Saint Seiya pertence a Masami Kurumada e muito da mitologia nórdica aqui usada(e que será adaptada) vem graças a Edda de Snorri Sturluson.
AVISO: A fic é classificada como hentai, contém linguagem imprópria, sexo, nudez e violência.
- O nome da fic, UMSKIPTAR significa, em islandês, TRANSIÇÃO, que é na verdade a palavra chave dessa primeira parte da fic. Entre todas as partes que pretendo fazer do enredo(porque sim, a fic vai ser dividida), essa é a que mais trabalharei a questão individual dos Cavaleiros de Ouro.
Nesta primeira fase os personagens principais são Milo, Bado, Shido, Shina, Aiolia, Marin, Shura, Aldebaran,Máscara da Morte, Saga, Kanon e posteriormente o Camus. Outros cavaleiros também podem surgir por aí como principais(vai da inspiração da autora).
Sejam bem-vindos(as) e se quiser incentivar mais a autora, deixe um review com sua opinião(críticas construtivas são super aceitas).
"Terra do inverno implacável
Fria, vestida de branco, sobre um céu escuro e cinzento.
Silencioso o vento murmura
O pálido sol dourado contempla-nos do alto."
(Bathory- Nordland)
Tanto tempo havia se passado... ou quem sabe até mesmo tivesse sido muito pouco, parecendo uma infinidade devido todo sofrimento no qual a alma dele esteve selada sem poder descansar um segundo sequer.
Tudo que ele podia notar agora era que novamente tinha um corpo próprio e, no entanto, mesmo com a capacidade de sentir perfeitamente em ação, o cavaleiro não conseguia se mover de onde estava, abrir os olhos para enxergar o que acontecia ou dizer qualquer palavra para questionar aquilo. Era como se estivesse em parte consciente porém completamente paralisado e nada pudesse fazer para reverter tal quadro desesperador. Parecia realmente que estava limitado a sentir tudo ao redor preso àquela nova condição tão assustadora.
O sentimento que o acometia ao pensar na situação atual era horrível...
Desde quando e por que se encontrava em um corpo físico novamente se o castigo era ter a alma selada por toda eternidade? Aquilo era um punição muito mais rigorosa ou uma nova vida para um antigo cavaleiro ousado de Athena? Ele não conseguia se recordar de absolutamente nada para chegar a uma conclusão exata sobre esta mudança repentina no próprio destino. Tudo que existia entre a "prisão" e a volta ao mundo era apenas um imenso espaço vazio, fazendo com que as duvidas crescessem a cada segundo que se passava. Cresciam em uma velocidade explosiva e atormentadora, o irritando de tal maneira que se pudesse agiria com toda sua fúria recém-desperta para esclarecer as próprias perguntas. O silêncio, no entanto, se fez presente por muito tempo como resposta a cada um dos questionamentos dele, aumentando toda a angústia daquele cavaleiro que se encontrava mergulhado em um mar de dúvidas.
´´Milo...``
Foi no meio da incerteza e da limitação que uma voz masculina, intrigante como uma canção, penetrou na mente do escorpiano, ecoando como se o dono estivesse distante porém de alguma forma próximo demais de Milo. Neste mesmo momento o escorpiano ouviu o som calmo de uma harpa quebrar todo o silêncio presente, em notas perfeitamente ritmadas, enquanto uma cosmo energia surgiu absoluta, envolvendo plenamente o cavaleiro e passando algo de bom a ele, como se quisesse tranquiliza-lo a respeito daquilo tudo que estava acontecendo.
A energia que Milo sentiu toca-lo pelo corpo naquele instante era quente e forte, o tomando rapidamente como se fosse o conforto da paz a qual ele foi negado devido um castigo severo dos deuses gregos. Quem é que estivesse ali com o escorpiano possuía uma força impressionante, ele tinha que assumir, algo que percebia não vir de Athena ou de qualquer deus já conhecido, embora a procedência da música e do cosmo fossem provavelmente divinos pela grande força que apresentavam. Em alguns momentos o dedilhar na harpa vindo do desconhecido transportava a alma inquieta do escorpiano a um estado transitório de pleno êxtase, coisa que só alguém com extrema habilidade seria capaz de fazer com tanta maestria.
