Haruno Sakura esperava, impaciente, tentando não esbarrar as asas em nada nem se mover muito rápido, para não perder seu halo, enquanto Namikaze Minato fazia seu discurso inaugural do outro lado da cortina.

– Muitas são as comparsas de carnaval, mas nenhuma como a Konoha's beneficent. Há cinco anos, nós resolvemos arrecadar fundos para as vítimas da guerra civil, mas queríamos fazer isso bem ao estilo de nossa cidade. Com o festival Santos e pecadores, que cresce a cada ano, conseguimos angariar milhares de dólares para vários projetos de caridade, e eu agradeço a todos pelo apoio.

Após uma rápida onde de aplausos educados, Minato continuou falando sobre o que tinham conseguido fazer, mas Sakura não prestava muita atenção. Ela conhecia muito bem a história da Konoha's beneficente, pois estava envolvida com eles desde o início. Namikaze Kushina era uma de mais longa data, e Minato era uma espécie de segundo pai. A sua mãe costumava fazer parte da diretoria. Portanto, conhecia aquela história. Mas precisava, no entanto, dar um jeito naquelas asas.

Como vou sentar com isso preso às minhas costas? Aquelas asas cheias de penas e pedras eram maravilhosas, mas muito pesadas.

Sakura franzia a testa ao tentar ajustar as tiras de suas sandálias, que eram altíssimas. Sendo honesta consigo mesma, ela parecia uma showgirl de Las Vegas, não uma santa.

Aquele era o baile dos Santos e Pecadores, que costumava beirar a cafonice certas vezes. No entanto, a pompa e o brilho da comparsa eram os responsáveis por atrair tanta gente aos eventos de caridade, que ganharam enorme popularidade em muito pouco tempo.

E havia mais de 300 pessoas reunidas ali, todas esperando, ansiosas, pelo anúncio do baile daquele ano. Seguindo as tradições das comparsas de carnaval, tais informações eram mantidas em segredo. Pelo que Sakura sabia, a cada ano só três pessoas conheciam o segredo. Minato, o chefe do projeto de caridade da Konoha's beneficent , Tenten a chefe de relações públicas, e a Sra. Sabaku no que confeccionava as fantasias para o baile.

Nem Sakura sabia o que aconteceria até a quarta-feira de cinzas. Mas tinha alguns palpites...

Ao contrário das comparsas tradicionais, que coroavam um rei e uma rainha, na Konoha's beneficent não havia tais postos. O santo e o Pecador eram escolhidos entre as celebridades locais e sua reputação tinha que combinar com o posto. Além do mais, as duas pessoas podiam ser do mesmo sexo.

Sakura postava que a dona de um Nightclub, Uzumazi Karin, que estava muito presente na mídia naqueles tempos, seria uma ótima candidata, mas Sakura não ficava atrás. Ainda que Karin pudesse ser popular nas votações, conseguindo muito dinheiro para a caridade, não era um ato egoísta afirmar que ela própria (Sakura) poderia ser ainda mais popular e arrecadar ainda mais dinheiro se comparada a Karin.

Ela não queria pensar nisso. Os pensamentos são os precursores de palavras e ações, e ela aprendera a manter a cabeça no lugar, pois dessa maneira evitava dizer ou fazer algo de que poderia se arrepender mais tarde. A questão aqui é arrecadar o máximo possível de dinheiro. Não importa quem será a vencedora.

Mas claro que isso também importava. A Pecadora (ou pecador) conseguira ganhar a coroa por dois anos consecutivos, mas aquele ano as honras seriam da Santa, pois Sakura se recusava a perder. Ela só perdera uma coroa na vida e ainda se lembrava do terrível gosto de ser derrotada no concurso de Miss Japão, vencido pela representante de Tokyo. Ela adorava a personalidade de Nanami, sem dúvida, e sabia que poderia ser uma ótima Miss Japão, mas mesmo assim perder era terrível.

