Primavera de 1971. Eu tinha 11 anos.
Sabe aquele garoto inseguro que não consegue se ajustar, possui sérios problemas sociais, do tipo que se preocupa o tempo todo se alguém vai gostar dele?
Eu não era esse garoto.
– Potter, James!
Fui até o banco que todos os alunos do primeiro ano deveriam se sentar. McGonagall, com sua postura e excelência, aproximou-se para colocar o Chapéu Seletor em minha cabeça. O pano velho nem chegou a despentear meu cabelo para dizer o que todo mundo já sabia:
– Grifinória!
Eu era esse garoto. Mais um membro da morada dos destemidos. Confiante e seguro de si mesmo. Eu era um bruxo, e dos bonitos. Naquela noite, primeira noite em Hogwarts, eu sentia-me sortudo como se meu pai tivesse bebido uma dose de Félix Felices no dia do meu nascimento.
Eu não tinha o que reclamar da minha vida. O que um garoto idiota de 11 anos reclamaria, afinal de contas? Eu não tinha nem o que reclamar da minha família.
Meu pai era esse cara inspirador que todo mundo adorava. Veio de uma família rica, trabalhava em um respeitado cargo no Ministério da Magia e, onde quer que fosse, principalmente nas partidas de Quadribol de seu time favorito, os Montrose Magpies, todos sorriam para ele. "Oi, Charlus" ou "Como você está, Charlus?" ou "Incrível garoto que você tem aqui, Charlus." Ele era o exemplo de um herói.
Minha mãe, Dorea Potter, também veio de uma rica - e eu quero dizer estupidamente rica - família de sangue-puro aristocrata, os Black. Mas diz que dinheiro não é tudo. Ela era uma respeitada e excelente medibruxa do Hospital St. Mungus. Tratava de todos os tipos de doenças e era a mulher mais atenciosa que eu conhecia, quando não puxava minha orelha.
E como você pode ver, eu não precisava me preocupar com dinheiro e não precisava me preocupar em não ser adorado.
Você deve estar pensando: "Então por que eu deveria me interessar em ouvir sobre sua vidinha perfeita, seu mesquinho idiota?"
Quem disse que essa história é sobre mim?
Tudo bem, admito, é 85% sobre mim.
Mas também é sobre ela.
– Evans, Lily!
Eu não sabia nada sobre Lily Evans quando a conheci e, para ser bem sincero, não tive o menor interesse nela quando foi selecionada para a Grifinória em dois segundos. Cara, naquela idade, acredite se quiser, garotos como eu só sonhavam em entrar para o time de Quadribol, voar na melhor vassoura da época – a beleza em forma pura chamada Nímbus 1500 – e zoar por aí, deixando os adultos que inventavam regras estúpidas com dores de cabeça. Garotas da nossa idade eram o menor de nossos interesses e problemas. Elas eram certinhas, chatas e se achavam superiores. Todas.
Além disso, ela era amiga dele.
– Snape, Severus!
Lembro que Sirius Black, ao meu lado já estabelecido na mesa da Grifinória, comentou enquanto Snape se ajeitava no banco a frente de todo mundo:
– Vai sujar o pobre chapéu.
Um garoto a nossa frente riu como se a piada fosse a mais engraçada que já ouvira; Peter Pettigrew, um garoto rechonchudo e de dentes enormes, estava devorando uma coxa de galinha sem se preocupar em diminuir o tom da risada.
Lily Evans, separada de nós por cinco pessoas, pelo visto estava perto o suficiente para resmungar um "calem a boca", claramente incomodada. Não calamos. Não calamos por vários anos, principalmente depois que o famoso Ranhoso foi selecionado para a casa que eu considerava a mais detestável de Hogwarts.
– Sonserina!
Eu não sabia, naquela época, porque eu me incomodava tanto com o fato de Evans ser a melhor amiga dele. O garoto era estranho, medonho e completamente idiota, se fazia de vítima e parecia não saber o que era um chuveiro. Evans tinha um cabelo ruivo longo e liso que chegava a fazer você olhar para ele meio hipnotizado quando a aula estava entediante demais. Já tinha visto várias garotas ruivas, mas nenhuma delas com um cabelo que parecia brilhar com a claridade do sol. Ela não tinha nada a ver com o Ranhoso e, com o passar do tempo, nas aulas, era fácil perceber que ela era inteligente demais para ele.
Inteligente demais para qualquer um, na verdade.
A primeira peça que preguei contra Severus Snape foi na terceira semana de aula. O professor Slughorn tinha nos deixado preparar uma poção pela primeira vez. Essa não era a minha matéria preferida – não tinha lá muita paciência –, mas Slughorn gostava de um pouco de competição e sempre prometia um prêmio para o aluno bem sucedido. Então não custava me esforçar.
