Após a saída de Jane, Lisbon percebe que não conseguirá nada de Lorelei naquele momento; então se levanta e chama um oficial para permanecer com ela na sala, protegendo-a. Diante dos ocorridos com Renfrew e Rebecca, todo cuidado é pouco. Depois de tudo, ela não pode ser perdida.

Pelo menos até falar algo que sirva. Após isso, Lisbon não se importaria com o que acontecesse. Sorriu um pouco pensando nisso e foi até sua sala. E ficou surpresa ao encontrar seu ex-consultor desaparecido, deitado em seu sofá como se estivesse lá o tempo todo.

"Acho que não tiraremos nada dela hoje. Amanhã tentarei novamente.", disse ela parando atrás de sua mesa. Jane se levanta e senta comodamente no sofá branco.

"É exatamente sobre isso que precisamos conversar. EU tentarei novamente amanhã: você, não."

"Se você quiser falar, tudo bem. Eu estarei lá com você."

Jane suspirou, ficou de pé e foi até a mesa dela. Isso seria difícil: Teresa Lisbon não é do tipo que aceita ordens de alguém por qualquer coisa. Principalmente se esse alguém for ele.

"Não, Lisbon. Eu irei sozinho e você não ficará atrás do vidro, se é o que está pensando."

Lisbon arregalou os olhos e sentiu seu sangue ferver. Era uma mulher paciente: cuidar de três irmãos pequenos sem a mãe e com o pai que tinha a obrigaram a exercitar o auto-controle. Infelizmente, esses longos anos de prática não valiam quase nada quando se tratava de Patrick Jane.

"Como? Acho que não entendi o que você disse. Você sai por esta porta, desaparece por seis meses e quer me dizer como agir? Vá pro inferno, Jane!"

"Eu já estive lá, esqueceu?" Ele sabia que não devia ser agressivo: não podia magoa-la depois de tanto tempo separados. Tentaria outro caminho: o da auto-piedade. Ele sabia que ela não resistiria. Ou pelo menos achava que não.

"Não, não esqueci. Acredite. Me dê um bom motivo para que eu não esteja naquela sala obrigando aquela" – Lisbon respirou e contou até três mentalmente – "...mulher a falar?"

"Porque ela conhece você e sabe o que dizer pra te destruir. Red John não correria o risco dela ser apanhada sem dar a ela o modo de se defender. Eu sou a única pessoa a quem ela falará."

Lisbon riu, sarcástica. "Oh, é claro que ela falará a você. Tenho certeza disso. Não me importa o que ela dirá. Nada do que diga vai me atingir."

Jane se aproxima dela, que agora está virada para a parede de vidro olhando o movimento do resto do escritório através das persianas.

"Lisbon, ela não tem nada a perder e pode te machucar."

"Como se você se importasse com isso..." Lisbon sussurra.

"É claro que me importo. Você sabe que sim..." Ele tenta segurar seu braço, mas ela recua nervosa e não consegue se conter.

"EU SEI? O QUE EU SEI? A ÚNICA COISA QUE EU SEI É QUE VOCÊ SUMIU DESSA AGÊNCIA POR SEIS MESES. NUNCA RETORNOU MINHAS LIGAÇÕES, NUNCA RESPONDEU MINHAS MENSAGENS E AGORA VOLTA DIZENDO QUE SE IMPORTA COMIGO. VOCÊ NÃO SE IMPORTA COMIGO, NÃO SE IMPORTA COM NINGUÉM A NÃO SER COM VOCÊ MESMO E A SUA ADORADA VINGANÇA!" Lisbon gritava e já chamava a atenção dos agentes do lado de fora da sala.

Então respirou fundo e continuou num tom mais baixo, mas não mais amigável. "Rigsby ficava nervoso toda vez que o telefone tocava. Grace jogou fora sua caixa de chá. Cho nunca mais usou aquele sofá. E eu? Eu mal conseguia pensar quando aparecia alguma ocorrência, a não ser no quanto eu queria que não fosse você..." Parou por alguns segundo e virou-se para Jane. "Você sabe o que isso significa?"

Jane deu um meio sorriso. "Significa que terei que comprar chá."

Lisbon baixou a cabeça, incrédula com o que ouvia mas não teve tempo de responder pois foi interrompida.

"Olhe, estar tanto tempo longe não significa que não pensei em vocês. Um momento ou outro, me pegava perguntando se Grace tinha um namorado novo, se Rigsby estava conseguindo dormir por causa do filho e qual livro Cho estava lendo. Mas eu não podia voltar, não podia ligar. Red John podia descobrir tudo e eu perderia a chance."