Ela gostava de uma competição. Sua personalidade era muito forte. Claro que ninguém gostava de perder. Porém, no caso do Santos e Pecadores, sua natureza competitiva seria benéfica, pois a causa apoiada era justa e muito necessária.

Minato estava apresentando sua corte de Querubins: dez alunos de escolas secundárias locais escolhidos pela comissão de caridade para ajuda-la na arrecadação de fundos.

E chegara a sua vez. Ela respirou fundo, arrumou o vestido pela milésima vez e esperou.

– ... é um prazer apresentar aos senhores a Santa Haruno Sakura!

A cortina se abriu e vários flashes espocaram, vindos dos muitos fotógrafos reunidos bem na frente do palco. Por outro lado, uma grande onda de aplausos se levantou entre o público. Sakura ouviu o famoso assobio de sua irmã e olhou para a mesa onde a sua família estava.

Ao se levantar da mesa, uns 20 minutos antes, ela lhe dissera que precisava atender uma importante ligação, mas Ino piscara o olho para ela.

Sakura acenou para sua família e observou que as pessoas ao redor davam os parabéns a seus pais.

Ser escolhida como Santa era uma grande honra, e Sakura ficou tocada com os aplausos, pois demonstravam que muita gente a apoiava, que muita gente concordava que ela merecia o posto. Sakura ganhara muitos concursos na vida, levara para casa muitas coroas, mas aquele concurso era diferente. Não se tratava de ser linda ou popular. Aliás, o lado negativo de sua carreira era ser vista unicamente como uma mulher linda, mas vazia, sem substância. Ela passara anos lutando contra o estereótipo, tentando provas que havia algo mais em seu interior. Aquele sempre fora seu maior objetivo, e o halo em sua cabeça era a prova de que conseguira. Sua fantasia poderia ser cafona, mas o halo significava mais do que qualquer coroa.

E ganhar da Pecadora (ou do Pecador, seja lá quem fosse), seria a cereja no bolo naquele momento. Tudo o que ela queria era o troféu.

Sakura tirou o halo da cabeça, depositando-o com cuidado sobre o travesseiro de cetim azul que guardaria o halo da Santa e os chifres da Pecadora até que a competição tivesse chegado ao fim, quando a vencedora seria anunciada aos quatro ventos. Em seguida, sentou-se junto à sua corte e aplaudiu, educadamente, no momento em que a corte da Pecadora foi anunciada.

Minato respirou fundo e parecia muito agitado.

– Nossa pecadora deste ano, ou melhor, nosso Pecador, é uma escolha óbvia. E estamos muito orgulhosos ao saber que ele reservou um tempo em sua agenda para reinar neste evento tão importante para nós.

Quando ouviu que seria um Pecador, no masculino, Sakura achou que já tivesse perdido a aposta. Droga! Tinhas certeza de que seria Karin...

Mas não importa, ela pensou, pois estava preparada para enfrentar qualquer um, até mesmo um homem...

–... Uchiha Sasuke!

E o sorriso de Sakura ficou congelado. No mesmo instante, o público explodiu em ovação generalizada. Vocês só podem estar de brincadeira...

Ao entrar no palco, Sasuke viu de relance a expressão no rosto de Sakura e quase sorriu ao notar a mistura perfeita entre terror e fúria junto a um par de asas angelicais. Claro que ele entendia. Aliás, entendia perfeitamente, pois sentira o mesmo ao ouvir o nome de Sakura sendo anunciado como o da Santa, mas Sasuke contava com a vantagem de estar atrás das cortinas quando isso aconteceu.

Ele aceitara o convite para o bem dos gerentes do Konoha's beneficent, pois aquelas pessoas sabiam que Sasuke atrairia a atenção de toda a imprensa local. E sabiam também que tal atenção poderia ofuscar todos os outros eventos carnavalescos. O mais provável é que quebrassem todos os recordes de arrecadação de fundos.

