das minhas pernas e a outra nas minhas costas, pronto para me carregar. Estava tão confusa que fiquei com o pé atrás, era um desconhecido. Neguei a ajuda balançando a cabeça e empurrado seu braço, apesar de não conseguir nem pensar direito.
- Prazer em lhe conhecer também. Agora com licença. – pela voz, ele ficara furioso com o primeiro sinal de provável teimosia que demonstrei. Me pegou no colo e começou a andar mais rápido.
Confesso que tive vontade de perguntar para onde ele me estava me levando, mas ao notar sua seriedade, parecia saber para onde estava indo e o que deveria fazer. Fiquei mais enjoada ainda com seus passos, e resolvi fechar os olhos e esperar. Não sei se ainda estava completamente sem noção do tempo, mas acho que ele andou comigo por não mais do que trinta minutos.
Adentramos por uma pequena trilha. Ainda de olhos fechados, percebi pela sombra da pouca claridade daquela tarde que ele olhava para o meu rosto, a todo instante. Poderia até ser interessante, se não fosse pela situação ridícula e por não ter ideia de quem era aquela pessoa. Tive a impressão de estar mais sonolenta ainda, talvez tenha até dormido em seus braços, mas logo acordei, com dificuldades para respirar. Eu estava praticamente flutuando. No fim, eu nem sei ele me levou apenas andando.
Entramos numa espécie de cabana abandonada, não sei dizer, pois não tinha como analisar naquela posição. Ele abriu a porta e, com cuidado, me levou para dentro. Após fechar a porta com um dos pés, ele entrou numa parte da cabana que parecia um quarto, com uma cama improvisada e travesseiro. Abaixou-se com cuidado e me deitou ali, ajeitando minha cabeça em cima do monte que parecia um travesseiro. Eu acho que dormi.
Quando finalmente abri meus olhos, embaçados, encontrei os dele, olhando meu corpo inteiro. Eu nem tinha como ficar nervosa, não tinha como nem para onde correr. Notei então que ele parecia me examinar. Suas mãos percorriam meu corpo com muita gentileza. Dava pequenos apertões e perguntava onde eu sentia dor. Dobrava minhas pernas e braços repentinamente. Verificou minha temperatura com um termómetro, minha pressão, e balançou a cabeça como se eu estivesse completamente fora do equilíbrio normal de uma pessoa.
-Dói para respirar? – ele perguntou, e eu simplesmente balancei a cabeça. Realmente não doía, mas estava difícil.
Ele me pôs de lado na cama e me sentou, encostada no travesseiro. Parecia saber o que estava fazendo em uma tentativa de melhorar o meu bem estar.
Trouxe mais água, e segurou o copo me ajudando a beber, bem devagar. Eu estava seca e quase sem meus sentidos, ainda. Após alguns minutos, consegui controlar a respiração e ele verificou minha pulsação novamente. Outros copos de água vieram em silêncio, até falar novamente.
-Coma devagar. – ele acendeu a luz e trouxe pão. Eu só sentia gosto de sal, mas comi mesmo assim, em silêncio, com sua ajuda e de olhos fechados. Ele cortava em pequenos pedaços e levava até a minha boca, evitando que eu fizesse qualquer esforço a não ser o da mandíbula.
Pouco a pouco, meu ritmo respiratório e pressão eram controlados com sua ajuda. Fui vencida pelo cansaço e apaguei por completo, sem pensar duas vezes.
Acordei e já era dia. Quase tarde. Ainda não abria os olhos direito, mas o homem que me salvou ofereceu uma maçã, levando pequenos pedaços ao meu rosto. Não consegui comer, é claro. Meu estômago parecia colado.
Finalmente cortei meu silêncio, depois de um dia.
- Não gosto disso. – disse ao sentir o gosto, e abrindo os olhos.
Então vi aquele homem. Pensei que tinha morrido e parado no paraíso. Olhos verdes, cabelo loiro escuro e desarrumado, alto, atlético, pele branca de pêssego e... onde eu estava mesmo? Ele tinha barba e bigode por fazer. Não devia ter mais de vinte e sete anos.
Era vergonhoso estar provavelmente em um estado deplorável na frente de um homem tão bonito. Queria sair correndo dali de vergonha, mas não tinha forças.
