Disclaimer: Naruto e todos seus personagens pertencem à Masashi Kishimoto.
Obs.: Neji está vivo nessa fic porque eu continuo em negação sempre que posso.
Ela
Não havia mais guerra. A paz reinava por toda a vastidão das Cinco Grandes Nações. A criminalidade caíra, a fartura se expandira e a beleza dos tempos pacíficos envolvia a quase tudo e todos. Era quase uma epidemia composta por calmaria em um Pós-Guerra bem sucedido. Konohagakure no Sato, em especial, comemorava seus novos tempos registrando uma queda no número de ninjas ativos, uma vez que estes agora buscavam passar seu conhecimento adiante, ministrando aulas na Academia Ninja, ou entraram em cursos profissionalizantes para se tornarem ninjas médicos e trabalharem no Hospital ou como apoio em outras Vilas quando convocados. Haviam também aqueles que aproveitaram a paz para realizarem alguns sonhos que tinham guardados. Assim surgiram padeiros, fazendeiros, artistas, veterinários, políticos e todas as classes de trabalhos em que que ninjas podiam agora atuar como civis.
Foi nesse cenário de calmaria e uma outra instabilidade menos que o grande herói da guerra, Uzumaki Naruto, agora mais maduro e sábio do que antes, mas ainda assim extremamente extrovertido e sorridente, se tornara aprendiz do Hokage Hatake Kakashi na busca pela realização de seu sonho. Haruno Sakura, paixão de infância do loiro, agora liderava o hospital de Konoha junto à sua mestra, Senju Tsunade. Uchiha Sasuke, que antes recebera o título de traidor e foragido até se tornar um herói na guerra e depois ter cumprido uma pequena na prisão até a interferência do melhor amigo e do Hokage, agora era o segundo ninja mais forte em serviço na Aldeia; apesar de possuir o costume de sumir por meses a fio resolvendo problemas políticos a pedido do Hokage, afinal ele não gostava de permanecer "preso" em Konoha por muito tempo. Sentia-se sufocado.
Yamanaka Ino, apesar de continuar sua vida ativa como ninja, agora trabalha por tempo quase integral na floricultura da família e havia se casado com Sai. Este último trabalhava como artista nas horas vagas, que dependendo da época eram muitas, mas agia como Anbu sempre que era necessário. Akimichi Chouji casara-se com uma moça que conheceu na guerra e continuava como ninja ativo, mas tinha planos de abrir uma churrascaria no futuro. Nara Shikamaru, o terceiro integrante do grupo, tornara-se professor na Academia e casara-se com Sabaku no Temari.
Rock Lee continuava sua vida de ninja e tomava conta de um grupo de gennins. Mitzashi Tenten abrira uma loja de armas na qual fazia um ou outro artigo artesanal de acordo com o pedido e era muito bem sucedida em seus negócios. Hyuuga Neji preparava-se para assumir o clã Hyuuga como herdeiro após Hinata assumir e abdicar a favor dele, tendo liderado apenas por tempo suficiente para marcar todos os Hyuugas com o selo para proteger a herança e desfazer o sistema separatista que vigorava.
Isso deixa apenas um time dos doze principais expoentes da nova geração de ninjas de Konoha para ser citado. O time oito, entre todos, era o único não tivera sua dinâmica alterada pelo fim da guerra e suas consequencias em si, mas por motivos pessoais. Aburame Shino havia deixado o serviço ativo como ninja para dar aulas na Academia. Um amor por crianças que havia descoberto com a chegada de Mirai, a filha da antiga sensei do time, Yuuhi Kurenai, fizera o homem seguir essa carreira em especial. Inuzuka Kiba foi o único do grupo que se recusara a deixar seus serviços como ninja ativo integral e almejava ingressar na ANBU junto ao seu fiel cão Akamaru, entretanto a escassez de pedidos solicitando os serviços o forçaram a trabalhar como ajudante de Hana, sua irmã, cuidando dos cachorros de sua família. Então, por último, temos ela, a última componente do melhor grupo de rastreamento da Konoha e ex-líder Hyuuga, Hinata.
Não é como se não houvesse muito a contar sobre ela, era só que, entre todos os componentes do Konoha 12, ela era a menos excêntrica. Seu destaque sempre caia nas sombras e ela era esquecida com facilidade. Apesar de Shino quase não ter sua presença reconhecida a primeira vista, suas roupas e os marcantes insetos sempre deixavam o rastro de sua silenciosa presença para trás. Mas Hinata? Hinata não possuía um cabelo rosa único, ou uma personalidade brilhante que se encaixava num belo rosto emoldurado por belas mechas louras, ou era excepcional com armas. Hinata era apenas Hinata: a doce, gentil e mundana Hinata.