Sakura parecia a ponto de partir para cima dele, mas a verdade é que sempre o encarava daquela maneira. Algumas coisas não mudam nunca, não importa quanto tempo a pessoa passe longe de sua terra natal.

Mas o show tinha de continuar e todo mundo esperava que os dois tomassem seus devidos lugares para que o jantar fosse servido.

Sasuke tirou os chifres de Pecador da cabeça e deixou-o ao lado do halo de Santa de Sakura. Isso feito, aproximou-se de Sakura, fez um aceno educado com a cabeça e esperou que ela retornasse o gesto. Lentamente, os dois seguiram para a mesa mais destacada do salão. Quando chegaram às suas respectivas cadeiras, a competição de festival de Santos e Pecadores foi oficialmente iniciada. Os garçons surgiram com as bandejas, e o público voltou a atenção às elaboradas saladas que estavam sendo servidas.

Sasuke inclinou o corpo na direção de Sakura e disse:

– Você vai arruinar três anos de tratamento dentário se continuar rangendo os dentes dessa maneira, Sakura.

Ela franziu a testa, mas finalmente parou de ranger os dentes.

Pegando sua taça de vinho, Sakura percebeu que estava vazia e resolveu pegar a taça de agua. Ele a observou com cuidado e deu de ombros antes que ela tomasse o primeiro gole. Conhecendo Sakura, sabia como ela estaria se sentindo.

– Eu diria: Seja bem-vindo de volta, mas...

– Mas não vai dizer – retrucou ele sorrindo -, pois não seria sincero.

– Na verdade... – disse ela -, com a recepção que você teve, seria um pouco redundante.

– Você está com ciúme por eu ter recebido mais aplausos? – Perguntou ele.

– Não! – retrucou ela, mudando de posição na cadeira. – Eu não nutro o vício da atenção.

– Não diga mentiras...

Sakura respirou fundo e seu sorriso ficou mais tímido.

– Pois saiba que algumas pessoas conseguem superar a adolescência.

Ele fingiu pensar por alguns segundos no que ela dissera, depois fez que não com a cabeça triste.

– Mas você continua sendo a mesma santa de sempre...

– E você continua sendo um...

Sakura parou de repente, tanto que Sasuke imaginou que ela tivesse mordido a língua.

Ela respirou fundo e engoliu em seco.

– Você deve estar muito orgulhoso por finalmente ver suas conquistas reconhecidas, certo?

– Sinto muito em frustrar suas expectativas, Santa Haruno, mas esses títulos não são referências de caráter.

– Sério? – perguntou ela, com uma expressão de inocência confusa estampada no rosto. – Você parece perfeito para o título que recebeu.

Essa foi a primeira alfinetada. Ele, com certeza, sabia que Sakura não deixaria a ocasião passar em branco. Mesmo tendo se vingado, os rumores e as fofocas tinham feito o seu trabalho. Todos acreditavam haver um grão de verdade naquela história toda... e tal grão nunca deixaria que a história morresse.

Sakura deve ter atingido um ponto fraco, mas ele nunca admitiria isso.

– Santa e julgadora! Você diversificou seu repertório.

– E acho que você também deveria diversificar o seu. Um pouco de decoro de sua parte seria bem-vindo, ainda mais depois de receber tamanha honra.

– De acordo com você, o que eu recebi não foi exatamente uma honra, certo?

– Você continua muito seguro de si, pelo que vejo – Disse ela. – Mas sua pose é ridícula, sabia? E você está ridículo nessa calça de couro, Sasuke. O que é isso? Estamos de volta a 1988?

Ele vestia uma calça parecida quando os dois foram apresentados.

– Eu concordo. A calça é horrorosa. Muito anos 1980... Mas acho que funciona para o personagem.

Sakura sorriu. Dessa vez, seu sorriso foi real. Mas fora dirigido ao garçom que lhe servia vinho. Quando o homem foi embora, o sorriso desapareceu de seu rosto.