-De nada... – ele reparou nos meus modos.
-Desculpe, obrigada. – peguei, após a falta de educação com o estranho que queria me ajudar. Acho que ele reparou também no jeito como comi, parecia uma morta de fome.
-Olha. Sente o gosto? Essa tem gosto de pizza. – ele riu sarcasticamente, talvez tentando me tranquilizar.
Meu Deus! Nem se ele tentasse atuar sairia tão perfeito assim. Parecia um astro saído direto de um filme.
-Ok. – De repente, eu começava a gostar de maçãs. De repente, não. Era o desespero.
Agora, apesar de escuro, eu conseguia ter um pouco mais de noção das marcas dos dias que passei perdida.
- Vou providenciar mais para você comer, certo? – Ele disse, ao perceber que eu o olhava enquanto ele me examinava com os olhos, expressão preocupada.
- Eu estou cansada... – falei bem baixo, despreocupada.
- Você está fraca. Espere. – ele disse, já saindo para outra ala, se é que posso chamar assim, da cabana.
Percebi que só havia uma lâmpada ali quando ele a acendeu perto de uma mesa cheia de livros abertos. Também notei, agora, que havia uma estante verde escura, bem simples, repleta de livros. Achei bizarro ter algo assim naquele lugar tão... nada a ver. Parei de reparar quando ele voltou, com um pão amanteigado e um copo de leite. Sentou na cadeira próxima à cama, trouxe a comida ao meu lado e ficou observando eu comer, por hora, ajudando. Não sei de onde ele surgiu com o lanche... mas eu estava louca de fome e nem perguntei nada. Foi ele quem perguntou, quando eu terminei de comer.
- Qual é o seu nome? – esperou, em vão, antes de disparar lenta e cautelosamente as outras perguntas, na tentativa de obter ao menos uma resposta. - Como você veio parar aqui? Cadê a sua família? Quantos anos você tem? – finalmente, ele desistiu depois de dez minutos perdidos em perguntas.
- E-eu não sei... – respondi receosa e com vergonha, gaguejando. – E-e-eu não lembro... – me arrastava, pesada na cama, para levantar.
- Calma! – ele interrompeu, observando minha aflição e olhos marejados. Acho que se arrependeu de perguntar naquela hora.
- Estou bem, não precisa. – Ele franziu os olhos e riu da estupidez que eu acabava de dizer, enquanto eu tentava ficar firme em meus pés, sem sucesso, sozinha. Voltei para o centro da cama, agora com muita dor nas costas.
- Olha, você pode dizer qualquer coisa, menos que está bem. Com todo o respeito, minha jovem...? – esperava que eu completasse com meu nome, o que não fiz, então prosseguiu - parece um pedaço de lixo que achei jogado no asfalto.
Ele riu, embora eu estivesse um trapo mesmo, e fitou minha roupa suja de sangue na cintura.
- Não lembra nem disso? – apontou para a mancha na minha camisa.
- Não, acho que caí.
- Você acha ou lembra de ter caído?
-Eu já disse, não sei! – fiquei levemente irritada comigo mesma. – Não está doendo.
- Teremos que dar uma olhada nisso direito.
- Teremos...?
- Sim, eu sou médico – ele sorriu de lado, mas ainda sério. – Bem, quase um médico.
- Isso explica os livros? – disse, apontando com a cabeça para a estante.
- Exatamente. Estou estudando para ser um. – disse seco, logo cortando o assunto. –Vamos, levante um pouco.
Tropecei no seu pé e quase caí, antes mesmo de levantar, o que arrancou um sorriso tímido dele. Pôs meu braço ao redor dos seus ombros e me levantou, então seguimos andando devagar, enquanto ele me guiava. Ele me ajudou, e foi andando comigo até um canto da cabana.
- Onde estamos indo?
- Para o chuveiro, ora. – seu tom era carrancudo.
- Mas eu não tenho nada para vestir.
- Você acha que eu não percebi? Pode ficar fria, não vai precisar ficar nua. Vista uma camisa minha e amanhã eu trago roupas para você.
- Eu não pretendo estar aqui amanhã. – falei com minha voz rouca.
- É mesmo, garota? Para onde irá? – ele debochou da minha situação. Não respondi àquela pergunta, pois realmente ele tinha razão. Eu não tinha para onde ir.
