O CAVALEIRO E A ROSA
By Esmeralda Amamiya
Atenas, 1890
Um jovem de aspecto abatido, os braços para trás, presos em algemas enferrujadas, cambaleava para frente, sendo amparado por dois policiais fardados. Seus olhos verdes denotavam cansaço e suas roupas, em frangalhos, indicava os maus tratos que estava sofrendo na prisão.
- Shun!
Um jovem aloirado exclamou, espantado ante a figura esquálida de seu amigo. Hyoga tentou aproximar-se, mas um outro jovem de longos cabelos negros o impediu de cometer aquele desatino que, certamente, culminaria com sua própria prisão.
- Mas Shiryu... – o loiro tentou argumentar.
- Pasciência, Yukida! Lembre-se das ordens do Ikki!
Hyoga suspirou enquanto todos sentavam-se em bancos e o Juiz Villefort, responsável pelo julgamento, adentrava os umbrais enegrecidos e carcomidos dos pórticos.
Shun sentou-se numa cadeira diante da grande mesa, tendo a seu lado, a alguns metros de distância, o seu acusador, Jango Megarous, um rico proprietário, ainda jovem e cobiçado por suas riquezas.
Este sorriu cinicamente para o jovenzinho, que sentindo o sangue ferver, o que era raro em sua personalidade serena, fez menção de levantar-se, sendo impedido pelos dois guardas que o haviam escoltado.
- Ordem! – gritou o juiz – Que tenha início a sessão!
Naquele momento as portas do recinto abriram-se com estrondo e um rapaz, um tanto sem jeito, entrou fazendo um rápido aceno, como que se desculpando. Vendo os companheiros, pediu licença e encaminhou-se para perto deles.
- Onde ele está? – perguntou Shiryu.
- Está quase chegando! – respondeu Seiya, entusiasmado.
- Se não houver mais interrupção...- o juiz sublinhou a última palavra - ...Podemos dar início ao julgamento!
O silêncio reinou no ambiente.
- Pois bem! – suspirou – Senhor Megarous queira, por favor, apresentar sua queixa!
Jango, trajando-se formalmente, a moda dos gregos, levantou-se relanceando os olhos a Shun, que acompanhava seus movimentos.
- Estou aqui para acusar este rapaz, Shun Amamiya, de ter roubado uma carta de minha posse cujo conteúdo referia-se as novas reservas de chumbo e ao horário de troca de guarda nos locais, sem falar nos nomes dos proprietário envolvidos!
- Mentira! – a voz de Shun atroou no recinto
- Senhor Amamiya...- chamou o juiz - ...Tem o direito de permanecer calado...
- Mas...
- ...E saiba que tudo que disser será usado contra o senhor!
Shun corroborou. Jango, embora sem êxito, tentou disfarçar o sorriso de satisfação.
- Então, senhor Megarous, trouxe-me provas? – perguntou o juiz, voltando-se para Jango.
- Sim! Tenho aqui comigo além da carta uma testemunha! Permite-me chamá-la?
O juiz assentiu. Todos voltaram-se para ver o homem robusto, careca e com ar de enfado que caminhou pelo recinto segurando o chapéu gasto com as duas mãos.
- Tatsume, seu canalha! – berrou Hyoga, levantando a multidão.
- Ordem! – gritou o juiz – Aproxime-se!
Tatsume obedeceu, aproximando-se com passos lentos, enquanto fitava o olhar surpreso de Shun.
- Foi o senhor que encontrou a missiva?
A voz grave do juiz o fez voltar-se para ele.
- Sim, senhor!
- E poderia nos dizer onde estava?
Perguntou Jango, em tom irônico, virando-se para os presentes. Tatsume olhou para Shun e este, encarando-o, não acreditava no que via.
- Estava embaixo do travesseiro! – disse, nervoso.
- De quem? – indagou Villefort.
- Tatsume...- Shun murmurou.
