Loucura, por Elyon Somniare
Capítulo I – Companheiros de viagem

Era um som poderoso e único, esse, o do bater de asas dos dragões. Galbatorix observou com desdém as terras que ele e os amigos sobrevoavam. Quão abaixo do seu poder estavam aquelas infelizes criaturas... Sem os Cavaleiros não eram nada. Dependiam deles para sobreviverem e se salvaguardarem. Os Cavaleiros deveriam explorar melhor isso, de certo modo, Galbatorix considerava que os Cavaleiros eram bondosos demais. Davam tudo sem nada receber em troca salvo a inútil gratidão.

- Os Cavaleiros deveriam dominar neste Mundo.

- E não dominam? – retorquiu Gareth, o dragão que o escolhera como seu Cavaleiro. – Cuidado com a ambição.

- Sem ambição não levantamos os pés do chão – resmungou Galbatorix. - E se dominássemos este Mundo, estaríamos a reinar nele e não a voar sobre ele.

- Não vou discutir outra vez contigo sobre isso. Com o tempo tornar-te-ás mais sábio e dar-me-ás razão. Os Cavaleiros não foram moldados para reinar mas sim para proteger. Não queiras fazer mais que o teu papel, isso nunca resultou em bem.

- Ora!

- Talvez seja altura de pararmos? – sugeriu um dos companheiros de Galbatorix. – A minha dragão já está um pouco cansada e eu estou com uma fome que era até capaz de comer as folhas de uma árvore.

- Estamos a sobrevoar um território de Urgals, Cáspian – respondeu Gwydion, o outro companheiro de viagem. – E com certeza que tu, drag...

- Siena – corrigiu Cáspian. Gostava de dizer "a minha dragão", mas preferia que os companheiros a tratassem pelo nome.

- Seja. Com certeza que tu, Siena, concordas comigo e com o Balin em como é má ideia pousarmos aqui.

- De certeza que é assim tão perigoso? Sinto-me a desfalecer... – murmurou Siena.

- É perigoso – respondeu Balin, o dragão de Gwydion. –E Gareth deve concordar comigo.

- Eu concordo – retorquiu Gareth. – Galbatorix é que não.

- Como é que tu e o teu humano estão em desacordo em tantas questões? Isso não era suposto acontecer!

- Pões em causa a minha escolha, Siena?

- Não, só estranho.

- Galbatorix ainda tem de amadurecer. Apenas isso. Deixa-o tornar-se sábio e verás como não poderá haver Dragão e Cavaleiro mais unidos que nós dois.

- Assim espero – respondeu Balin. – Mas quanto à paragem?

- Deixa-os decidir – sugeriu Siena. – Têm de aprender a tomar as decisões certas por si só, não?

- Assim seja – concordou Balin.

- Galbatorix? – chamou Gareth.

- Sim? Estiveram a debater se aterrávamos ou não? Demoraram um pouco...

- Decidam vocês. Mas façam-no com sabedoria.

- Partindo do principio que a Siena e o Balin falaram com vocês sobre a decisão deles, voto em pousarmos.

- Galbatorix!

- Disseste para decidirmos por nós mesmos!

- Sim, mas com sabedoria.

- Já não sou um aprendiz. E se não queres parar porque não dizes logo que não em vez de estares com "decidam por vós mesmos"?

- Como queiras.

- Eu e a Siena concordamos contigo – acentiu Cáspian. – Gwydion? Balin?

- A ideianão nos agrada mas estamos em minoria e se continuarmos nisto quando dermos conta já demos a volta até às Beor!

- Todos de acordo, então – concluiu Galbatorix, satisfeito. – E que pode um mísero bando de Urgals contra nós, poderosos Cavaleiros com os seus dragões?

- Podem muito...

- Não sejas chato, Gareth. Não fui eu o mais forte de todos os aprendizes? Não ascendi rapidamente entre os Cavaleiros? Tenho poder suficiente para nos proteger dos Urgals.

- Tens? Não quererias dizer "Temos"?

- Isso.

- Galbatorix, Galbatorix... Nunca menosprezes um adversário. Mas como disse Gwydion, se ficarmos a discutir nunca mais nos decidiremos. Vejo uma clareira suficientemente grande para nos albergar aos três.

- Óptimo. Poisemos.

- Gareth descobriu uma clareira onde podemos parar.

- Balin também a viu – retorquiu Gwydion.

Em menos de um sopro, os dragões executavam a manobra necessária à aterragem. Galbatorix não pode deixar de pensar o quão belo o espectáculo deveria ser quando visto por baixo. Ah, o inigualável que era voar!