Fiquei calada. Ele me levou até a parede, onde eu fiquei segurando até ele se atentar que eu não ficaria nua na frente de um estranho. Olhei para ele, que, como futuro médico, nem ligou para nada disso. Apenas bufou.
- Pode ir, eu acho que consigo ficar de pé agora.
- Espere. – ele andou rápido até o quarto e voltou com a cadeira, uma toalha limpa e um sabão, já suspeitando que eu estava com vergonha. – Se precisar de alguma coisa, me chame ou irá cair. Vou arrumar o quarto para você descansar melhor. –Só não repare na bagunça. – ele riu de lado, com a cabeça ainda para dentro do banheiro improvisado.
- Ok. – Não, não tinha jeito. Eu estava ali com um estranho que dizia ser estudante de Medicina, e pelo menos, até agora, estava melhor do que na rua, sem rumo. O jeito era dançar conforme a música. Faria o mais rápido possível. Desabotoei meu jeans e sentei na cadeira para acabar de tirá-lo. Em seguida, por sorte, percebi que não sabia como abrir aquele chuveiro, ou torneira, vai saber.
-Está tudo bem aí?
- Não sei ligar essa coisa.
- Essa coisa. – ele disse, me imitando entrando no banheiro e mostrando como ligava – se abre assim. Mais alguma coisa?
- Não, obrigada... – disse virada de costas para ele, com vergonha, enquanto ele olhava minha blusa com sangue.
- Olha... você quer saber uma coisa? – ele perguntou.
-O que?
- Relaxe... – ele parecia querer dizer outra coisa, mas voltou atrás. Logo deixou o banheiro.
Não lembro quando senti a água correr pelo meu corpo pela última vez. Novamente, tentei lembrar do que estava acontecendo comigo, como perdi a memória e como estava naquela estrada. Sem sucesso de novo, me lavei toda, dos pés às pontas do cabelo, e parecia estar lavando a alma dos dias de sufoco que passei. Realmente aquele banho me ajudou a relaxar. Agora sim, senti um sono bom... não estava mais tonta como ontem, e sim exausta.
Desliguei o chuveiro, me sequei sentada na cadeira e vesti uma camisa dele. Nem preciso dizer que estava grande como uma camisola. Também vesti uma cueca por baixo que, obviamente, parecia um shorts em mim. Consideraria muita falta de higiene, se não fosse pela situação... bem, pelo menos as roupas estavam limpas e cheirosas, pareciam novas e o oposto do que eu estava vestindo antes. Penteei meus cabelos com os dedos, pois ele, com aquele cabelo arrepiado, certamente não teria uma escova, a não ser de dentes, pois seus dentes, eu já havia reparado, eram lindos. Voltei para o quarto, andando e mancando e caindo para a cama. Ele me segurou novamente, me impedindo de deitar.
Ao segurar a minha mão, ele olhou para o meu rosto, como se estivesse surpreso com alguma coisa. Será que eu também tinha uma ferida no rosto? Ou ele notou algo que não percebeu antes? Ou... será que ele me conhecia? O fato é que ele arregalou os olhos, muito surpreso ao me ver. Analisou cada detalhe meu e senti seus olhos espantados ou assustados percorrendo meu corpo também. Comecei a ficar vermelha, provavelmente, pois meu rosto ferveu e nem estava quente ali. Não o repudiei, pois talvez aquele seria o indício de alguma revelação que eu tanto procurava há dias.
-Que foi? – Perguntei, indignada com tanta análise.
- Deixa eu ver essa ferida antes de você começar a dormir. – ele se consertou, e acordou de seu "estudo".
- Não.
- Não o que?
- Não quero mostrar, está tudo bem.
- Ora, eu sou o médico aqui, não está nada bem! – ele alterou a voz. - Isso não pode inflamar! Sua blusa está suja de sangue, olha. – Ele mostrou minha roupa suja, apontando para a cadeira que eu nem vi sair do banheiro. Lerda.
- Não tem nada aqui. – disse, subindo um pouco a camisa enquanto ele aproximava o rosto para olhar.
– Tem sim! Eu já vi que está machucada. Teimosa.