O velho cavalariço dos irmãos levantou os ombros como em apelação, disparou:
- Dele! – e apontou em direção do jovem de cabelos verdes.
- Mentiroso! – explodiu Seiya.
A comoção foi geral. Alguns dos presentes protestaram em favor do jovem, excitados pelos companheiros deste, os outros, trajados ricamente, apoiavam a Jango.
- Silêncio! – gritou Villefort – O próximo que se manifestar será detido sob o peso da lei!
Novo silêncio.
- Senhor Amamiya... – a voz do juiz tornou-se grave a ponderada - ...O que tem a dizer sobre a acusação?
- Eu sou inocente!
Jango, pela primeira vez, deu uma estrondosa gargalhada, relanceando os olhos a Shun e depois ao velho e sereno juiz, que o fitava por cima dos óculos.
- Mas isso é ridículo! – bradou.
- Eu sou inocente! – sentenciou Shun.
- Tem como provar? – o juiz o encarou.
- Claro que não! – interrompeu Jango – Uma vez que o próprio criado o entregou!
- Confesso que tudo leva a crer em sua culpa! – concordou o juiz.
- Esta carta nunca esteve em minha cama! – Shun, desesperado.
- Está me chamando de mentiroso? – Jango o encarou.
- Eu não a roubei! – Shun segurou seu olhar – Se ela por acaso foi parar lá, outra pessoa a colocou!
- Tem inimigos que quereriam prejudicá-lo? – indagou o juiz.
- Não que eu saiba!
- Bem...- o juiz suspirou - ...Por falta de provas em favor da defesa, eu declaro que Shun...
- Meritíssimo!
Naquele momento a porta abriu-se com um forte rangido de madeira seca e pesada. Todos os olhares voltaram-se para o recém-chegado. Um rapaz alto, robusto, de olhos azuis profundos, cabelos no mesmo tom, levemente rebeldes, caminhou determinado até a frente do velho Villefort.
- Eu protesto! – disse, com voz grave e pesada.
- Bem na hora! – cochichou Seiya a Shiryu.
- Será que ele conseguiu? – perguntou Hyoga, apreensivo.
Shiryu fez um gesto para que ele se calasse.
- Quem é o senhor? – indagou o juiz, com olhos perscrutadores.
- Ikki Amamiya, irmão mais velho desse rapaz a quem acusam injustamente!
- Meritíssimo! – Jango interveio, indignado – Agora permite que qualquer um se intrometa em seu tribunal?
- Assim como você, Jango...- Ikki virou-se para o homem, com semblante feroz - ...Sou também um proprietário e, portanto seu igual!
- Há uma grande diferença entre nossos sangues... – Jango o encarou com fúria - ...Mesmo que você fosse mais rico que eu, em minhas veias corre sangue nobre enquanto que você, filho de um carpinteiro, teve apenas a sorte de encontrar algumas pedras de ouro de origem duvidosa!
- Por que você não pega sua riqueza e compra um pouco de dignidade, Jango! Quanto será que custa um pouco de honra? Entre você e uma cortesã, não sei quem é a prostituta!
- Você é tão nobre quanto eu sou plebeu!
Jango esbravejou e desferindo aquela sentença, lançou ao rosto do oponente um jato de saliva. Ikki descontrolou-se. Partiu para cima de Jango e certamente o teria matado, se não fosse a voz grave e ponderada do juiz as suas costas.
- Se os dois não se conterem, colocarei ambos no xadrez!
Jango, liberto das mãos de Ikki, ajeitou o paletó.
- E agora meu rapaz... – o juiz fitou Ikki - ...Queira dar-me um bom motivo para ter entrado em meu tribunal desta maneira antes que eu o mande prender!
Ikki, revirando os olhos para Jango, com uma fúria contida, levantou a mão em cujos dedos estava um envelope.
- O senhor me agradecerá, pois aqui está o verdadeiro culpado!