– Eu não sei no que Minato estava pensando – resmungou ela, mexendo em sua salada. – O Santo e o Pecador devem ser representados por celebridades locais.

– Eu sou um homem comum, Sakura. Eu sou tão local quanto você.

– Você era local – corrigiu-o ela. – Agora é internacional. Você passa mais tempo fora do que aqui nesta cidade.

Ele mudou de posição na cadeira, tentando ficar confortável, mas as enormes asas negras presas às suas costas dificultavam o trabalho. Ele não entendia muito bem aquela história de Santos e Pecadores, mas a sra. Sabaku no caprichara na fantasia de Lúcifer. Na verdade, ele parecia um grande corvo.

– Quer dizer que você não gosta das exigências do meu trabalho? – Perguntou ele.

Sakura tentou jogar os cabelos para trás dos ombros, mas as asas impediram o movimento, criando ondas de inspiração artísticas em suas asas.

– Eu sou contra a criação de uma competição injusta.

Exceto pelos cabelos rosados, Sakura poderia passar perfeitamente por um anjo... seus olhos eram verdes; sua pele, macia; suas feições, elegantes. O fogo em seus olhos, no entanto, passava longe de ser um traço angelical... A irritação deixou seus movimentos muito duros, um pouco desconcertados.

– Quer dizer que a competição é injusta? – Perguntou ele.

Com um movimento decidido, ela finalmente conseguiu se livrar de uns fios de cabelo caídos sobre o rosto. Nesse momento, um pedaço da asa caiu no chão. Sakura olhou para baixo e os olhos de Sasuke seguiram os seus, depois pousaram em seu rosto. A boca de Sakura era linda; seus lábios, fartos, delicados. Porém, quando ela os abriu, quebrou o encanto.

– Suas fãs e seus amigos famosos vão encher os cofrinhos e você será o vencedor – disse ela.

– Mas a questão aqui é encher os cofrinhos, certo? – perguntou ele. – A questão é conseguir levantar um bom dinheiro.

– Claro que isso é o mais importante – disse ela novamente trincando os dentes. – Porém, sua vantagem é grande demais. Ninguém poderia competir com você.

Ele sorriu e disse:

– Fico feliz ao ver que, por fim, você admite isso.

– Eu só estou querendo dizer que... que eu sou daqui, que sou desta cidade e que você é uma maldita estrela do Rock. Você tem um grupo de fãs muito maior e isso é uma desvantagem, é injusto.

– Mas você é a Santa da história, Sakura. Não a mártir.

Sakura apertava sua taça de vinho com tanta força que Sasuke ficou com medo de que a quebrasse.

– Por que você não se concentra em comer seu jantar? – sugeriu ela.

Ele abriu um novo sorriso.

– Por que você não se dá por vencida agora mesmo?

– Não vou jogar a toalha.

– Quer dizer que a competição segue de pé? – perguntou ele.

– Pode ter certeza de que sim – respondeu ela, agarrando o garfo com toda a força e cortando a alface de uma maneira exagerada.

Sakura nunca desistiria de um desafio, não importava qual fosse. Ela sempre vivia tudo ao máximo, gostava de chegar ao limite. E isso era uma das poucas coisas que os dois tinham em comum. Tudo o mais sobre aquela mulher o deixava louco, fora de si. Sempre fora assim.

Sasuke não deveria permitir que Sakura o atingisse daquela maneira. Ele era um adulto, pelo amor de Deus! Sakura talvez não gostasse dele, mas muitas mulheres gostavam. Por isso, tal atitude não deveria chateá-lo. Havia algo naquela menina, no entanto, que parecia impregnar-se em sua pele, no interior de seu corpo...

Será que ele teria concordado em participar se soubesse que Sakura também participaria? Será que ele teria enviado um cheque à caridade e deixado aquela história de lado?