- Cadê? – olhei, sem entender, já que não senti nada ali e nem me dei ao trabalho de olhar meu próprio corpo nos dias que passaram. Tinha realmente uma ferida aberta, quase preta, horrível. – Eu não sei como isso foi parar aí e nem como não estava sentindo nada. Talvez já estivesse anestesiada de dor e nem percebi.
- Não sabe mesmo como foi? – ele se controlou mais.
- Não lembro de nada. Nada.
- Hum – ele murmurou, esfregando as mãos na cabeça, pensativo.
- É grave?
-Vou colher seu sangue agora.
-Pra que?
- Tem medo?
- Sabe... não gostaria que respondesse uma pergunta com outra.
Ele levantou e pegou uma maleta de primeiros socorros. Limpou meu braço com álcool e eu virei o rosto.
- Você é uma menina teimosa e respondona. Vai precisar de um anti-inflamatório e vou levar eu sangue pra análise. Terei que sair mais tarde.
- Mais tarde? – fiquei com medo de ficar ali sozinha. – Mora próximo daqui? Vai me levar a outro lugar?
- Não – ele franziu os olhos, evitando minha última pergunta. - Preciso te examinar acordada. Diga-me onde dói.
Ele passou com cuidado as mãos pelo meu corpo, dando alguns apertões e nada além da região em torno da ferida perto da cintura, que não doía naquele momento, apesar de estar inchada dos olhos aos pés, com marcas de arranhões das minhas aventuras solitárias na estrada.
- Por que está aqui?
- Por que está aqui? – Ele riu, imitando com ar de deboche e virou os olhos em reprovação.
Mas que raiva! Mal me conheceu e já sabia como me irritar... não falei mais nada de novo, pois lembrei novamente que ele estava me fazendo um favor e não tinha nenhuma obrigação, nenhuma mesmo, de receber uma estranha naquele lugar. Ouvi uma risada medonha dele, já percebendo que me irritou. E gostou.
- Você fez um bico incrível agora... – ele relutou por alguns segundos, parecendo escolher as palavras.
- Mas vou te dizer. Meu nome é Edward. Eu venho aqui para estudar. É uma casa abandonada, por mim mesmo, quando eu era garoto. Eu fiz isso aqui porque não tinha uma casa na árvore – ele riu da própria desgraça de quando era criança. – Trouxe as coisas aos poucos para a mamãe não perceber, e ao crescer, meus amigos foram pra fora, e eu comecei a usar este local como meu refúgio, depois de algum tempo afastado. – de repente, ele parou de falar, como se estivesse realmente escolhendo as informações que iria me apresentar. Percebi seu silêncio e o quebrei.
- Por que não estuda na sua casa, no seu quarto? – perguntei, um pouco curiosa em relação ao que eu ouvi sobre sua vida.
-Vamos ajeitar logo isso. – ele apontou para o tubo de ensaio, e desviou totalmente o foco da conversa.
Eu consenti. Virei o rosto o máximo que pude em uma tentativa de não sentir dor, mas não funcionou.
-Ai! – gritei logo que ele amarrou meu braço com uma borracha para prender minha circulação.
-Nem comecei. – ele virou os olhos, em deboche pela minha reação.
Apoiou minha mão na sua perna, passou os dedos próximo a uma das minhas veias – que eram várias, por sinal - e logo empurrou a agulha no meu braço. Mordi meus lábios tão forte que acho que fiquei mais apreensiva do que realmente precisava. Não doeu tanto.
-Fracote. Peguei de primeira. –ele reclamou, provavelmente reparando na minha expressão totalmente desnecessária, ainda que escondida, pois eu virei o rosto exatamente para ele não ver.
Deitei na cama e ele pegou os curativos para fechar minha ferida. Eu, que já estava deitada de lado, percebi que teria que subir a blusa para ele ver o que fazer. Devo ter corado na hora, e ele provavelmente não viu meu rubor, pois eu me certifiquei de virar o rosto totalmente para a parede da cabana. Assim suportaria melhor a dor, sem vergonha.
Foi o que eu fiz. Edward lavou as mãos e voltou usando luvas, com uma tesoura, gazes, algum tipo de líquido que mais parecia água. Ele gentilmente subiu minha blusa e eu virei, assustada.