- E quem o senhor acusa?
- Ele!
E, apontando para Jango, atirou sobre a mesa a carta. Shun estreitou a visão do irmão para a missiva e um estremecimento de comoção pôde ser sentido da multidão.
O juiz, fitando ora Ikki ora Jango, pegou do papel e pôs-se a examiná-lo.
- Como ousa acusar-me, maldito? – rosnou Jango.
- Você pagou o Tatsume para que mentisse hoje, aproveitando-se de sua dificuldade financeira!
Ikki falava compassado e o tom de sua voz tornava-se cada vez mais ameaçador a medida em que a erguia. As colunas lhe faziam eco.
- Ora, seu...
- Essa carta jamais existiu!
- Como?! Ela está aqui nas minhas mãos!
- Você a forjou! – Ikki decretou.
- Tem como provar? – interrogou o juiz; Ikki o encarou.
- Sim!
E caminhando em direção a porta, sob os olhares surpresos de todos, rodou a pesada maçaneta. Uma moça alta, de longos cabelos loiros e vestida humildemente, entrou no recinto com olhos fortes, porém levemente amedrontados. Ikki a guiou até a bancada.
- Qual o seu nome? – indagou o juiz.
A moça relanceou os olhos a Ikki, como que pedindo-lhe proteção e depois, voltando-os para o patrão, que a encarou mordaz, respondeu decidida.
- Me chamo June Denopoulos!
- E o qual sua participação neste caso? – retrucou o juiz.
- Eu fui encarregada de levar 2 mil dracmas ao senhor Tatsume ontem mesmo!
- Cale-se!
Mas antes que Jango pudesse dar um passo, Ikki interceptou seu caminho.
- Continue! – pediu o juiz.
- Ele, então, me entregou o dinheiro e esta carta que o senhor tem nas mãos!
- A senhorita leu o conteúdo?
- Não, senhor! – envergonhada – Não sei ler!
- Sua... – Jango inflamou-se, mas Ikki fazia-lhe frente.
- Esta carta contém informações valiosas! – informou o juiz.
- Acho que agora pode soltar meu irmão! – declarou Ikki.
O juiz suspirou. Não contava com aquilo Retirou os óculos e com um forte arranco, decretou:
- Shun Amamiya deve permanecer na prisão até segunda ordem!
- Mas...- Shun levantou-se sobressaltado.
- Isso é um absurdo! – gritou Ikki.
- Absurdo ou não este é meu tribunal e quem dá ordens aqui sou eu, senhor Amamiya!
- O senhor já tem provas que meu irmão é inocente! – Ikki cerrou os punhos.
- Seu irmão é inocente se eu disser que é! – refutou o juiz – E se não lhe quiser fazer companhia, sugiro que deixe de se meter em assuntos que não são da sua conta, pode descobrir o quanto são perigosos! – completou em tom ameaçador.
- Não tenho medo de ameaças! – Ikki segurou seu olhar.
- Você ainda é muito jovem!
E levantando-se, recolheu os papéis em cima da mesa. Ikki mordeu os lábios de ódio e voltou-se para acompanhar a saída do irmão.
- Shun! – gritou, caminhando até ele, abrindo caminho entre os guardas.
- Obrigado pela ajuda, irmão! – disse este.
- Eu vou tirá-lo de lá! Eu prometo!
- Eu sei! – Shun abriu um sorriso e piscou um olho para o irmão – Acho que está na hora do Fênix agir! – sussurrou antes de ser arrastado.
Na porta, relanceou os olhos ternos para a singela moça que o havia ajudado. Ela o fitou, consoladora. Mas dois guardas, que o seguravam pelos braços, o arrastaram dali.
Hyoga, Shiryu e Seiya aproximaram-se de Ikki, que fervilhava por dentro. Os quatro encaminharam-se para fora.