Snape estava a frente de todos. Não olhava para os lados, concentrado em tudo o que fazia. Joguei alguns ingredientes no líquido do meu caldeirão, seguindo as instruções do livro e, enquanto esperava dez minutos até que a poção começasse a borbulhar, chamei a atenção de Sirius ali perto.
– Olha só isso. Peter, distrai o Slughorn.
Minha matéria preferida sempre foi Transfiguração. Apontei a varinha na direção de Snape, bem discretamente para Slughorn não ver, e testei um dos feitiços que McGonagall estava nos ensinando naquela semana.
Ranhoso pegou os três olhos de peixes para jogá-los no líquido verde da poção, já borbulhante. Sussurrei o encantamento e os três olhos se transformaram em três pequenas baratas gosmentas.
Ele assustou quando elas começaram a correr por seu braço. Precisou jogá-las dentro do caldeirão para se livrar delas, e começou a xingar. Slughorn estava socorrendo Peter que tinha deixado uma das substâncias em pó entrar nos olhos – ou apenas fingindo de um jeito bem dramático e convincente. Sirius e eu abafamos as risadas.
Evans foi a única que viu o que estava acontecendo com Snape.
– O que aconteceu, Sev? – perguntara com preocupação. Eu estava me concentrando em atrapalhar Snape que nem reparei que Evans já estava no último estágio de sua poção.
Estava difícil de parar de rir com Sirius, então os dois acabaram percebendo que nós tinhamos algo a ver com aquilo. Evans nos enviou um perfeito olhar de desgosto, aquelas olhos verdes bem grandes, então parou de agitar o conteúdo de seu próprio caldeirão e apontou a varinha para o de Ranhoso. Com um perfeito feitiço de levitação, conseguiu retirar as três baratas do líquido.
– Srta. Evans – Slughorn chamou sua atenção. Lily olhou depressa para o professor, percebendo que tinha as três baratas flutuando acima de sua varinha e ela podia estar encrencada. – O que falei sobre não usar outros feitiços em minha aula, já que essa é a aula de Poções?
– Potter transformou meus ingredientes em baratas – acusou Snape. – Ela só estava me ajudando a retirá-las.
Fiquei bem sério no momento em que Slughorn girou os olhos em minha direção, no intuito de confirmar se era uma acusação verdadeira. Eu podia muito bem simular que não fiz nada do que Snape estava acusando, mas não achei justo que o professor chamasse a atenção de Evans por isso.
– É verdade o que o sr. Snape está lhe acusando, sr. Potter?
Sirius e eu nos entreolhamos. Ele fez uma expressão que traduzi para "não fala nada". Ainda podia sentir o olhar de Lily Evans sobre mim, pronta para me odiar a qualquer custo, se eu mentisse ou não.
Eu podia ser tudo, menos um mentiroso.
– É sim, senhor – respondi e não abaixei a cabeça. Na verdade, até me expliquei: – A professora McGonagall nos pediu para praticar a cada hora do dia.
Ouvi um pessoal da Grifinória rir, porque era mesmo verdade. McGonagall frizava em sua aula toda a importância da prática de Transformação.
Slughorn tinha outros princípios, mesmo assim.
– Detenção depois da minha aula, sr. Potter. É uma pena, porque sua poção estava ficando com uma coloração muito boa – observou numa mistura de decepção e admiração.
– Só ignore – ouvi Evans cochichar para Snape. – Potter é um idiota.
Aquela doeu. Com essa constatação dura, porém muito verdadeira, devo admitir, a garota deixou de lado o prêmio e deu seus ingredientes ao Ranhoso.
Mas, no final da aula, quem realmente acabou ganhando o prêmio da semana foi Remus Lupin, um garoto que tinha um olhar constantemente preocupado e arranhões bem estranhos no rosto, o que o impedia de ficar muito tempo perto das pessoas para elas não fazerem perguntas.
Ele era basicamente invisível por ali.
A mãe dele não era bruxa. Não ter o sangue puro, como eu e Sirius tínhamos, trazia um impacto meio que tremendo na sociedade daquela época – algumas pessoas eram até assassinadas por isso. E o pior de tudo mesmo era ter que ouvir a ofensa mais terrível de todas. Ser chamado de sangue-ruim.
Remus não chegava a ser considerado um. Seu pai era um cara que trabalhava no Ministério, um bruxo importante, conhecido do meu pai. Ele apenas se apaixonou por uma mulher trouxa, se casou com ele e teve Remus.
Achávamos que aquele jeito dele de tentar se esconder das pessoas, acordar uma hora mais cedo do que eu, Sirius e Peter para evitar falar com a gente, significava que ele tinha medo que fizéssemos alguma coisa contra ele por isso.