-Qual é o problema agora? –ele perguntou.
-Vai me costurar ou algo assim? – perguntei, tentando ao máximo esconder minha expressão assustada.
Ele riu alto, como se eu tivesse lançado alguma piada.
-Épico. Nem percebeu.
-Qual é a graça? – não entendia.
-Está atrasada. Eu já dei pontos em você.
-Como? –praticamente sentei para olhar, e reparei pela primeira vez na linha preta que saía da minha pele.
-Ué, você dormiu... e eu aproveitei a chance. Apenas vou limpar agora.
Eu virei de volta para a parede, atordoada com o meu desligamento. Mal podia acreditar.
-Vai arder um pouco. – avisou antes começar a limpar a ferida.
-Tá.
Logo ele acabou, e percebi que, novamente, eu estava esperando uma dor maior do que a que veio. Ele encerrou a limpeza e selou com gaze.
- Preciso sair para providenciar algumas coisas. Você está bem para ficar sozinha um pouco?
-Você está perguntando isso pra mim... que passei dias sozinha? – ri de lado pela pergunta descabida. - Aonde você vai? – perguntei, curiosa novamente.
-Não vou demorar, descanse um pouco. Não quebre minha cabana. – era evidente que ele não queria revelar seu destino. Relevei, afinal, aquele é o único ser que conheço, até o momento, então deveria ser minimamente cordial em troca de abrigo.
- Não vou sair da sua cama. – típica resposta de alguém tonta como eu. Ora bolas, ele achava que eu ia sair dali como e para que? E que tipo de sentindo isso ganhou? Óbvio que ele riu.
- Boa menina. – ele piscou ironicamente e saiu, fechando a porta não antes de deixar um copo d'água próximo à cama.
Não lembro qual foi a última vez que me senti tão confortável. Olhei para a janela e para o resto do espaço que, sinceramente, eu não tinha percebido ainda. Percebi que Edward era muito cuidadoso. A cabana, embora pequena, tinha as alas divididas por cortinas claras e não tinha sujeira alguma no chão. Tentei esticar o pescoço, sem muito sucesso, e identifiquei uma cozinha improvisada, provavelmente naquele dia, pois o pão estava fresco e o leite também. Estava tudo intacto, com exceção do prato com meu lanche. Pelo menos até onde eu podia enxergar, deitada dali, era um homem diferente. Apaguei como uma vela ao vento.
De repente, comecei a viajar pelo subconsciente. Era como se eu estivesse novamente na estrada. Naquela mesma droga de estrada.
Ouvi as mesmas vozes gritando por mim. Gritando para mim. A cada grito, a angústia aumentava, pois eu não sabia de quem eram aqueles rostos borrados e muito menos conseguia decifrar o nome que gritavam. Tentei ficar deitada naquela estrada por mais tempo do que deveria ficar, com a intenção de entender pelo que me chamavam. Tentativa falha... e percebi que não conseguia levantar. Minhas pernas estavam imóveis, pareciam quebradas e, por mais que eu tentasse, não conseguia fazer nenhum tipo de movimento. Comecei a gritar desesperadamente, e o mesmo faziam por mim. Parece que a intensidade de meus berros ressoava diretamente no que eu ouvia, até que alguém, frio como o gelo, por trás, me agarrou. Não sabia quem era, mas tentei ao máximo me soltar. Comecei a sufocar, não que estivesse sendo atacada, mas simplesmente faltava ar... e quanto mais tentava me mexer, mais ar faltava. Foi então que eu senti que estava caindo... caindo livremente como se pisasse em nuvens, e por reflexo, me mexi. Acordei nesta hora. Graças a Deus... foi só um sonho.
Abri os olhos lentamente e vi Edward já de volta. Ele já havia chegado há algum tempo, parece. Já era noite. Ele estava sentado na cadeira de cedo, com uma toalha de rosto gelada na minha testa e uma enorme e mais gelada ainda por cima do meu corpo.
- Pra que isso? – perguntei, me encolhendo na cama, arrepiada.
- Você está com muita febre. – ele olhava com perícia o que estava fazendo. - Sentiu algo estranho enquanto dormia?
- Não. Mas tive o pior dos pesadelos.