- O que faremos? – indagou Hyoga
- Vocês, nada! – disse Ikki
- Você disse que não mais pretendia... – Seiya principiou.
- Foi um erro achar que esta cidade pudesse praticar a justiça sozinha!
- Justiça? – Shiryu ironizou – Quem sabe podemos comprar um pouco!
Ikki lhe lançou um olhar cínico pelo uso de suas palavras. Sorriram.
- Ei, Amamiya!
A voz de Jango, calma e pausada, fez-se presente por trás dos rapazes, fazendo-os voltarem-se.
- Ainda acertarei com você as injúrias que me tem feito!
- Por que não agora, Megarous? – desafiou Ikki, sentindo-se ferver.
Houve um silêncio onde apenas o barulho do vento preencheu o ambiente. A mão de Jango encostou no cano da espada a fim de tirá-la, mas antes que fizesse qualquer movimento, a ponta da espada de Ikki já se encontrava em sua garganta.
- Tentemos de novo, Jango! – retrucou, encarando o adversário, que engoliu em seco.
Jango retrocedeu e com um olhar de cólera, virou-se.
- Ainda teremos nosso dia!
- Mal posso esperar! – respondeu Ikki, guardando a espada.
E ao longe, os quatro companheiros viram o nobre proprietário arrastar, com violência, a pobre criada, que aflita, tentava em vão safar-se de seu futuro, certamente, doloroso.
- Isso precisa de um fim! – comentou Seiya.
- E terá, pelas minhas mãos, mas no momento certo! – disse Ikki, preparando-se para ir embora.
- Senhores?
A voz fraca e enrouquecida de Tatsume aproximou-se deles. Ikki o encarou com fúria.
- Traidor! – rosnou Hyoga.
- Eu não tive escolha! – tentou defender-se.
- Sempre há uma alternativa! Por que não nos contou? – interrogou Ikki.
- Eu...- arquejava.
- Você quase mandou meu irmão para a forca! Eu devia matá-lo!
Ikki saiu, caminhando a passos rápidos pelo chão de terra batida. Os outros três correram para alcançá-lo.
- É preciso ficar de olho nele! – recomendou Seiya.
- É um pobre coitado mercenário! – resmungou Ikki.
Naquele momento, o som de cornetas atroou pelas ruas. Pessoas começaram a correr em direção ao porto.
- O que é isso? – indagou o jovem de cabelos azuis.
- O novo governador! – respondeu Shiryu. – Acabou de chegar para assumir o posto!
- Corja de corruptos! – bradou Ikki – Vamos, que esta noite o Fênix retornará!
- É como eu digo...- sorriu Seiya - ...Aonde não vai o poder da lei, vai a espada de Fênix!
O.o.O.o.O
Os pequenos pés, calçados em sandálias de couro que amarravam nas panturrilhas torneadas, cobertas de suavíssima penugem, tocaram de leve aquela areia alva, salpicada de escuma.
Erguendo, com as delicadas e finas mãos de dedos aquilinos e frágeis, as saias do vestido, cor de trigo, que usava, caminhou em direção ao séqüito que viria recebê-los.
Os belos olhos verdes, entrecortados pelos fios do cabelo longo e loiro, fitavam, maravilhados, a movimentada cidade de Atenas, adormecida ao sol, e abrindo um gentil sorriso, suspirou forte o ar puro que lhe descia como bálsamo.
Atrás de si, sua criada seguia-a apressada, carregando uma pequena sacolinha vermelha:
- Senhorita! Senhorita!
Mas ela não ouvia, tão encantada estava com as belezas da cidade onde iria começar vida nova.
- Não é lindo! – suspirava – É tão mágico!
E levava as mãos à face abrasada pelo vento.
- Sim, senhorita Esmeralda! É deveras lindo!
Naquele instante, um homem alto, robusto, de cabelos ligeiramente grisalhos e trajando-se com nobreza, caminhou solenemente e de maneira um tanto rude, em direção ao grupo de nobres parados ao pé do porto.