Não. Ele pensara muito sobre voltar para casa. Aquele evento era apenas uma forma de trazê-lo de volta. Era uma desculpa para compensar um pouco o dano causado... para fechar um pouco a ferida ainda aberta, para conseguir algumas manchetes que não tivessem nada a ver com testes de paternidade ou atividades sexuais. Assim, ele talvez conseguisse dar um passo atrás e respirar aliviado pela primeira vez em muitos anos.

Até então, ele não percebera o quanto estava cansado. Conseguir tudo o que sempre quis na vida era ótimo na teoria, mas ele nunca imaginou que acabaria se sentindo um trapo. Claro que Sasuke conseguira a liberdade, mas tudo na vida tem um preço...

Estar em casa, verdadeiramente em casa, o fez sentir os pés no chão novamente. As ideias que passara um bom tempo nutrindo no fundo da mente ganhavam forma naquela cidade. Konoha era ótima para sua cabeça e sua alma, e ele aproveitaria as semanas seguintes para pensar em qual seria seu próximo passo... ou no que gostaria de ser dali para frente.

Ele ouviu o suspiro de irritação de Sakura e isso o trouxe de volta ao presente. Naquele momento, Sasuke tinha um concurso a vencer. Voltar para casa era ótimo e ainda melhor do que voltar para casa era ser tão bem recebido e ter a oportunidade de fazer algo em prol de sua comunidade.

E chatear Sakura seria um bônus perfeito.

Sakura não parava de comer, pois queria manter sua boca ocupada. Controlar os pensamentos seria impossível, mas pelo menos assim ela não diria algo de que poderia acabar se arrependendo.

Sem dúvida, Sasuke seria uma galinha de ovos de ouro para a fundação. O dinheiro que seria arrecadado e a publicidade grátis das manchetes de jornais seriam incalculáveis. O lado racional da mente de Sakura aplaudia a decisão de Minato, e ela invejava sua habilidade para convencer Sasuke a participar.

Mas Uchiha Sasuke? Droga! Se queriam uma estrela da música, por que não escolheram alguém que morasse em Konoha? Mas não, eles queriam Sasuke, queriam a maior estrela que conseguissem, e ainda por cima ele era considerado o maior Pecador do momento.

De sua mesa, Sakura podia ver o salão inteiro. A lista de convidados, que englobava os mais ricos e famosos da sociedade local, era imensa, e ela conhecia todos os rostos ali presentes. E todos naquela sala sabiam perfeitamente que Sakura e Sasuke se odiavam.

Odiavam não é a palavra mais adequada. As pessoas costumavam dizer isso, mas ela não odiava Sasuke. Sakura não gostava nada dele, mas odiar implicava mais energia do que ela gostaria de empregar naquela história. Os dois simplesmente não deveriam permanecer no mesmo local por muito tempo. Sasuke era um homem que fazia o sangue dela ferver. Qualquer conversa entre os dois a deixava muito nervosa para pensar racionalmente.

Ela começou a sentir uma dor de cabeça...

Pelos olhares lançados em sua direção, todos naquele salão pareciam atentos à situação. Provavelmente, eles já estavam fazendo apostas sobre quando surgiria a primeira faísca entre os dois.

Há dez anos, em um baile como aquele, a Rainha esbofeteou o Rei 10 minutos após a coroação.

Sasuke merecia ser esbofeteado, mas Sakura não faria uma coisa dessas. Ela não voltaria a manchar sua reputação, o que poderia inclusive impedir que participasse de novos concursos. Após a última discursão entre os dois, ela passara meses tentando limpar sua imagem, em um processo que foi auxiliado por Sasuke e seu escândalo pessoal.

Todos os olhos se voltaram para ele. Ainda assim, aquela noite tinha certa aura de revanche, e ela e Sasuke deveriam manter a maior distância possível.