Não é que eu, sua não tão adorável narradora, esteja criticando-a por isso. A resposta é que ela simplesmente não nascera para os holofotes e contentara-se com isso. Como ninja era facilmente confundida com apenas uma dama da alta sociedade brincando de segurar uma arma, o que resultava no apelido incomodo e ignorável de 'Hime'. Como líder do clã Hyuuga, era ignorada pelos comerciantes que iam até ela em busca de acordos comerciais ou apoio político, o que resultava em homens furiosos sendo arrastados para fora do clã enquanto Hinata calmamente rasgava seus contratos e prometia em voz suave começar a favorecer os rivais deles. A mulher de longos madeixas negro-azuladas e pele branca não era temida, mas tampouco era amada durante sua curta liderança. Como irmã não era a figura de uma heroína, ou de um exemplo a ser seguido, era como uma mãe para Hanabi, uma mãe que, apesar de ser uma Kunoichi, se parecia muito como uma camponesa civil. Como filha não era a preferida e não se importava mais em o ser. Seu pai a amava e, depois de quase duas décadas tentando de tudo um pouco para ser reconhecida por ele, a mulher decidira que se depois dela quase morrer três vezes ele não a reconheceria, então ela provavelmente morreria definitivamente sem ouvir um elogio sequer de seu progenitor.
Ela chegou a ouvir os elogios. Chegou a ver o homem sorrir cansado em sua direção e dizer que estava orgulhoso dela. Mas isso já não importava mais. Nada disso importava mais.
Acontece que depois de tanto tempo tentando se tornar outra pessoa, tentando alcançar Naruto, se igualar a ele e viver sob o nindo dele... Ela percebera que em algum momento se perdera em sua busca e passara a tentar se tornar ele. Hyuuga Hinata nunca seria Uzumaki Naruto. Naruto era Naruto, assim como Hinata era Hinata. Ao chegar nesse ponto, seu jeito de ser já não a incomodava mais. Aprendera a manter sua postura mais estável e a dizer 'não' quando estritamente necessário. Mas era só isso. Ela não era vista andando por Konoha quando não estava em missão. Ela não viajava muito. Ela não saia muito. Ela não fazia muitas amizades. Ela era um nome fantasma sussurrado pelas ruas. Sussurros que contavam para os mais novos sobre a garota que declarara seu puro amor para o herói da Vila numa luta claramente desvantajosa ao pensar que morreria em batalha, mas sem temer a morte certa. Os olhares desenhavam as lembranças de uma menina ajudando Naruto a se reerguer quando a Guerra pareceu uma batalha vencida. Contudo não passavam disso: murmúrios, sussurros, histórias de amor contadas de forma quase clandestina.
E o pior? Em cada uma dessas histórias ela era a menina oriunda de uma família rica, mas sem amor e que estava perdidamente apaixonada pela essência do herói da Vila. Ela havia sido esculpida para amar Naruto. Para se casar com ele. Eram o casal perfeito.
Foi num dia ensolarado, enquanto uma senhora no mercado expressava seus encorajamentos para que ela se tornasse a esposa do futuro Nanadaime Hokage, o grande Uzimaki Naruto, que Hinata sorrira com olhos secos de cansaço e percebera: ela nunca andaria ao lado dele, simplesmente porque ela sempre fora a sombra dele e nunca deixaria de sê-lo.
Ela já não se importava mais com tudo isso. Doía? Claro que doía. Como não doeria? Ser ignorada, subestimada, zombada, humilhada, esquecida era quase uma sina para a morena. Uma sina que aprendera a carregar em silêncio. De sua boca nada mais escapava a menos que fosse obrigada a falar. Restringia-se a comentários curtos, baixos, olhares de soslaio e a corar quando forçada a mostrar-se socialmente vez ou outra após abdicar seu posto de líder Hyuuga. Passava a maior parte do tempo dentro do clã e preferia assim.
Seus olhos estavam sempre secos (Hyuugas não choram). Desprovidos de lágrima qualquer (Hyuugas não sentem). As vezes ela podia ouvir os murmúrios de alguns membros do clã questionando Neji se ela estava bem. Se ela não precisava se consultar com algum especialista. Afinal Hinata sempre fora uma menina muito emotiva e chorona, eles alegavam (Hyuugas não perdem tempo com futilidades como essas, Hinata).
