Essa fic, dedico à minha melhor amiga, Cherry Miluxa. Minhas promessas, ainda que demorem a serem cumpridas, sempre serão cumpridas. Mila, espero que goste. Foi feita de coração.
Bom divertimento a todos!
Café Ibsen
Capítulo 1
-Me desculpe! Não tive a intenção!
-Não tem problema, não foi nada.
Uma mulher trombou em mim. Mas só tive tempo de reparar em suas vestes.
Uma boina preta, camisa branca e uma saída xadrez que vestiam um corpo bastante bonito. Quando levantei do chão após recolher meus papéis que voaram longe depois do choque e minha pasta, ela já havia sumido. O modo ao qual falou comigo em inglês me soou bastante artificial. Não era inglesa, tampouco grega. Com toda a certeza, ela não vivia na Europa.
Peguei minhas coisas e fui procurar uma cadeira para esperar o anúncio do meu vôo. Oslo.
Nova vida, novas pessoas... Uma chance para recomeçar tudo do zero. Que ingenuidade a minha... Se eu soubesse o que ia passar depois...
Tinha em mãos uma revista grega. A única lembrança palpável do meu país de origem que estava levando comigo.
Comecei então a folheá-la e junto com isso, muitas lembranças vieram à tona. A imagem da praia paradisíaca me lembrou o início da minha adolescência.
"Com 12 anos, lá estava eu, correndo pela praia, brincando de pega-pega com uma garota. Helena. Loira, olhos verdes, graciosa. Minha vizinha.
-Peguei! – Atirei-me para cima dela, sem calcular meus movimentos.
Caímos. Ela ria muito. Foi a primeira vez que a tive tão próxima de mim.
-O que foi? – Perguntou ela encarando profundamente meus olhos.
-Nunca tinha reparado em como você é bonita...
-Mas que cantada disparada, Miro! – Helena protestou.
-Estou dizendo a verdade!
-Somos amigos, Miro.
-E daí? – Me levantei e ofereci minha mão para ela se levantar.
-E daí que... – Ela olhou para baixo e sacudiu a areia do corpo.
-Que...?
-Somos amigos...
Pensamentos loucos invadiam minha mente. Estava iniciando minha adolescência. Os hormônios estavam a mil. Fui certeiro.
-Helena, você já beijou alguém antes?
-Minha mãe, meu irmão...
-Garotos.
Ela me olhou curiosa. Seu rosto corou.
-Não...
-Gostaria de experimentar?
-Miro! Somos amigos! Crescemos juntos... Não seria correto.
-Não vejo nada de errado...
-Você é praticamente da minha família! Te conheço desde bebê.
-Isso torna as coisas mais fáceis, Helena.
-Mas por que?
-Nos conhecemos de longa data, sabemos dos defeitos um do outro...
-Por isso mesmo!
-Helena, não é mais fácil beijar um conhecido? Você me conhece por inteiro...
Ela me olhou pensativa.
-É tão bom...
-Você já fez isso, Miro?
-Não.
-Então como sabe que é bom?
-Meus pais sempre fazem isso, se não fosse, talvez não faria sentido eles se beijarem todos os dias.
-Mas eles são adultos! Casados!
-Por algum acaso seremos adolescentes para sempre?
Ela parou pensativa novamente.
-Que tal? Isso vai ficar marcado pra mim para o resto da vida."
E ficou. Anos mais tarde, o pai dela recebeu uma proposta de emprego em Portugal e nunca mais eu a vi. Virei a página e me deparei com uma oferta de emprego na Lanchonete Melânio.
-Hahaha! Até hoje não me substituíram! – Disse para mim mesmo.
Péssimas lembranças daquele lugar. Mas o lugar não me lembrou apenas o emprego, mas meus pais.
Os tempos após o colégio foram difíceis. Os amigos que fiz durante meu último ano perderam contato comigo. Quando se cresce, as pessoas tomam rumos diferentes. Na minha casa, as coisas só pioravam.
Meu pai fazia questão de me lembrar que eu o envergonhava todos os dias. Simplesmente por não conseguir um emprego. Minha mãe me comparava com os filhos de outras senhoras da alta sociedade, que já estavam fazendo os seus próprios lucros.
"Imagine, hoje cheguei ao Clube da Ilha e as minhas amigas mais uma vez me esnobaram, Sansão!
-Tudo por causa do Miro, é claro! Arruinou a imagem da família. Todos na empresa me olham torto, por ter um desempregado em casa. Você me envergonha!
-Por que o senhor então não me arruma um trabalho na sua empresa, pai?
-Porque não quero saber de desfalques onde trabalho."
Sim, eles souberam do cheque "achado". Na época da escola descobri onde o ladrão havia escondido o dinheiro e peguei-o para mim. Dias após a formatura, quando minha mãe foi lavar meu terno, ela encontrou o cheque em um dos bolsos. Isso deu muito o que falar em casa.
"-Me desculpe, pai – Dizia eu pela milésima vez – Eu tomei jeito, não fiz mais nada desde então.
-Desculpas não apagam o que aconteceu.
-Pras pessoas mesquinhas, não mesmo.
-O que foi que disse, Miro?
-Nada, mãe. Nada..."
Fechei a revista. Comecei a sentir uma pontada de dor de cabeça.
-Droga!
Abri a maleta a procura de algum comprimido. Encontrei o vidrinho. Quando fui despejar o conteúdo na mão, esbarraram em mim. Quatro deles caíram no chão.