Quem seria aquele ser de obra tão calma e bonita a tocar a própria alma de Milo tão sutilmente? E o que ele realmente desejava com aquela ação aparentemente tão inocente?Tudo naquela essência que acompanhava o cavaleiro era um mistério no qual o escorpiano se via mergulhando profundamente e se impacientando para desvendar, pois percebia que era cada vez menos capaz de tal feito, já que estava limitado pela própria condição na qual se encontrava. Não podia falar, enxergar e nem nada além de sentir! O corpo dele continuava a não responder aos próprios desejos e isso o preocupava bastante pois Milo se via completamente frágil diante daquela situação tão estranha.
A paciência não era bem a maior das virtudes do Cavaleiro de Escorpião...
Assim, diante daquela situação de impotência total, desconfianças sobre a verdadeira intenção por trás daquele cosmo que o tocava na mesma intensidade da melodia da harpa cresceram no escorpiano, afinal ter a sensação de paz depois de um mandato claro dos deuses sobre o sofrimento eterno parecia algo bastante improvável ou enganoso. Milo era um homem muito desconfiado, era verdade, o que acontecia principalmente quando a intuição pedia que fosse cauteloso, como acontecia naquele instante. Ele sabia que a desconfiança era a forma que havia encontrado de se manter alerta, coisa que um cavaleiro não poderia nunca deixar de estar, por mais que Saga já tivesse esfregado na cara de todos no Santuário que tinham falhas tremendas nesse quesito.
Errar era humano, não? Todos estavam sujeitos a costumeiros erros era verdade... mas Milo se via como muito mais do que um simples humano para aceitar isso. Era um cavaleiro que servia a uma deusa e, portanto, não podia se permitir errar uma segunda vez com a mesma facilidade de antes! Ser exímio em cada ação representava muito mais em sua função agora, principalmente naquele momento bizarro onde ele sentia estranhamente que devia fazer algo em nome de Athena, àquela a quem jurou eterna fidelidade.
Já havia perdido alguns valores em sua caminhada como cavaleiro e tinha plena consciência disso. Perdera a vida e o descanso eterno para proteger toda a humanidade, em um sacrifício que não se arrependeria nunca; perdera a honra e orgulho ao usar uma técnica proibida, mesmo com uma razão compreensível para isso; perdera até mesmo o respeito com ele próprio quando se viu envolvido na morte de vários inocentes na Ilha de Andrômeda. No entanto, a única coisa que Milo jamais perderia, não importava o motivo, era o fato de ser um homem que lutaria eternamente pela deusa da justiça. Os erros e também acertos do passado jamais apagariam isso.
Assim, com uma força revigorada, fruto da ansiedade e perseverança de sua personalidade, Milo resolveu que deveria agir contra aquilo que acontecia. Ficar ali completamente imóvel, apenas sentindo tudo sem fazer nada para mudar a situação limitante não condizia com sua verdadeira natureza impulsiva. Ele precisava entender o que acontecia ao invés de se entregar ao desconhecido músico e sua melodia perfeita, agindo assim como se nada pudesse fazer a não ser questionar discretamente aqueles dois elementos que o atingiam.
Milo era um eterno cavaleiro de Athena, jamais cairia no vazio do silêncio.
Foi assim, com aquela onda intensa de emoções e duvidas que carregava, que o escorpiano conseguiu despertar a força do cosmo que dormia silenciosamente, mas que jamais o abandonaria. Ele poderia estar completamente imobilizado naquele instante, sendo até mesmo incapaz de mover um dedo se quer, mas jamais existiriam limites que o impedissem de ir além de qualquer condição imposta. Esta era uma regra valiosa. A força em Athena superava qualquer obstáculo, fosse físico, espiritual ou até mesmo emocional.
Primeiro o cosmo de Milo surgiu como um simples sopro vívido, tão pequeno em fúria que o Cavaleiro de Escorpião por instante temeu ter perdido o próprio dom por alguma maldição divina. Porém essa sensação foi apenas um mero engano repentinamente causado devido à melodia da música vinda do desconhecido, que crescera em força em resposta ao despertar da energia do cavaleiro, ofuscando assim o próprio poder do escorpiano em uma atmosfera de sons belos que pareciam tocar a alma com mais vigor agora. Milo não era capaz de perceber, era ainda humano demais para isso, mas cada toque na harpa impunha no coração dele notas que despertavam uma vontade oculta. E assim, uma vontade extrema de vencer o poder imenso vindo da música e do cosmo desconhecido cresceu naquele instante.