No inicio da carreira, a música de Sasuke demorou a chegar às rádios. Porém, em algum momento, o sucesso apareceu. Aliás, ele era um homem de muito sucesso. Portanto, logo após a quarta-feira de cinzas, ele voltaria para Tokyo ou a outro lugar qualquer do mundo onde tivesse estabelecido residência, e a vida de Sakura voltaria ao normal. Seria um pequeno prêmio de consolação, mas ainda assim serviria.

No entanto, será que ela aguentaria tanto tempo a seu lado? Será que não perderia a cabeça? Eles eram adultos. Mais velhos, mais sábios, mais maduros. Talvez as coisas tivessem mudado...

Ela arriscou uma olhadela.

Provavelmente não.

Sasuke exalava arrogância por todos os poros. Parecia um homem muito seguro de si mesmo, sempre com um sorriso sarcástico estampado no rosto. Era como se estivesse sempre rindo dela. Mesmo sentado à sua frente, com aquela ridícula fantasia de Lúcifer, ele conseguia manter a pose.

A Sra. Sabaku no o vestira de couro preto... e não apenas a calça sobre a qual ela fizera um comentário sarcástico antes, mas também o jaleco e uma bota de motoqueiro. Faixas de couro atravessavam o peito dele, deixando visível uma forma física nada comum entre pianistas.

O contraste com a roupa branca de cetim de Sakura era enorme. No entanto, se sua roupa indicava santidade, a de Sasuke parecia mais próxima do sexo: o couro funcionava como uma segunda pele, deixando pouco espaço para imaginação. Se a Sra. Sabaku no preparara uma roupa diáfana para a Santa, fizera algo completamente distinto para Sasuke.

Ele era alto, cabelos negros e a sua imagem era perigosa...

Ela engoliu em seco. Seu amor pela arte permitia que Sakura apreciasse o belo, mas Sasuke ultrapassava a imagem do belo masculino. O que havia nele era virilidade, força, paixão. Era difícil não enxergar Sasuke dessa maneira.

Ele ergueu os olhos, percebeu que Sakura o observava e sorriu. Seu sorriso era matador, um sorriso que fez nascer leves rugas nos cantos de seus olhos negros e brilhantes.

E aquele sorriso deixaria qualquer mulher fora de si, pelo menos até o momento em que ele abriu a boca.

– Algum problema, Sakura? – Perguntou ele.

– Não. Eu só estou surpresa com essa barba. Você perdeu a gilete no meio da turnê?

Ele passou uma das mãos no rosto barbudo.

– Achei que combinaria com a fantasia, que me deixaria com uma imagem mais diabólica.

– Essa barba é tão ridícula quanto a calça de couro. – Disse ela, mentindo e voltando a jantar.

A imagem de Sasuke era diabólica, perigosa, sexy e pronta para roubar uma dúzia de almas femininas. E tais mulheres provavelmente não resistiriam. As mulheres costumavam adorar Sasuke.

A quem ela queria enganar? Todo mundo ama Sasuke, todo mundo fala maravilhas de seus talentos, todo mundo festeja seu sucesso. Eis uma das razões por que todo mundo estranhe o fato de ela não fazer nada disso.

Sakura não tinha certeza absoluta de quando tudo isso começou. Porém, nos 25 anos que o conhecia, não era capaz de se lembrar de um único dia em que Sasuke não a irritara a ponto de ela ser praticamente capaz de cometer um homicídio justificável.

E Sakura não era o diabo. Ela gostava das pessoas. Sasuke era a única pessoa do mundo que a atingia daquela maneira, e ela já lidou com vários tipos de pessoas irritantes. Sakura era conhecida por suas habilidades interpessoais. No entanto, elas não foram suficientes para que ela soubesse lidar com uma estrela do Rock.

Como ela mesma dissera, Sasuke era um homem comum quando os dois se conheceram. As mães deles participavam de vários projetos de caridade e almoçavam juntas duas vezes por semana. Os pais jogavam golfe juntos e eram sócios em alguns negócios. Ela passara a vida inteira ouvindo maravilhas de Sasuke. Às vezes, toda a vizinhança parecia viver à sombra daquele menino. Os dois tinham a mesma idade, frequentavam a mesma escola, tinham os mesmo amigos e se davam mal desde a puberdade.