– Oi! – Sirius e eu nos aproximamos de Remus quando estávamos a caminho da aula de Feitiços no terceiro andar. Remus andava com as mochilas nas costas e um livro na mão. Estava desacompanhado, como sempre.
– É Remus, não é? – Sirius quis confirmar, caminhando do outro lado dele. – Remus, sabemos o seu segredo.
O garoto parou de andar. Freou como se tivesse visto a Lula Gigante a sua frente.
– Que segredo?
– Não vamos fazer nada contra você – eu disse. – Calma.
– Sério, acha que somos o quê? Sonserinos? – perguntou Sirius com um sorrisinho. – Eu não daria essa satisfação a minha mãezinha.
Sirius Black foi o primeiro de sua família a ser da Grifinória. Os Black eram conhecidos no mundo bruxo por serem aquele tipo de família que morreria antes de não ser outra coisa senão sonserinos. Séculos de tradição quebrados por causa da rebeldia de um único garoto.
A mãe de Sirius, dizia ele, não era lá muito agradável. Ele costumava botar a culpa nela quando perguntavam por que ele tinha mania de se encrencar à toa. Ninguém acreditava que um garoto pudesse odiar tanto a própria mãe dessa forma.
Mas Sirius Black odiava.
Nossa amizade aconteceu sem querer e continuou acontecendo sem querer. Nem me lembro como o conheci. Sirius e eu costumávamos fazer o pessoal rir e tínhamos sempre a mesma idéia para isso. Em pouquíssimo tempo, ficamos inseparáveis. Rapidamente aprendi com ele que sangue não precisava comprovar o que você era de verdade.
Por isso não queria que Remus Lupin se sentisse ameaçado por nós. Não dávamos a mínima para essa coisa de sangue-puro.
– Você sabe fazer magia e é isso o que importa por aqui. Ganhou o prêmio de Slughorn semana passada, não é? Então.
– É, não ligue para os babacas que disserem o contrário.
– E não somos esses babacas – deixei claro.
– Então não se preocupe com a gente.
– Não vamos assassiná-lo enquanto dorme. É mais provável que o Sirius mate o Peter de tanto que ele ronca. Você não ronca.
Remus olhou para mim e depois para Sirius. Então franziu a testa, preocupado.
– Do que vocês estão falando?
– Sua mãe – respondeu Sirius.
– Minha mãe? O que tem a minha mãe? – perguntou defensivamente.
– Nós sabemos que ela é trouxa.
– Você é mestiço – informou Sirius como se o próprio Remus não tivesse dado conta disso até agora. – Não ligamos pra isso.
– Pode até andar com a gente, nós deixamos.
Remus relaxou a expressão da face. Notei que ele ficou mais aliviado. Perguntou meio confuso, enquanto continuamos o caminho até a sala com o restante da turma da Lufa-Lufa, que teria aula com a Grifinória:
– Por que vocês iriam querer andar comigo?
– A pergunta certa não seria... por que você não iria querer andar com a gente?
– Acha que somos o quê? Sonserinos? – repetiu Sirius. Remus era esse garoto sério, então foi legal vê-lo dar uma risada.
Entramos juntos na sala de Feitiços. O Professor Flitwick era legal. Então aproveitei que ele ainda não estava na sala para subir na cadeira e chamar a atenção dos meus colegas ali presentes.
– Alguém aqui tem algum problema com meu amigo Lupin por ele ter a mãe trouxa?
Alguns negaram com a cabeça. Remus estava com uma expressão do tipo "O que diabos você ta fazendo?!".
– Porque se alguém tiver algum problema... – eu ia fazer uma ameaça, mas Flitwick entrou bem na hora e me mandou sentar ou tiraria cinco pontos da Grifinória.
Eu tinha um problema de hiperatividade que não era sanado por absolutamente nenhum feitiço ou poção. Constantemente, eu procurava me ocupar com alguma coisa. Aulas como Feitiços e Defesa Contra as Artes das Trevas eram legais porque tínhamos a parte prática e eu mantinha minha concentração somente em conseguir pontos e elogios. Transfiguração era interessante também, mas McGonagall não poupava as leituras cansativas e as exigências de resumos de vários centímetros pelo pergaminho, o que era um pé no saco se você tem uma preguiça enorme. A pior aula mesmo, a que eu sempre me pegava piscando os olhos ou babando nas minhas anotações, era a de História da Magia. Para não perder mais pontos por dormir nela, decidi que a usaria para pensar em criativas maneiras de aproveitar meu primeiro ano em Hogwarts.
"Não farei nada de bom."
Eu espero que vocês acabem curtindo , e deixem algum comentário, sei lá, só para dizer se vão acompanhar :D