Com extremo esforço, logo a força do cosmo dourado de Milo cresceu desenfreadamente poderosa, como nos velhos tempos, enquanto a melodia e o cosmo do harpista acompanhavam aquela evolução de maneira íntima, em um duelo intenso de alma e música, energia contra energia. Para o Cavaleiro de Escorpião parecia cada vez mais visível que em breve seria derrotado pela força tremenda que vinha do desconhecido, que não parecia em momento algum fraquejar ou estar prestes a atingir um limite perigoso.
O desconhecido possuía uma força sobre-humana, intensa, tão forte que facilmente parecia ocultar a própria força do cavaleiro naquela atmosfera bela de notas carregadas de calor pacífico. No entanto, de maneira bastante imprevisível, quando Milo atingiu o ponto máximo do próprio cosmo, aquele considerado bastante perigoso, a energia e música vindas do harpista foram diminuindo gradualmente em resposta aquele pico de força do guerreiro de Athena. Não era como se o estranho fugisse temeroso diante daquela situação, muito pelo contrário, mas sim como se abandonasse o escorpiano ao vê-lo despertar com todo vigor de outrora.
Seria, portanto, esta a verdadeira intenção do harpista por trás de tudo aquilo que acontecia? Ajudar à desperta-lo? Ajudar Milo a despertar como um verdadeiro cavaleiro deveria, quebrando todas as barreiras do próprio cosmo adormecido? Seria o harpista, portanto, um enviado da deusa Athena? Ele não saberia dizer por mais que sentisse apenas naquele instante que aquele questionamento poderia ser o mais próximo à realidade de toda situação pois, imediato ao renascer do cosmo máximo, um leve formigamento se espalhara rapidamente por todo corpo de Milo, acendendo em seu íntimo uma estranha sensação renovada: a da esperança em uma nova oportunidade. Esta logo se mostrou com completo fundamento quando ele, em um ato automático, percebeu que era agora capaz de mover voluntariamente os dedos da mão direita com a força da própria vontade. Nunca um ato como aquele tão simples ganhara tanta importância quanto naquele instante...
Este era todo o combustível que o cavaleiro realmente precisava depois de um longo mergulho pelas privações do mundo obscuro.
Enquanto era tomado pelas novas sensações a invadi-lo, Milo percebia que a melodia da harpa mudava devagar, tornando-se agora um toque longínquo de dedos firmes nas notas, estas que demoravam alguns segundos a mais para surgirem carregadas daquela beleza suave do instrumento musical. O cosmo do harpista, ainda a tocar a alma do escorpiano, se tornara logo apenas um sopro sutil de energia, como uma brisa a beijar as flores, uma força muitíssimo pequena e simples só sentida porque qualquer cavaleiro tinha a sensibilidade de conhecer um poder energético sobre o corpo facilmente.
Foi então de repente que o desconhecido cessou os belos toques na harpa, de maneira perfeitamente calculada, deixando ainda toda uma musicalidade espalhada pelo ar. Com isso ele começou a cantarolar uma canção sem acompanhamento, que parecia transmitir uma mensagem oculta em cada palavra cantada. Estas vinham em um idioma estranho para Milo, mas ele percebia, pela própria entonação ouvida, que havia ali uma harmonia grandiosa, como se o desconhecido tentasse contar ao escorpiano algo que talvez este fosse deveras pequeno para compreender explicitamente. E ainda era como perceberia na nova vida...
´´Seja bem vindo novamente, guerreiro de Athena. Que sua força e coragem se mostrem mais uma vez um instrumento de justiça em épocas de caos. ``
E foi assim, percebendo que o desconhecido sumia rapidamente e sentindo que o próprio cosmo relaxara, que Milo de Escorpião acordou para o mundo real, ouvindo o som distante do bater de asas de alguma ave e a intensidade do primeiro suspiro de uma segunda vida.
...
Assim que abriu os olhos teve que imediatamente os fechar, já que as vistas doeram muito diante da claridade natural com a qual não tinha mais proximidade alguma. Havia sido tanto tempo em um local escuro que tudo que precisava fazer era ir agora com cautela, se adaptando ao meio que se encontrava.