- Imaginei. – ele disse enfático e apontou para o lado com o rosto, querendo me mostrar na mesa uma seringa e um vidro de remédio antitetânico. – Só assim para não sentir essa picada.
- Você podia tirar essas toalhas molhadas de cima de mim? Estou com frio, acho que a febre já passou. – reclamei.
- Não quero te assustar não, mas aqui está muito quente... deve fazer uns 32 graus – ele falou sobre o clima, enquanto secava meu suor, com uma certa expressão de pena pelo que eu estava sentindo. Ou, mais provavelmente, pelo que eu estava passando.
- Abaixo de zero, até acredito. – comentei com um sarcasmo até infantil, que o fez rir.
- Também não sentiu quando peguei aqui... de novo. – ele apontou, novamente com o rosto, para a ferida na minha cintura.
- Como está? – tentei levantar a beirada da gaze alocada em cima para olhar o estrago, mas ele não deixou, tirou minha mão.
- Você deve ter se cortado com algum metal e inflamou. – sugeriu. – não era uma mordida, por sorte.
- Em não lembro de ter nenhum metal por perto quando acordei lá. – pensei.
- O mais bizarro é que você não se deu ao trabalho de ver sua ferida nem com sangue na roupa – ele riu sagazmente da minha lentidão. – Mas agora tudo está sob controle, só preciso abaixar sua febre. – disse com um tom preocupado na voz.
- Ou... ?
- Minha cabana vai incendiar com você. – riu novamente, de lado, tentando não me preocupar.
- Muito engraçado. – fiquei brava com o deboche fora de hora. Ele percebeu e logo tratou de mudar de assunto.
- Sonhou comigo?
-Não, tive um pesadelo.
-Então? Não há nada mais apavorante do que estar ao lado de um desconhecido sagaz como eu, não acha? – ele continuava na ironia. Parece que gostava mesmo de me provocar, sentia isso pelo olhar dele, esperando uma resposta minha ou alguma expressão que ele já havia percebido em meu rosto naquelas ocasiões.
-Como se realmente você não soubesse que não é nem um pouco terrível. – fiz expressão de desdém, e acho que ele adorou... sorriu com os olhos, olhando em direção aos meus.
- Ah, adoro isso.
-Isso o que? – perguntei, sem entender.
-Sua cara de brava. Acho hilária. Toda quebrada e raivosa. – ele riu, e eu fiquei super sem graça, é claro. Fingi que não estava ali e fechei os olhos, para não encará-lo enquanto cuidava da minha febre. Ele continuou trocando as toalhas, geladas, mas agora nem tanto, com o passar da hora.
- Está sentindo alguma coisa?
- Não.
- Sono?
- Um pouco.
- Vamos ver agora. – ele disse, ao observar que minha temperatura abaixava à medida que conversávamos. Colocou um termômetro em mim, e viu que estava cedendo.
- Piorou?
-Não! Melhorou.. está com trinta e oito de febre agora. Meus parabéns.
- Nossa, que legal. Trinta e oito, estou ótima. Mereço um prêmio.
-Bom, quando eu cheguei aqui você estava com quarenta e um. – disse levantando e indo até a cozinha. – quanto ao prêmio...
Edward não me contou, mas quando ele chegou, eu estava tendo alucinações de febre. Ele já devia imaginar que isso iria acontecer, por isso saiu para buscar medicamentos logo. Me encontrou pálida, correu para preparar a injeção antes que eu entrasse em um quadro muito pior. Fez tudo com muita atenção e preocupado, ainda não sei se por ter me achado naquelas condições na estrada ou por sentir algum tipo de culpa, sabe-se lá o motivo. Ele conseguiu a proeza de aplicar uma medicação em mim, então tentou arrumar a minha ferida, para não deixar os pontos expostos, já que eu arranquei o curativo que ele havia feito ao me retorcer na cama pela febre. Me colocou de lado, limpou com todo o cuidado de novo e aplicou alguma pomada que só ele ou algum médico formado deveria saber a utilidade, e depois fechou com duas gazes e esparadrapo. Ao final, certificou-se de que tudo estava bem preso e de que eu não tinha acordado com dor.