"Você nem ao menos ligou para saber se eu estava viva. Poderia ter desligado em seguida, não precisava falar. Eu saberia." Ela falou baixinho e tinha lágrimas nos olhos, apesar de se esforçar em não demonstrar. Vendo isso, Jane percebeu que não era hora para brincadeiras: ela estava muito magoada. Apesar de aceitar ajudá-lo sem pensar duas vezes, ela ainda estava sofrendo com tudo.

"Eu sabia que você estava viva. Não podia ligar, pois se eu ouvisse sua voz eu não aguentaria. Eu ouviria a angústia e o medo e eu voltaria. E eu não podia voltar; não podia fazer todo o nosso sofrimento ser em vão." Lisbon ergueu os olhos marejados e eles pareciam muito mais profundos e cristalinos agora. Como alguém podia ser tão lindo quando chorava? Teresa Lisbon podia.

"Nosso? Ao que parece, você não sofreu tanto assim. Tinha alguém com você, lembra?"

É claro. De tudo o que tinha acontecido, o 'caso Lorelei' era o que mais a incomodava. Jane sorriu sem graça e pegou o celular no bolso do colete. Depois de mexer por alguns segundos, uma voz familiar soou no viva-voz.

"Jane, onde você está? Nós podemos dar um jeito: Wainwright está mais calmo e se eu falar com ele, você pode voltar. Me ligue quando ouvir isso."

Jane apertou o aparelho novamente.

"Você deve estar rindo ao ouvir isso, mas eu não me importo. Por favor, me ligue. Todos estão preocupados. Me ligue, por favor!"

Lisbon baixou a cabeça novamente, sem coragem de olhar pra ele ao ouvir sua voz implorar para que voltasse.

"Isso não tem mais graça, Jane! Eu estou preocupada e não vou desistir de você. Por qualquer coisa que ainda seja importante, me ligue."

"Onde você está? Está ferido? Me diga onde e irei busca-lo, onde quer que seja. Por favor! Fale comigo!"

Vendo as lágrimas molharem discretamente a mesa de Lisbon, ele colocou o celular no bolso.

"Eu tenho várias aqui ainda e posso mostrar quantas quiser. Eu guardei todas, até quando era triste e preocupada o suficiente que, se eu ouvisse pegaria meu carro e iria direto onde você estivesse. Mas eu não podia me dar esse luxo, então fiquei apenas com as que eu pudesse lidar. Eu ouvia todas as noites, Lisbon. Toda noite eu ouvia sua voz, sua preocupação e fazia disso minha força para seguir com o plano. Eu não podia voltar sem nada, depois de tudo. Então não diga que não me importo: você não sabe de nada."

Lisbon não sabia o que dizer. Jane sendo sincero era algo que ela nem sempre podia lidar. E ele estava sendo sincero, ela podia saber. Ela conhecia tudo daquele homem: quando falava sério e quando brincava; quando sofria e quando era apenas teatro; quando odiava e quando sentia algo. Mas apesar de tudo isso, ainda tinha Lorelei.

"Porquê não me quer com ela? Porquê não posso ouvir seu depoimento?", disse em voz fraca ainda abalada pelo que tinha acabado de ouvir.

"Ela não pode te machucar fisicamente, o que não garante que não tentará fazer isso com palavras."

"O que ela pode falar: da minha mãe morta? Do meu pai alcoólatra e abusivo? Das brigas entre meus irmãos ? Não é nada com o que eu não possa lidar, Jane!"

Jane baixou a cabeça e suspirou. "Você sabe que não é isso."

"Então o que é? Chega de segredos, Jane. Estou farta de você ocultando coisas de mim!"

"Ela pode falar sobre mim, sobre o que tivemos." Sua voz era quase um sussurro.

"E...?"

"Oh, qual é? Você não vai querer mexer nisso agora, não é? Então não se faça de desentendida e não me obrigue a falar!" Jane estava nervoso; não queria abrir aquele baú de ossos naquele momento. Ele sabia que um dia terão que tocar no assunto, mas com certeza não seria agora.

"Sinceramente não sei do que está falando, Jane e nada me fará ficar longe quando ela falar. Não importa o quanto você queira ficar a sós com ela. Isso não vai acontecer!"

"Está aí! Era isso que eu queria: porquê? Porquê não me quer sozinho com ela?" Jane parecia uma criança que tinha acabado de descobrir o que iria ganhar dos pais no Natal. Sua alegria em fazer Lisbon se entregar era quase macabra.

"Isso não convém ao caso. O que importa é que não posso atender seu pedido." Lisbon estava nervosa e parecia corar.