Estava vivo mais uma vez, mas parecia um completo estranho naquele mundo tão cheio de luz ao qual já havia pertencido antigamente.
Logo que conseguiu executar com êxito a simples missão de abrir os olhos, Milo levantou o corpo de onde estava deitado e se viu lançado a uma expansão aparentemente infinita de coníferas[1] cobertas pela neve. Não havia rastros da presença alguma como ele imaginava que veria devido ao que havia acontecido instantes atrás. Tudo ao redor do cavaleiro era apenas o cenário de uma floresta isolada branca e gélida, completamente horrível no ponto de vista dele, que adorava o calor e a beleza pacata das cidades gregas.
Tudo era estranhamente ruim.
O corpo tremia naquele local inóspito no qual ele se encontrava agora, de maneira bastante violenta e incontrolável. Nunca Milo havia sentido tanto frio assim na vida e olha que na Grécia a neve já havia se feito presente algumas vezes, para a própria infelicidade dele...
– Alguém deve ter cometido algum erro muito grande...- resmungou enfim, enquanto os dentes batiam sem parar uns nos outros- Eu não tenho resistência a essa porra de frio!Ele abraçou o próprio corpo numa vã tentativa de se aquecer, enquanto se questionava mentalmente se poderia ter trocado de corpo com Camus de Aquário ou qualquer outra pessoa que fosse capaz de aguentar aquela condição climática tão severa. Essa possibilidade o deixou bastante desesperado e também enojado, o que fez com que começasse a olhar minuciosamente para o próprio corpo buscando qualquer coisa que não pudesse pertencer ao verdadeiro Milo de Escorpião que sempre encarou no espelho.
Primeiro ele olhou para as mãos, vendo a beleza única de sua Agulha Escarlate, que naquele momento parecia crescer muito mais bonita e vermelha, fosse talvez a impressão causada por ele ter ficado tanto tempo sem vê-la. O orgulho era tanto naquele momento que Milo não poupou a neve de uma agulhada, sorrindo logo em seguida ao ver o resultado feito sobre a superfície branca. Era muito bom continuar sendo capaz de tal coisa.
Passado aquele momento de pura distração, a revisão do próprio corpo continuou sendo feita, terminando quando o olhar de Milo esteve por fim sob a coxa esquerda, onde havia uma pequena pinta, uma característica só dele e que ele na verdade detestava. A notando com cuidado ele logo suspirou aliviado, vendo que ainda tinha o mesmo corpo de antes e nada havia mudado, já que não suportaria a ideia de viver sendo outra pessoa que não ele mesmo. Porém foi apenas neste momento, olhando justamente para esta bendita pinta marrom, que Milo se deu conta que estava completamente nu do meio do nada! Sua visão, naquele instante, foi automaticamente redirecionada para o membro encolhido pelo frio, o que fez com que se levantasse rapidamente de onde estava sentado, completamente horrorizado com o que aquilo implicava.
– Não, não, não... só pode ser brincadeira! Isso não pode estar acontecendo comigo. De verdade, não pode! Espero que isso signifique que estou realmente morto agora, porque se eu estiver vivo e alguém me ver neste estado- disse olhando para o meio das pernas bastante preocupado em alguém o ver daquele jeito- eu vou preferir me matar logo em seguida!
E como se algum deus brincalhão tivesse escutado aquele comentário, logo Milo ouviu ao longe o som de alguém gritando seu nome. Uma voz que ele reconheceria a quilômetros, tamanha a raiva[2] que sempre despertava nele: Aiolia de Leão.
– Puta que pariu! Era só o que me faltava!
O Cavaleiro de Escorpião pensou logo em se esconder atrás de alguma daquelas árvores imensas cobertas pelo gelo, para evitar que o antigo amigo o encontrasse naquele estado deplorável e zombasse dele para sempre. No entanto, ao sair do ponto onde esteve fixo o tempo todo, Milo sentiu os pés "queimarem" dolorosamente pelo contato direto com o frio intenso, o que fez com que soltasse uma série de palavrões nos mais variados idiomas e retornasse sem pensar ao ponto onde havia despertado anteriormente.O escorpião ficou ali resmungando irritado por algum tempo até se dar conta que havia alguma coisa estranhamente errada... algo que ele, por pura distração, havia deixado passar facilmente.