A sua aproximação, os homens, também vestidos com pompa, de acordo com a hierarquia dos títulos que carregavam em forma de condecorações pregadas nas casacas, curvaram-se perante ele, o novo governador da região.
- Seja bem vindo! – falou um deles.
- O povo de Atenas lhes dar graças, senhor conde Guilty Lonikus!
- Menos bajulação e mais eficiência! – bradou asperamente o conde.
Os homens ergueram-se com afetação, entreolhando-se.
- Decerto o transporte de minhas coisas já foi providenciado!
Perguntou Guilty, observando os vários coches parados ao longo da rua.
- Sim, senhor Guilty! – sorriu um marquês – Estará tudo em vossa moradia em alguns instantes!
- Assim espero! – e revirou os olhos em volta.
- Algum problema, senhor? – Guilty fitou o homenzinho que o interrogou, com rispidez.
- Minha filha desapareceu!
- Senhor, com certeza... – o homem tentou balbuciar.
- Você!
E Guilty, andando de encontro a criadinha, que tentava sustentar algumas malas nas mãos, bradou:
- Onde está minha filha?
A moça, exasperada, olhou para todos os lados antes de deixar cair as sacolas:
- A menina desapareceu, senhor!
- É mesmo? – irônico.
- Estava aqui agora mesmo...
- E o que você está fazendo aqui que ainda que não foi procurá-la? – o tom de Guilty era feroz.
- Sim, senhor!
E apressadamente, a pobre mocinha abandonou a tarefa e abalou-se pelas ruas atenienses em busca da fugitiva.
- Menina dos diabos! – berrou Guilty, caminhando de volta ao séqüito – Mau chega já se mete em encrenca!
- Algo em que eu possa ajudá-lo, senhor?
Ofereceu-se um homem bastante gordo, com várias medalhas no peito.
- Que os deuses permitam que você não tenha filhas!
E saiu apressado a fazer despachar as malas, berrando aos quatro ventos, enquanto o grupo de nobres fitavam-se.
- Por Zeus!
Ali, em meio a uma roda de ciganos, dançando como se fosse uma mulher comum, estava Esmeralda, a erguer o vestido e sapateando ao som da viola flamenca, em companhia de um homem que batia as mãos fortemente, ao compasso da dança.
A jovenzinha levou as mãos à boca quando viu a patroa roçando-se ao rapaz, despudoradamente e corando, levantou o vestido e andou desabalada na direção da ovelha desgarrada.
Mas tão distraída ia que, afogueada pelo temor do patrão presenciar aquela cena, que não reparava nos transeuntes. Foi de encontro a um jovem, tão fortemente, que o derrubou por cima de uma bancada de maçãs.
- É cega?
Gritou Hyoga, apanhando o chapéu.
- Perdoe-me, senhor!
Resmungava Eiri, limpando-lhe as vestes com espalhafato, envergonhada pela falta de atenção.
- Mas o senhor também...
E então olharam-se e tudo pareceu ter paralisado. Os olhos azuis do rapaz abriram-se desmesuradamente, juntamente com a boca, enquanto os olhos dela, também azuis, baixavam brilhantes. Ele retirou o chapéu.
- Com licença...
E fazendo um rápido e desajeitado cumprimento, Eiri saiu apressada em direção a patroa, que agora também tamborilava as mãos com fervor. Hyoga, de longe, lambeu os lábios de satisfação:
- Isso tudo é uma criada?
Esmeralda, sorrindo, fazia esvoaçar o leve vestido quando rodopiava, expondo suas grossas e bronzeadas pernas, para lascívia de uns e encantamento de outros.
- Posso saber como se chama? – perguntou o rapaz amorenado, com um leve sotaque espanhol.
Ela corou e com um sorrisinho, espalmou as palmas das mãos uma contra a outra:
- Senhorita!