Colocou a sua mão direita enorme na minha testa pequena e viu que eu ardia em febre, foi então que levantou até a cozinha e molhou as toalhas limpas que trouxera de algum lugar com gelo e água gelada de um mini bar que eu ainda não havia descoberto. Voltou e sentou na cadeira que já havia criado pernas junto da cama, e começou a espalhar a toalha pelo meu rosto, braços e testa, tentando afastar a febre de mim. Somente depois de quase uma hora sob seus cuidados eu acordei.
- Você está molhada, melhor se trocar. – ele disse, trazendo uma camisa velha e enorme dos Rolling Stones, a qual olhei por alguns instantes e de cara reconheci a banda. Meu rosto se iluminou com a migalha de lembrança que eu tive.
- Rolling Stones! Disse radiante, pela primeira vez.
- Aham, traz alguma lembrança para você?
-Wild Horses... – comecei a cantarolar bem baixo, muito satisfeita por saber uma música.
-Isso é ótimo! – disse, jogando a camisa em mim e sorrindo pelo progresso. – mas, minha cara... deles você não poderia esquecer nem que apagassem seus miolos. Melhor banda, depois dessa aí na sua barriga.
- O que? – disse, reparando agora que vestia uma camisa bem parecida, mas do Ramones. – Dessa banda eu não lembro – fingi com cara de boba, só para não dar o braço a torcer.
- Acho que agora está mentindo. – ele sentava na cadeira, rindo da minha atuação fraca de desinformada. Começou a cantar um Rock pesado após ver com sua mão em minha testa que eu já não estava quente, sorrindo em sinal de aprovação pela minha melhora repentina.
- Que seja. – Falei sem assunto enquanto ele cantava para mim e colocava o termômetro novamente, checando agora trinta e sete graus e três.
- O Rock te curou. – ele disse fazendo um sinal de cumprimento gangster, rindo muito da situação e do próprio humor, esperando por um momento, sem querer, que eu me trocasse na frente dele. O que tinha de belo ele tinha de tolo, se cogitou que aquilo aconteceria.
- Ar-ham. – limpei a garganta. Ele se tocou que deveria me deixar sozinha. Foi até sua estante pegar um livro e voltou quando julgou que eu já havia me vestido, já que não avisei nada. Ele voltou enquanto eu deslizava a camisa pela barriga.
Deitei logo em seguida, e ele voltava batendo palmas no ar como se estivesse entrando num show dos Stones, com o livro na cabeça. Achei totalmente desnecessário... mas fofo. De certa maneira, ele estava fazendo isso para eu relaxar com os próximos momentos de tensão até eu lembrar de algo. E também parecia estar satisfeito por eu estar viva.
- Então o pesadelo não foi com alguém conhecido? –sentava ao meu lado, pela enésima vez hoje.
-Não. Não que eu lembre.
- Vai dar tudo certo. – foi a frase mais confortante que ele disse desde a primeira pela manhã. – Está com frio ainda?
-Não, mas quero me cobrir.
- Tem medo de mim?
-Que?!
-Deixa pra lá. – ele riu de lado, fitando o livro na mesa, enquanto eu deitava novamente para dormir mais.
-Vai ficar aqui? – perguntei, apesar de toda a brincadeira nonsense, na esperança de ouvir um "sim".
-Sim.
-O que dirá na sua casa?
-Não preciso dizer absolutamente nada. Mas avisei a quem interessasse que eu estou na casa de um amigo, o Nestor. Amigo imaginário, é claro. – o humor não cessava.
- Bom. Boa noite. – falei, enquanto ele desejava o mesmo.
-Vou estudar na cozinha, ok?
-Ok.
-Descanse na paz dos deuses do Rock.
-Tentarei. - Meu rosto se iluminou. Quando ele brincava, me sentia mais confortável por estar ali. Pensei que deveria agradecê-lo mas, por enquanto, não o fiz. Ainda não estava indo embora e esta seria apenas mais uma noite ali. Enquanto refletia, o olhei e acho que ele entendeu o olhar de agradecimento. Ou não...
-Que foi? Sou bonito? – ele perguntou, indiferente, mas notando meu sorriso de alívio por saber que não estava nessa sozinha. Já prevendo minha reação, riu e saiu para a cozinha, antes de eu bufar e virar para dormir.
[Eu não criei os personagens. Todos os originais e direitos reservados pertencem à Saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer.]