Ao olhar para os próprios pés, Milo percebeu que ainda estava sobre a neve. Notava que em momento algum havia deixado de estar sobre a superfície coberta de branco, até mesmo quando ficara deitado imóvel ali, naquele mesmo local em que se encontrava naquele instante. No entanto, ao contrário do que aconteceu segundos atrás quando tentara caminhar, o escorpião não sentia mais dor alguma pelo contato com o frio. Mesmo com os pés estando fixos sobre um ponto na neve ele não sentia efeito adverso algum no corpo. Parecia que Milo pisava em uma superfície qualquer, não naquela expansão branca e gélida.
– O que está acontecendo?- se perguntou confuso, tentando abaixar-se para tocar a neve mas notando logo em seguida que dedos já estavam completamente amortecidos. Mal podia senti-los normalmente e isso o deixava bastante agoniado, pois tinha a leve sensação que estava prestes a entrar novamente no limite entre a vida e a morte. Tremendo pelo frio rigoroso daquele local, o Cavaleiro de Escorpião agachou-se onde estava buscando diminuir a área corporal exposta à temperatura baixa e ali ficou, completamente imóvel, acendendo agora a força vigorosa do próprio cosmo, que poderia talvez diminuir alguns possíveis efeitos negativos sobre ele.
Tudo que ele queria era o bendito calor.
A própria cosmo energia se elevando foi estímulo suficiente para que em breve Milo sentisse a presença de Aiolia se aproximando como um raio veloz de luz. Não era exatamente o que o escorpiano queria, mas naquele instante ele sabia que precisava da ajuda do antigo colega do Santuário se quisesse sair dali vivo.
– Milo!- gritou o leonino ao ver o colega, correndo na direção do Cavaleiro de Escorpião e atirando sobre ele uma manta de pele sintética de urso, na qual o escorpião se enrolou rapidamente na busca imediata pelo conforto térmico. Por instante Milo ficou em total silêncio, fechando os olhos lentamente e apenas se deixando levar pela gostosa sensação causada pelo calor protetor que o atingiu com bastante rapidez. Ignorava solenemente a presença de Aiolia, que perguntava coisas que o escorpiano quase nem fazia questão de responder naquele instante, tamanho o torpor da nova vida acalentadora.
– O artrópode está surdo ou algum deus fez o grande favor de te impedir de falar?- gritou por fim o leonino depois de ver que suas perguntas não eram respondidas, fazendo com que Milo abrisse os olhos e o encarasse com sua já típica impaciência.
– Não! Eles me fizeram o brilhante favor de me castigar com a sua presença já nos meus primeiros minutos de volta a vida.
– Você é a figura mais mal agradecida que conheço!- respondeu o Cavaleiro de Leão atirando sobre o colega um par de botas revestidas internamente com lã de carneiro- Tome! É a última moda na Islândia.
Milo logo levantou um olhar carregado de dúvidas na direção do amigo ao ouvir a menção ao país europeu, como se tentasse processar direito o nome ouvido.
– Eu ouvi bem? Islândia?
– Sim. Estamos no país de gelo e fogo[3], mais precisamente no reino secreto de Asgard[4].
– Asgard? Por que diabos estaríamos na terrinha fria de Odin? E como? Como viemos parar aqui?-perguntou o escorpiano ainda bastante confuso com tudo, olhando em volta como se quisesse se certificar que aquilo não passava de uma brincadeira de mau gosto.
Aiolia deu um longo suspiro, cruzando os braços em um gesto de pura insatisfação que não passou despercebido diante dos olhos atentos do escorpiano. Naquele instante Milo se deu conta que havia algo bastante estranho por trás de tudo que acontecia.
– Hilda nos ofereceu ajuda enquanto o Santuário é reconstruído.- respondeu o leonino, sem, no entanto, responder a última frase.
– Reconstruído?- repetiu o escorpiano, sentindo o impacto da palavra.
– Sim. Resta agora pouco daquilo que conhecíamos como cavaleiros, Milo. O Santuário foi quase que completamente destruído nas últimas batalhas nas quais Athena esteve envolvida nos últimos anos. Marin me disse que tudo que restou do nosso recanto sagrado após as lutas foi um vasto de solidão, sujeira e tristeza.