E não parecia importar a ninguém o fato de eles não se darem bem, e Sasuke parecia disposto a irritá-la sempre que possível.

As pessoas ficavam anestesiadas. Elas deixavam que a beleza do menino e seu talento vencessem suas falhas de personalidade.

Por outro lado, ela talvez fosse a única vítima do oposto do charme de Sasuke. Ele não se preocupava muito com o que não estivesse ao alcance de seu mundo. Uma prova disso era que fora chamado para participar daquele baile de caridade... Aliás, aquele baile deveria ser um evento de caridade, mas passara a ser um baile para ele.

Perder o concurso seria terrível para ela, mas perder para Sasuke seria insuportável para seu orgulho.

E orgulho era tudo o que lhe restava naquele momento, Sakura tinha que agarrar-se àquele orgulho para conseguir sobreviver até quarta-feira de cinzas.

Comento seu parar a fim de evitar qualquer conversa, ela aproveitou o tempo para revisar seus planos e estratégias. Sakura precisava pensar alto, precisava pensar além de Konoha. Isso seria duro, pois grande parte do mundo parecia ter se esquecido da cidade depois da guerra civil deixou de ser noticia.

Ela poderia se envolver em coisas maiores, poderia se candidatar a concursos nacionais. Droga! Todos os seus amigos, e entre eles aquela Miss Tokyo , teriam de ser contatados. Ela precisava exercitar a criatividade, pois tudo o que Sasuke precisava fazer era sorrir, e o dinheiro e votos voariam para seu lado.

Que nojo! Ela passara semanas pensando naquele momento, guardando o segredo a sete chaves, sonhando com o Santos e Pecadores. Mas, naquele momento, toda alegria e animação tinham desaparecido. Seu coração estava ferido. Apesar de todos os seus esforços, ela provavelmente perderia a coroa. O breve êxito ao se chamada ao palco não se repetiria. Aliás, ela provavelmente fora chamada para fazer um bom contraste com a vitória gloriosa de Sasuke. Pensando nisso, ela o odiou mais do que nunca.

Não! Ela disse a si mesma. Não permitiria que Sasuke a atingisse dessa maneira. Ela merecia aquele título.

Sim, poderia perder a competição, e Deus sabia que ela faria de tudo para não perder, mas manteria a dignidade e ficaria satisfeita com um trabalho bem-feito.

Dignidade. Mas como conseguiria manter a dignidade diante de tudo aquilo?

Uma ideia surgiu. Quanto mais pensava, melhor o pensamento lhe parecia.

Não poderia controlar o desempenho de Sasuke naquele concurso, mas poderia controlar o seu próprio. Ela fora escolhida como Santa. Deveria demonstrar calma e santidade. Por sua vez, Sasuke pareceria arrogante, um louco arrogante. Seria uma pequena vitória, mas ela a aceitaria mesmo assim.

Sakura deixou o garfo apoiado na borda do prato e disse.

– Sasuke?

– Sim, Sakura – Respondeu ele.

Ela ergueu a taça de vinho, fazendo um brinde e Sasuke ficou aturdido.

– Um brinde a um bom competidor e uma boa causa. Estou ansiosa para começar a aventura, pois os verdadeiros vencedores são as pessoas e as comunidades que vamos ajudar. E estou feliz que você tenha vindo aqui, que esteja participando deste evento.

Sasuke parecia em choque. Ele ficou com os olhos arregalados, mas se recuperou rapidamente e ergueu sua taça. Ao fazer o brinde, percebeu que a multidão se agitava. Percebeu vários flashes. E Sakura abriu seu melhor sorriso possível, o maior de todos os tempos.

O olhar de Sasuke fez tudo aquilo valer a pena. No final das contas, a história poderia ser divertida.

E certamente seria satisfatória.