A voz da criada a fez estacar.
- Seu pai a espera!
- Ah, Eiri! Estou a gostar tanto daqui!
E relanceou um olhar ao rapaz, que lhe retribuiu com um sorriso faceiro.
- Senhorita, por favor! Se eu aparecer sem a senhorita ele me mata! – desesperava-se a jovem.
- Está bem!
Suspirou Esmeralda, voltando-se para o jovem e acenando-lhe um adeus.
- Você é uma desmancha prazer! – completou, acompanhando a criada.
- Ah! – exclamou Guilty de cara fechada – Aonde estava, cabeçudinha?
Esmeralda, com a cara mais angelical que conseguiu fazer, aproximou-se do pai:
- Conhecendo a cidade!
- Não te quero metida com estes bárbaros! – esbravejou Guilty.
- Sim, papai! –concordou Esmeralda – Serei boazinha!
- Vamos! Vamos para casa!
- Senhor...
Chamou o marquês, que acompanhava pai, filha e criada até a carruagem.
- O que quer? – rosnou Guilty.
- Esta noite teremos uma bela festa para recebê-lo, no palácio da justiça! O senhor Megarous quem a idealizou!
- E quem é este? – indagou o governador com enfado.
- Um dos homens mais ricos da cidade!
- Bah!
E dando de ombros, Guilty dirigiu-se para o coche, acompanhado da filha e de Eiri. Sorrindo, Esmeralda cruzou os dedos:
- Uma festa, Eiri! Quero ficar bem bonita!
- Mas você já o é!
Respondia a criada, sorrindo ante a excitação da companheira. Esmeralda suspirou e aconchegou-se perto do pai, que fungou de cara fechada, fazendo-a afastar-se e apoiar a cabeça na almofadinha.
Guilty acendeu um charuto e pôs-se a fumar tranqüilamente. Foi quando, ao dobrarem numa esquina, através do vidro da portinhola, Eiri pôde avistar o jovem loiro em quem esbarrara. Ele também a havia reconhecido.
- O que foi? – perguntou Esmeralda ao notar a palidez da outra.
- Nada! – disfarçou Eiri – Deixe está!
O.o.O.o.O
- Ikki!
Shiryu, andando a passos largos, entrou no quarto onde o mais velho dos Amamiya costumava ficar. Naquele momento, Ikki preparava a roupa do Fênix, o cavaleiro mascarada que lutava pela justiça e ajudava os fracos e oprimidos.
- Ikki!
- Sim?
- O Shun será libertado a noite!
Ikki parou o que estava fazendo, encarando o amigo. Perguntou:
- À noite? Nunca vi libertarem um homem à noite!
- Também achei estranho! – concordou Shiryu.
- Isso está me cheirando a armadilha!
- Mas qual? – perguntou o rapaz de longos cabelos negros.
- Acho que pretendem matar meu irmão!
- Isso é horrível!
- O fato Shiryu...- Ikki o encarou - ...´´E que não irão conseguir!
- Já sabe como irá agir?
- Tenho tudo planejado! – respondeu Ikki.
- E quanto ao baile?
- Que baile?
- O do governador! Todos os proprietários devem comparecer! – Shiryu cruzou os braços.
- Que me importa o baile! – Ikki falou irritado – Penso apenas na vida de meu irmão e em nada mais! Agora, deixe-me só!
- Ok! – suspirou Shiryu – Se precisar... – saiu.
Ikki olhou para a roupa preta em cima da cama: calça, camisa, uma capa com capuz e aquela máscara negra, que lhe cobria a face do nariz para cima e que tantas vidas salvou. Tudo negro. Prometera a si mesmo que não voltaria a encarnar o Fênix, mas agora, passado um ano, era a hora do cavaleiro mascarado voltar.
Pegou do medalhão que trazia ao pescoço, com o símbolo da ave imortal talhada em auto relevo, e a apertou forte na mão.