O defensor da antiga Oitava Casa Zodiacal ficou por instante pensando naquela informação repentina sobre seu antigo lar como cavaleiro ter sido destruído. Um misto de tristeza e receio do que aquilo significava logo o atingiu, deixando Milo em um estado repleto de confusão e rancor. A última coisa que desejava era estar longe daquilo pelo qual morreria protegendo, pelo qual dedicou toda sua vida com tanto amor. Naquele momento, onde tinha a certeza que estava vivo novamente, tudo que ele queria era estar de volta ao país natal e participar da reconstrução de tudo aquilo que um dia havia conhecido, amado e conservado. Nada além disso importava.
– Pois bem, quero ir lá para a Grécia ajudar! Nesse frio do cão de Asgard a única coisa que posso fazer é ficar na frente de uma lareira com os braços cruzados e isso não ajudará em nada tenho certeza.- disse o escorpiano colocando as botas recebidas rapidamente e já se levantando de onde estava, enquanto Aiolia fez questão de interceptar o caminho do colega sem dó algum.
– E você vai para o Santuário como? Assim?- disse o leonino, apontando para o amigo e o fazendo se lembrar que estava coberto apenas por uma pele de urso, o que não ajudaria muito se ele corresse na velocidade da luz- Todos nós queríamos ir não só você! Mas Athena disse que nos quer por aqui neste momento.
O Cavaleiro de Escorpião encarou o colega não acreditando no que Aiolia dizia, afinal, o conhecendo como Milo conhecia toda aquela aceitação parecia a coisa mais absurda possível vinda por parte do Cavaleiro de Leão, que sempre fora um pouco extremista em suas decisões, ainda mais quando estas envolviam assuntos do Santuário. No entanto, ao pensar na situação vivida ainda há pouco, um mar de dúvidas se formou na mente do escorpiano o fazendo se questionar mentalmente o que estava realmente acontecendo.
– Por que diabos Athena ia querer seus cavaleiros nessa merda de reino com uma sacerdotisa que nem tirar um anelzinho do dedo foi capaz no passado? – disfarçou Milo, buscando, porém, naquele tom de brincadeira um fundo de verdade. Asgard, uma nova vida... algumas peças ainda pareciam não se encaixar muito bem.
– Porque ela desconfia que nossa volta está intimamente ligada aos deuses nórdicos[5].- disparou o leonino, vendo o semblante do amigo mudar para algo sério, afinal, era a última coisa que havia imaginado ouvir.
– Não foi Athena quem deu um jeito de nos fez voltar?
– Não. Nem Zeus ou o lendário Asclépio[6] tiveram relação.
Aquela notícia o pegou de surpresa. Milo ficou tentando digerir aquilo, mas parecia impossível. Nos últimos instantes antes do despertar, ele tivera a quase certeza que o harpista havia sido enviado por algum pedido de Athena para ajuda-lo. Não havia fundamento, na mente do escorpiano, para que qualquer outro deus que não algum intimamente ligado à deusa da guerra e sabedoria fizesse isso.
– Isso não é possível.
– Pois acredite, é. Zeus não aceitou o pedido de Athena para nos ressuscitar e proibiu que Asclépio o fizesse, assim como deu esta mesma punição para Hades, Poseidon e Ártemis. Ele deixou claro que cada deus é responsável pelo destino de seus próprios homens.- disse Aiolia seriamente.- Athena já se certificou que o que aconteceu conosco não irá causar uma guerra interna entre os deus, porém ela está bastante preocupada por outros motivos muito mais sérios Milo e, ao que parece, o próprio Olimpo estremeceu com as possibilidades. Se as suspeitas levantadas forem verdadeiras temos muitos motivos para de fato nos preocupar, já que por muitos anos os deuses venerados em Asgard e ao redor do mundo estiveram em completo silêncio. Você sabe... – pigarreou o leonino- todos nós cavaleiros estudamos o que isso pode significar...