-Mas que droga!
Era ela de novo. A moça da roupa elegante. Dessa vez reparei que tinha longos cabelos sedosos e castanhos, bem lisos. Mas ela sequer percebeu que havia esbarrado em mim novamente.
-Senhoras e senhores, passageiros com destino a Oslo, vôo 14725, comparecer à sala de embarque.
Meu vôo. Engoli o comprimido a seco e tomei rumo a sala. Só mais quinze minutos e estaria longe daquele lugar.
-Vai ser perfeito, Miro – Disse a mim mesmo – Lá ninguém me conhece. Nada vai dar errado.
Me preparei para embarcar e logo meus quinze e eternos minutos já haviam se passado. Entrei no avião e logo ele decolaria.
-Poltrona 23 A. Janela.
Sentei em meu lugar e peguei a revista grega novamente. Não sabia porque aquela revista me atormentava tanto. Abri e comecei a folhear da página inicial. De repente, me deparo com uma reportagem. Não... Não era possível.
-A Escola do Zodíaco, com 243 anos de tradição agora possui um novo diretor. Após a morte do conhecido Shion Kalaveechios, em atentado, um novo diretor toma seu lugar. Toda a estrutura educacional da escola foi reformada, de acordo com a uma psicologia mais moderna. Os alunos passaram a ter aulas direcionadas ao que pretendem estudar na Universidade.
-Demorou... – Disse, retomando a leitura.
-Esse sistema já era aplicado na França, Portugal, Espanha, Inglaterra e Itália. Agora chegou até a Grécia, reformulando o sistema educativo.
-Sorte deles... Quem quiser matemática não precisará estudar grego. Hahahaha.
Quem me visse lendo alto, com certeza me acharia um louco.
-Confira a nossa pequena entrevista com o novo diretor. Ou melhor dizendo, diretora.
Arregalei os olhos. Não... Não podia ser...
-Os alunos vêm de outros países justamente para aprender a lidar com situações por eles antes desconhecidas. São escolhidos pelo currículo escolar, isso significa que precisam ter um excelente rendimento em todas as disciplinas. Com o novo sistema, eles passam a ter uma dinâmica mais focada para as matérias da Universidade. A única disciplina indispensável é Grego, obviamente.
-Hahaha! Coitados!
Virei a página com cuidado. Foi quando vi sua foto. Ainda estava deslumbrante.
-Sendo assim, já se preparam para o que irão enfrentar no curso escolhido. – Diz Calíope Kalanita.
-Calíope... – Meus olhos se encheram de lágrimas. Como é que aquele monumento não tinha sido meu?
-Calíope, a da Bela Voz, em grego Καλλιoπε, foi uma das nove musas da mitologia grega. Filha de Zeus e Mnemósine. Foi a musa da epopéia, da poesia épica, da ciência em geral e da eloquência e a mais velha e sábia das musas. É representada sob a figura de uma donzela de ar majestoso, coroada de louros e ornada de grinaldas, sentada em atitude de meditação, com a cabeça apoiada numa das mãos e um livro na outra, tendo, junto de si, mais três livros: a Ilíada, a Odisseia e a Eneida. Em outras representações, traz como atributo um rolo de pergaminho e uma pena. Mãe de Linos, com Apolo e de Orfeu, das sereias e dos coribantes.
Não era possível. Era muita coincidência para um dia só. A mulher da boina preta, camisa branca e saia xadrez, estava parada na minha frente.
-Será que eu disse alguma bobagem? Tenho certeza de que fui correta na minha explicação Mitológica.
-Não... Está... Está correta sim... Mas não era dessa Calíope que eu falava. – Levantei a revista e mostrei a foto da mulher por quem suspirei durante muito tempo.
-Conheço, estive nessa escola, fazendo essa reportagem.
Ela foi se sentando ao meu lado, colocando o cinto.
-Mas... É muita coincidência para um dia só...
-Não entendi...
-Você trombou comigo duas vezes, agora abro a revista, me deparo com essa reportagem e você me diz que foi você quem a fez. Só pode estar brincando!
-Ah... Era você o moço do café. Me desculpe mais uma vez. E não é mentira não, veja, meu nome está no fim da reportagem.
Corri os olhos até o fim da página.
-Camila Barbosa. Incrível! Só pode ser brincadeira!
-Não é – Ela riu em tom de deboche – Vai ver é o destino.
Foi nesse momento que reparei em suas feições. Olhos castanhos, pele alva e lisa. Lábios bem contornados e um nariz pequeno. Eu sempre preferi as loiras, mas essa morena... Era linda.
Me distraí olhando para a revista, quando uma pergunta me veio em mente.
-Você acredita nessas coisas de destino?
Mas ela não me ouviu. Colocara fone nos ouvidos e seus olhos tinham se fechado.
-Senhores passageiros, apertem os cintos para a decolagem. Permaneçam sentados até que o sinal de desatá-los seja dado. Em caso de problemas com a aeronave, máscaras de oxigênio cairão na frente de seus respectivos assentos. Caso haja crianças próximas, coloque a máscara antes em você e depois nelas. Gostaríamos que soubessem que os assentos são flutuantes. Em caso de turbulência, permaneçam sentados e de cintos atados. European Airlines agradece a atenção e deseja a todos uma boa viagem.
Olhei pela janela e uma lágrima escorreu de meus olhos.
-Adeus Grécia... Adeus pais... Adeus... Calíope.