Depois de Neji expressar suas preocupações e as preocupações da rama secundária do clã sobre a saúde da Hyuuga Hime, Hinata apenas lhe sorrira amavelmente e respondera que ela não tinha motivo algum para chorar. O sorriso falso fizera Neji se remexer nervosamente pela primeira vez em anos. No outro dia ela aparecera com o cabelo curto. Exceto alguns membros de sua família, os membros de seu time e Shikamaru, ninguém mais reparara o gesto simbólico dela.
Foi assim que ela viveu, ou sobreviveu, enquanto a calmaria reinava. Quando deixara a liderança do clã de lado em favor de Neji, a mulher quase desaparecera por completo dos olhos dos outros. Ela aceitara e abraçara seu papel de enfeite no clã e no seu grupo de amigos, tornando-se efetivamente numa sombra vagando pelos corredores do clã, mas principalmente, movendo-se pelo jardim.
Ah, ela amava o jardim! Em seu jardim ela podia ser ela mesma e apenas ela, sem julgamentos ou opiniões inoportunas. Em seu jardim ela podia rir, chorar, gritar... Em seu jardim ela podia ter sua inocência novamente e podia ser a protagonista. Ela era a rainha de suas flores. A grande líder de suas árvores. A mais bela maga de suas ervas medicinais...
No jardim ela não era um peso a mais para ninguém e também não era a sombra de ninguém. Por esse motivo pouquíssimos podiam cruzar os portões do jardim que seu pai, Hiashi, lhe dera de presente de dezoito anos (algo sobre um pedido de desculpas, anos abusos psicológicos exercidos sobre ela, tentar forjar novos laços entre pai e filha e uma terapia que ele iniciara ao saber que ela quase morrera uma segunda vez, pouco antes do início da guerra).
E era isso que ela estava fazendo nesse fatídico dia. Caminhava tranquila pelos corredores mais calmos da mansão rumo aos jardins. Já havia quase um mês que Kakashi não a enviava em nenhuma missão, logo ela se permitira o prazer de dedicar-se totalmente a cuidar do jardim. Um sorriso minúsculo estava grudado na face e ela cantarolava enquanto carregava a cesta repleta de artigos de jardinagem que comprara da Floricultura Yamanaka no início da manhã, antes de todos os outros clientes, como era de seu costume uma vez ao mês. Estranhamente era sempre Sai que a atendia religiosamente, mesmo que ela aparecesse na porta da floricultura duas horas antes da mesma abrir oficialmente. Havia, como a rotina lhe ditava, saído apressada da loja para cruzar a Vila antes que as ruas se enchessem de gente e ela fosse obrigada a ouvir os comentários deles. Apenas o tilintar do sino na porta de entrada denunciava a presença recente de uma estranha cliente. O céu ainda estava um pouco escuro e apenas uma ou outra mancha avermelhada apontava o nascer do sol.
Cruzou a entrada do Distrito e as ruas principais do mesmo com discrição e sem ser questionada pelos poucos guardas que faziam a ronda naquele momento. Tinha que passar por dentro de casa para chegar no jardim, então tentou ser o mais silenciosa possível. Sempre se sentia como uma criança que havia aprontado ao correr pela mansão principal. Desceu as escadas traseiras com uma pressa infantil, gravando em sua memória o modo que a madeira escura estalava sob seus pés. Sorriu. Virou dois corredores ao ar livre e no final deles pôde, finalmente, pisar na grama orvalhada. O sol mal havia despontado no horizonte. Olhou ao redor e colocou suas luvas pronta para começar a jardinar. Andou por entre as peônias e verificou se precisavam serem podadas ou se os pulgões voltaram e constatou alegre que estavam todas saudáveis e impecáveis. Passou pela cerejeira que havia plantado dois anos antes e analisou os galhos em busca de qualquer problema potencial para o desenvolvimento da planta. Ao virar-se para verificar as lavandas foi que percebeu uma anomalia. Alguém havia estado em seu jardim. Alguém que não havia sido convidado.
Na parte que reservara para cultivar tulipas uma flor se destacava. Gritava por atenção. Entre as tulipas brancas havia uma única tulipa tão negra que parecia sugar a luz das outras para si. Aproximou-se um pouco e franziu a testa. Nunca havia plantado tulipas negras, será que uma semente havia vindo misturada ao pacote e a flor só agora começara a desabrochar? Talvez não havia invadido seu pequeno refugio. Talvez a flor desabrochou apenas nesse dia e nascera de uma semente no pacote errado. Aproximou-se até ajoelhar e poder inspecionar a planta de perto.
Não houve tempo sequer para gritar por socorro.