O escorpiano sentiu aquela informação com uma pontada de angústia. Quando era ainda um aprendiz, Milo havia ouvido do próprio mestre que o treinara que Odin era um deus de sabedoria muito extensa. Todo seu conhecimento era proveniente de sua natureza inquieta sempre a busca de mais, o que incluía inúmeros auto sacrifícios e buscas que nenhum ser de natureza divina parecia ter a mesma força de vontade. Entre as histórias que havia escutado, a que mais havia chamado a atenção de Milo era a que Odin, nas eras mitológicas, havia tomado conhecimento através de uma poderosa vidente sobre aspectos do futuro[7], o que incluía, inclusive, o próprio fim do mundo, chamado pelos povos nórdicos de Ragnarök. Ninguém, nem mesmo os deuses do Olimpo, tinham conhecimento dos agouros que Odin conhecia sobre as tormentas previstas, o que tornaria toda essa situação extremamente delicada.
Seria todo o conhecimento do deus supremo de Asgard o verdadeiro motivo por trás daquele estranho novo destino que os cavaleiros punidos recebiam agora? Parecia uma pergunta bastante estúpida diante da possibilidade mínima de um fim já conhecido, porém, no coração de Milo algo lhe dizia que Athena não estava errada em duvidar.
Antes que pudesse perguntar qualquer coisa ao leonino sobre o assunto ou até mesmo falar sobre a experiência tida com a música quase hipnotizante vinda do harpista desconhecido, que o escorpiano tinha certeza de não ser o deus supremo de Asgard, um grupo de guardiões asgardianos surgiu por entre as árvores cobertas de neve, montados em cavalos de baixa estatura, robustos e de pelos espessos, características que indicavam que estes eram de uma raça pura islandesa[8].
– Desculpe Ivar, mas se eu acompanhasse a lerdeza de vocês e destes "pôneis peludos" eu ia acabar deixando o meu amigo morrer congelado. Resolvi adiantar meu passo.- disse Aiolia para um ruivo carrancudo que resmungou algo inaudível em resposta ao comentário do cavaleiro, fazendo logo em seguida um gesto para que os colegas puxassem dois cavalos que não estavam montados para a linha da frente.
– Esses "pôneis peludos" são cortesia da senhorita Hilda e foram escolhidos a dedo, por serem os melhores de toda Asgard.- respondeu um rapaz jovem e loiro, com uma longuíssima barba que caia amarrada até o pescoço- É uma desfeita não monta-los.
Aiolia deu um sorriso orgulhoso e rapidamente se aproximou de um pequeno cavalo de pelagem tordilha clara, uma mescla de pelos acinzentados, pretos e brancos, com maior predominância do último. Dando um tapa cuidadoso na garupa do animal o leonino o montou sem dificuldade alguma, sob os olhares de Milo que não parecia gostar nada daquela ideia. Isso, claro, porque por mais coberto que o escorpiano estivesse com a imensa manta de pelo sintético, nada mudava o fato que ele ainda estava sem calças por baixo.
– Está com medo?- perguntou o Cavaleiro de Leão estufando o peito em cima do belo cavalo tordilho e fazendo Milo bufar com aquela provocação.
– Tenho amor às minhas bolas.
– Há uma calça presa no Vilhjalmur[9]– disse Ivar apontando na direção de um cavalo preto e logo em seguida sorrindo com escárnio para Aiolia que pareceu afetado com aquilo- Não é permitido que ninguém entre nu no palácio Valhalla.
– Seria estranho se entrassem, não é mesmo?- retrucou o escorpiano impaciente, já caminhando na direção ao animal destinado a ele e encontrando rapidamente uma calça horrorosa de cor marrom, presa ao bonito cavalo preto de pequena estatura.
– Um dos seus não pensa assim.- respondeu zombeteiramente um dos guardas, causando risadas contínuas dos demais asgardianos, deixando no ar uma vaga ideia de que alguma situação muito constrangedora havia se passado por aqueles dias. Milo logo ficou bastante curioso, ainda mais por julgar as expressões furiosas vindas do antigo colega de Santuário.
– Olhe como fala do meu irmão seu filho da puta!- disse um Aiolia irritado,se mexendo sem parar em cima do pobre cavalo no qual estava montado- Aiolos estava com Athena! Com Athena, vocês ouviram bem? Ela o salvou de uma nova morte!