- Como estou?
Eiri fitou aquele pedaço de menina moça, desabrochando em um vestido simples, de saia cinza e corpete negro. Sem mangas e com um decote generoso que lhe expunha o começo do lácteo busto, apertado no espartilho. Sorriu.
- Nem preciso responder! Está linda!
- Venha! – Esmeralda sentou-se em frente ao toucador, entusiasmada – Ajude-me a me pentear!
E pacientemente, Eiri ajudou-a a soltar languidamente os belos cachos dos cabelos sedosos e que haviam sido presos como tufos no alto do couro cabeludo. Esmeralda olhou-se no espelho e abraçando-se a criada, prorrompeu em sorrisos:
- Vou já lá para fora! – e correu para a saída.
- Menina! – Eiri a seguiu – E o seu pai?
- Ele ainda não está pronto! – berrava, andando em direção ao portão.
- Mas se ele...
- Não vou demorar, Eiri! – fechou a pesada grade – Estou sufocando ai dentro! Preciso de ar!
- Ela não tem jeito mesmo!
E batendo o pezinho, encaminhou-se aos seus outros afazeres.
A noite estava deliciosa. Uma brisa suave e fresca roçava levemente pela cidade. Esmeralda caminhava devagar, parando, examinando, admirando a bela paisagem grega, tão escultural, tão diferente da ilha árida onde crescera. Suspirou:
- Queria que estivesse aqui, mamãe!
E apertava nas mãos o delicado medalhão que ganhara de seu pai quando tinha apenas 7 anos. Segundo ele, um presente que ele a havia dado no dia do casamento e que ela lhe deixara ao morrer. Em seu centro uma pedra verde brilhava, a pedra que lhe havia dado o nome: Esmeralda.
- O que é isso?
Naquele momento, uma mulher esbarrou-lhe fortemente, caindo-lhe aos pés. Parecia nervosa e tinha os olhos enlouquecidos. Esmeralda levantou-a pelas mãos.
- Senhorita... – chamou - ...O que houve?
- Vão matá-lo! – gritou a mulher.
- Matar quem? Quem vão matar?
- O menino! Ele vai matá-lo, senhorita!
June torcia as mãos. Esmeralda, agarrando-lhe pelos ombros, tentava acalmá-la:
- Escute, sou a filha do governador... – dizia - ...Diga-me exatamente o que está acontecendo!
- Filha do governador? – June a fitou, esperançosa.
- Sim, agora...
- Peça para seu pai ajudá-lo!
- Senhorita...
- Eu preciso ir, eu...
E desajeitadamente, June abalou-se elas ruas, desviando-se das pessoas. Esmeralda, mesmo sem entender, seguiu-a na corrida.
- Amamiya?
Shun abriu os olhos, amparando a visão com a mão para poder ver quem o chamava. Era um dos guardas responsáveis pela sua vigília.
- Sim?
- Você está livre, venha!
E com uma chave grossa, começou a abrir o portão.
- Livre? – Shun levantou-se – À esta hora?
- O juiz Villefort deu ordens de soltá-lo!
- Agora? – estranhou – Passa das dez!
- Ora, meu rapaz! – exasperou-se o guarda – Você é solto e ainda reclama? Venha!
Shun, desconfiado, seguiu o soldado ao longo do corredor que dava para o portão principal. Parou:
- O que foi? – indagou o policial.
- Eu prefiro sair amanhã! – respondeu.
- Ora, deixe de tolice!
- Isso deve ser alguma cilada!
- Você acha que o conduziria a algum mal?
- Você não, mas sabe-se lá o que me espera lá fora!
- Vim de lá agora mesmo, asseguro-lhe que está tudo em paz! Vá com os deuses!
Shun escutou o portão fechar-se atrás de si. Tudo parecia calmo. Arriscou alguns passos, mas a voz firme de June o fez voltar-se em sua direção no exato momento em que um tiro, desviado de seu curso, lhe atingia o braço.