"É por isso. Por isso não quero você com ela; ela vai usar sua fraqueza contra você, vai dizer coisas que não quer ouvir. Coisas que sabe que são verdade, mas que não quer ver. Por favor, Lisbon me entenda ao menos uma vez e não ouça o que ela tem a dizer. Se eu estiver sozinho, nada do que dirá vai me abalar mas se você estiver ela vai saber onde nos atingir. Confie em mim!"

Lisbon riu. "É justamente por confiar em você que estou aqui, então não me peça isso."

Jane congelou. Sabia da sua mágoa, mas não imaginava quão profunda ela era. Essa era uma das coisas com as quais ele não podia conviver: com a tristeza de Lisbon. De toda a equipe, ela era seu Yang: era o equilíbrio que não permitia que ele mergulhasse completamente nas trevas. Ela era seu refúgio, a única que o entendia; que conhecia o seu melhor e o seu pior e ainda estava ao seu lado. Ele se olharam fixamente por alguns segundos, até que Jane quebrou o silêncio.

"Você poderá voltar a confiar em mim algum dia?"

"E porque isso importa?" Ela estava arredia e tinha motivos para isso.

"Tudo que diz respeito a você me importa, Lisbon. Eu prometi que estaria lá pra você e, mesmo longe não quebrei minha promessa. E mesmo que você não me queira mais aqui, eu não quebrarei. Eu sempre estarei para você, onde quer que eu esteja."

"Me deixe sozinha, Jane."

"Como quiser, mas isso não acabou." Jane saiu da sala em silêncio e nem ao menos parou na porta, como sempre fazia para checar se ela queria mesmo que ele fosse. Ele sabia que ela precisava ficar só e reorganizar a mente.

Lisbon sentou-se em sua cadeira e baixou o rosto entre as mãos. Queria pensar. Pensar em todos os meses de sofrimento, nas noites mal dormidas, nos dias tristes e sem perspectiva. Queria pensar no que fazer com seus sentimentos e com o que tinha acabado de ouvir da boca de Lorelei.

"Nós fomos amantes, eu e ele. Ele te contou isso?"

Amantes. Mais de nove anos sozinho, sem dar chance a quem quisesse se aproximar, para terminar na cama de uma vadia qualquer. Pior: na cama de uma vadia cúmplice de Red John. Tantas vezes ela quis ir ao sótão e lhe fazer companhia, não deixa-lo dormir sozinho. Quantas vezes quis envolve-lo nos lençóis de sua cama e faze-lo feliz de novo; fazê-lo um homem novamente.

Mas nunca teve coragem, pois sabia do amor devotado a Angela e que ele não daria chance a ninguém antes que Red John estivesse morto. Tantos anos se punindo, vendo mulheres como Erica Flynn dançarem ao seu redor como abelhas no mel, para se render a alguém que iria lhe arrancar os dedos.

"God luck, Teresa. Love you."

Essas cinco palavras que não saíram de sua mente o dia todo. Por mais que queira esquecer, elas se repetem sem parar no fundo de sua mente, obrigando-a a reviver o momento. Aquele abraço tão forte e íntimo. As duas palavras... Porquê falar aquilo se ele tinha acabado de estar nos braços de outra? Para quê?

E porquê seu coração pulava uma batida quando lembrava daquilo? Ele já tinha dito; não era nada. Mas seu coração não queria acreditar. Tinha algo nos olhos dele que mostravam que não era 'hipnose'. Tinha verdade, e ela sabia reconhecer isso nele como ninguém...

Ela não entendia e, sinceramente agora não queria entender. Só queria que esse dia infernal acabasse e ela pudesse ir pra casa e se derreter em sua banheira. Um banho relaxante para tentar dormir e esquecer por algumas horas tudo isso. Limpou as lágrimas dos olhos para que pudesse demonstrar um pouco de dignidade ao passar pelo escritório e por ele, pegou sua bolsa e saiu. Deu um fraco 'boa noite' a sua equipe e se dirigiu ao elevador.

Sua equipe, que nunca a deixava só, que fazia tudo por ela. Tinham provado sua lealdade várias vezes e, como se isso fosse pouco ainda entravam em qualquer barco com ela. Eram sua família e ficaram mais unidos ainda após a chegada dele. Era necessário para a sobrevivência: com tantos planos malucos e poucas informações, precisavam confiar uns nos outros para não perecer.

Sempre ele. Tudo por causa dele.

Achava que agora que sabia onde estava conseguiria ter uma noite decente de sono, mas com tudo o que ouviu não podia ter certeza disso.

A única certeza que tinha era de que tudo tinha mudado e ela não sabia o que seria dali pra frente. Não sabia o que esperar do amanhã.