– Pode até ser... mas nada muda o fato que ele entrou nu no castelo Valhalla.- respondeu Ivar, fazendo todos os demais rirem mais ainda ao se lembrarem da cena que havia se passado com Aiolos de Sagitário dias atrás.
– Culpe seu deus Odin por isso!
– Que história toda é esta, Aiolia? –interrompeu Milo, não gostando de ouvir o nome Athena no meio daquela situação envolvendo o sagitariano.- Athena viu seu irmão pelado?
– Não é nada do que você está pensando nesta mente completamente maliciosa sua. Suba nesta porcaria de cavalo e vamos logo!- irritou-se o leonino.
Aiolia então arrancou velozmente com o cavalo tordilho, completamente irritado com os comentários maldosos sobre a situação vivida pelo irmão, que tinha sido o primeiro a despertar em Asgard e tivera ainda o grande azar de que Athena foi quem havia o encontrado nu e perdido na neve. Sem saber disso Milo, no entanto, ficou ali parado no mesmo ponto, vendo a figura do amigo leonino se afastar como num raio veloz carregado ódio, rancor e fúria, o que mostrava a cicatriz que o colega de Santuário ainda carregava do próprio passado.
Foi pensando neste detalhe que o escorpiano se deu conta que não importava quantas vidas os cavaleiros tivessem, muitas coisas dificilmente seriam apagadas.
Quantos cavaleiros além dele e de Aiolia estariam vivos novamente para conhecer essa mesma verdade era o que Milo gostaria de saber agora. E logo ele saberia...
...Continua...
[1] As coníferas são plantas que são assim chamadas porque os seus frutos têm a forma de cones ou pinhas. As folhas geralmente são pequenas e em forma de agulha.
[2] Com base no Episódio G, onde Milo e Aiolia viviam discutindo.
[3]A Islândia é conhecida como país de gelo(devido as geleiras) e fogo(devido aos vários vulcões ativos).
[4] Na fic, Asgard fica localizada em algum local da Islândia. A minha escolha se deve pois a Islândia teve papel fundamental na preservação da mitologia nórdica, mesmo já sob influência cristã e também foi o primeiro país que reconheceu o Asatrú Vanatrú, um movimento religioso com base no paganismo nórdico, como religião.
[5]Usei os deuses nórdicos na verdade pois embora minha concepção na fic(baseada no anime)seja que Asgard é exclusivamente o templo de Odin na terra, outros deuses ainda existem. Outros templos e seus respectivos sacerdotes podem vir a surgir nos próximos capítulos.
[6] Asclépio, na mitologia grega, é relacionado à medicina e a cura. É filho de Apolo com uma ninfa de nome Corônis e aprendeu muito com o centauro Quíron sobre ervas, cura, etc. Sua habilidade era tão grande(diz-se que ele ressuscitava os mortos pois havia recebido de Athena dois frascos do sangue extraído do lado esquerdo de uma górgona- que segundo a mitologia tinha propriedade de trazer os mortos a vida, enquanto o sangue do lado direito tinha a propriedade de matar qualquer um) que Zeus se sentira incomodado e matara Asclépio com um raio. Há duas versões do fim da estória: uma ele foi transformado na constelação de Ofiúco(constelação da Shina) e a outra ele foi ressuscitado por Zeus, mas foi estipulado que ele não poderia atrapalhar a ordem das coisas. Acabei usando a última para a fic.
[7] As previsões são descritas no poema Völuspá(A Profecia da Vidente), na Edda poética. Nele uma völva(vidente) revela a Odin aspectos do passado e também do futuro(como por exemplo o citado fim, conhecido por Ragnarök, que é uma série de eventos).
A primeira adaptação que fiz para a fic disto é que nenhum humano e deus do Olimpo sabe do que se trata as previsões(que são relatadas no poema, e aqui vão ganhar um ritmo mais lento de acontecimento)
[8] Os cavalos islandeses tem pelos mais espessos no inverno, são bastante robustos(inclusive usados para vários trabalhos, pela força e resistência que tem) e pequenos(numa altura que varia de 1,22m- 1,34m). Os islandeses tem imenso orgulho destes bichinhos e devido algumas leis de preservação a fauna, não importam animais de fora do país, mantendo assim a pureza dos cavalos islandeses.
[9] Vilhjalmur é um nome islandês.
- Beijos e até a próxima!