Com um leve solavanco, Gareth tocou o chão coberto de neve até aí imaculada, acompanhado pela aterragem suave e silenciosa de Siena e pela aterragem brusca e pesada de Balin.

- Uma fogueira vinha a calhar – comentou Cáspian. - Este sítio é gelado! A neve ainda nem derreteu sequer! Muito longe disso.

- Arranjem os paus que nós tratamos do fogo – retorquiu Siena, animada. Agora que parara o voo começava a sentir com mais intensidade o cansaço nas asas. Não queria imaginar se tivessem continuado.

- Vamos procurar galhos de árvores partidas para fazer uma fogueira – sugeriu Cáspian aos amigos. – A Siena, o Gareth e o Balin podem tratar do lume.

- O Balin não – corrigiu Gwydion. – Ainda não deita fogo. Não te encolhas. Hás de o fazer.

- Mas até lá...

- Até lá não és menos que os outros. Cada coisa a seu tempo e cada um a seu ritmo. Não devemos forçar nada. Apenas aceitar e fazer o nosso melhor.

- Gwydion!

- Que é?

- Algures nos últimos segundos deixaste de ser um aprendiz para ser um Cavaleiro a caminho da sapiência.

- Ora, não exageres!

- Pareço-te um exagerado?

- Para quê procurar galhos secos – respondeu Galbatorix a Cáspian, ambos alheios à conversa de Gwydion e Balin. – quando podemos arrancar estes sem andar muito?

- Não devemos arrancar nada que pertença à Terra sem que seja absolutamente indispensável. Aprendemos isso no nosso treino!

- Não estou a roubar a vida de ninguém, querido Gareth. E estamos todos cansados, parecemos-te em condições de andar por estes bosques cobertos de neve à procura de galhos secos? Ainda para mais quando há a ameaça dos Urgals?

- Não, não parecem – concordou Gareth. – E fico contente por ver que não estás a menosprezar aquelas criaturas.

- Pensaste que ia deixar de te dar ouvidos, Gareth?

- Temi que sim.

- Vamos... eu amo-te. E és sábio. Só um tolo não daria ouvidos a um dragão.

Gwydion e Cáspian, que entretanto tinham acatado a sugestão de Galbatorix, empilharam uma braçada de ramos arrancados ainda fortes e saudáveis da árvore mãe. Siena resolveu sozinha o assunto do lume, enroscando-se depois perto de Gareth.

- Ainda bem que pudeste fazer isso sozinha. Não me perdoaria se incendiasse ramos ainda vivos.

- São inanimados, Gareth.

- Talvez, mas não me sentiria à vontade...

- Pelo menos hoje temos calor e carne assada – comentou bem-humorado Galbatorix. – Não sabemos se teremos mais oportunidades.

- A ideia da viagem foi tua, meu caro amigo – respondeu Cáspian, rindo. – Agora tens de arcar com as consequências.

- E como fomos suficientemente doidos para o acompanhar, também nós temos de aceitar os azares da viagem – concluiu Gwydion. – Ouviram isto?

- Provavelmente um esquilo. Há muitos nestas bandas – sugeriu Cáspian.

- Um esquilo não cheira tão mal – retorquiu Galbatorix largando a carne e levando a mão à espada.

- Urgals!

- Acho que sim, Gareth, põe-te a postos...

- Já o estou.

Os minutos que permaneceram quietos e mudos pareceram-lhes longos. Nenhum deles retirava a mão das espadas, prontos a desembainha-las a qualquer momentos. Nenhum dos dragões abandonava a posição de ataque...

- Falso alarme – murmurou Gwydion, ao fim de vários minutos em alerta total. – Devia ser mesmo só um esquilo. Ou então foram espertos e puseram-se a andar.

- Ou foram ainda mais espertos e resolveram esperar até que nos deitemos a dormir.

- Tens razão, Balin. Sugiro que esta noite façamos turnos.

- Concordo – anuiu Galbatorix. – Não confio nestes bosques nem nestas criaturas.

- Se assim é – começou Cáspian, embainhando a espada ao mesmo tempo que se sentava e recomeçava a refeição interrompida – ofereço-me para o primeiro turno. Acordo o Galbatorix lá pelas duas da manhã e a partir das quatro fazes tu, Gwydion, a vigília?

- Sim. Pode ser assim.

- Não gosto disto. Devíamos ir já embora.

- Mas Balin, está a anoitecer e não conseguiríamos voar durante a noite com este tempo! Ainda éramos apanhados por uma tempestade de neve e contra as forças da Natureza não podemos nada.

- Tens razão, Gwydion, mas não me agrada à mesma...