Shun caiu ao chão, tendo a cabeça amparada pela mão da jovem que pela manhã o havia ajudado. Esboçou um sorriso de agradecimento. Ajoelhada ao lado, Esmeralda levava as mãos à boca, mas o barulho de espadas entrecruzando-se, chamou a atenção dos três.
- Leve-o daqui! – ordenou Esmeralda.
June ajudou Shun a levantar-se e este, apoiando-se nela, foi arrastado para um local seguro. Na amurada, em cima da entrada da prisão, pela qual se subia por uma escadinha, um homem coberto de preto lutava ferozmente contra outro que, por um forte golpe, havia deixado cair a pistola.
- Ataquem! Ataquem!
Um grupo de policiais de espadas de desembainhadas, amontoaram-se embaixo, disparando alguns tiros que nada atingiam. Como que grudada ao chão, Esmeralda assistia a tudo, completamente atônita.
- É ele!
Um guarda apontou a figura de negro que livrara-se do atirador e de mais dois policiais rapidamente, dando um forte assobio. Um cavalo, também de pelagem negra, apareceu do nada ante os olhos espantados dos soldados e o homem misterioso, de um salto, encontrou-se acomodado na cela do belo animal.
- Impossível! – murmurava ela.
- Peguem-no! – bradava os guardas – Não deixem o Fênix escapar!
O desconhecido esporeou o cavalo com força, cruzando a espada contra as dos policiais. Era incrível vê-lo, sozinho, livrar-se tão velozmente e com grande habilidade, das dezenas de homens que o rodeavam, pressurosos. Foi quando um forte golpe conseguiu derrubá-lo da cela.
- Cuidado!
Esmeralda, perplexa, berrou como se quisesse adverti-lo contra uma estocada prontamente amparada por ele. A luta debandava-se agora para o seu lado, mas mesmo assustada, olhava para todos os lados sem, no entanto, conseguir dar um passo sequer. Aquele homem de negro a prendia como que por encanto.
- Ele é um só! – atiçava um dos guardas – Não o deixem escapar novamente!
Então ela virou-se no mesmo momento que sentiu o combate atrás de si. Naquele mesmo instante, o cavaleiro, que também virara-se para ela, amparando pelas costas um golpe violento que lhe teria fendido a coluna, bateu-se sobre a jovem, derrubando-a no chão e ficando ele, por sua vez, sobre a mesma, no exato segundo em que uma espada passou, ranhenta, sobre onde deveriam estar suas cabeças.
- Ora, mas o que...
E apressado, tentou levantar-se, sem nem ao menos dá-se conta da figura que tinha debaixo de si e que quebrava toda a harmonia de uma guerra. Mas ao tentar erguer-se, Ikki foi puxado novamente para baixo, sentindo uma dor no pescoço, seu rosto roçando-se pelo rosto assustado da moça. Seu medalhão havia se enroscado no dela.
- Seu atrevido!
Aterrou Esmeralda, que balançando as correntes a fim de soltá-las, só as fazia prender-se mais. Impaciente, Ikki levantou-se, puxando-a com ele, uma vez que estavam presos um ao outro pelos cordões.
- Parados!
Ambos olharam ao mesmo tempo. Um grupo incontável de homens fizera-se presentes, de repente, diante deles, todos com suas espadas em punho. Ikki e Esmeralda entreolharam-se e ele, colocando seu braço em torno da esguia cintura da jovem, puxou-a fortemente para si, os hálitos confundindo-se:
- Senhora... – disse fitando-a - ...Me permite puxar a espada?
- Está brincando comigo? – indagou ela, nervosa.
Ele sorriu cínico.
- Acho melhor segurar-se firme! – comentou, notando a bela mulher que tinha em seus braços.
- Lembre-me de esganá-lo quando isso acabar!
O.o.O CONTINUA O.o.O
