Mentiras Frágeis
Capítulo 1– Festa de Aniversário
Mais um ano da sua triste curta vida e, outra festa de aniversário, mesma velha história. Rodeada de mutantes, alguns da mesma idade que ela, mas a maioria mais velha que ela: sua mãe e os amigos dela que eram também seus professores na instituição em que ela morava desde que nasceu, ela assoprou as quinze velas do bolo e sorriu timidamente. Na realidade, o que ela queria fazer era chorar. Sua mãe fingia que tudo estava do jeito que deveria estar. Mas não estava. Nunca esteve. Estava faltando ele, o pai que ela sabia que existia. Mesmo que todos tivessem lhe dito Deus sabe quantas vezes que ele estava morto, algo dentro dela dizia que eram mentiras, ou, ao menos, o que eles imaginavam ser a verdade.
Ela sempre achou que a mãe dela tinha olhos tristes. Desde de sempre, nas suas primeiras lembranças da vida, lá estava ela com seu olhar distante e vazio. Ela achava a sua mãe uma mulher muito bonita, mas o vazio da sua alma roubava-lhe um pouco do brilho que ela deveria ter antes, antes do que, ela não sabia exatamente.
A beleza do sorriso daquela bela mulher era um privilégio que só a sua filha conhecia e mesmo assim era reservado somente para poucas ocasiões especiais.
Mesmo vivendo cercada de pessoas que as amavam e se importavam verdadeiramente com as duas, Vampira não conseguia sorrir para as outras pessoas que ali residiam. Algo dizia a sua filha de quinze anos recém-completos que os outros deveriam saber de algo que ela, em toda a sua ingenuidade, não sabia. Eles sabiam de algo, do porquê da sua mãe ser uma pessoa tão introspectiva. E se sabiam mesmo, entendiam a dor dela e respeitavam o seu jeito de ser. Ela com certeza devia ter demônios na sua mente, qualquer pessoa que a conhecesse poderia dizer o mesmo.
Embora ela amasse sua mãe profundamente, ela estranhava o fato dela parecer estar sempre perdida nos seus próprios pensamentos e, por isso, sentia muito a ausência da sua mãe.
Era como se ela nunca estivesse ao seu lado quando ela precisava, porque algo estava a tormentando e, assim, não permitindo que ela fosse a mãe que sua filha precisava que ela fosse.
Uma pessoa de poucas palavras, ela era. As poucas vezes que elas duas conversavam sobre coisas pessoais e importantes, a adolescente tentava arrancar da mãe algo sobre o seu pai.
"Pô, mãe. Me conta dele aí, vai! Quem é ele? Qual é o nome dele? Eu pareço com ele?" Ela perguntou a ela uma certa vez.
A resposta que obteve foi ver a sua mãe virar-lhe as costas, e chorar de soluçar. Aquilo era prova o bastante de que o que quer que seja que fazia da sua mãe uma pessoa tão triste e por vezes amarga só podia estar de alguma forma relacionado ao seu pai. E consequentemnte, ligado a ela própria também.
Uma vez, uma estranha mulher azul veio visitor a Vampira na mansão e ao vê-la, ficou chocada.
"Meu Deus do Céu! Ela tem os olhos dele!"
Naquela época, a menina tinha nove anos, mas ela nunca esqueceu daquele evento e do significado implícito naquelas palavras. Palavras essas que persistiam na sua mente depois de todo aquele tempo, que volta e meia ocupavam a sua mente.
Ela tinha os olhos do pai dela e ela nunca tinha visto ninguém com olhos daquele jeito. "É um sinal único de mutação." É o que lhe dizia o Dr. McCoy, ou o tio Hank, como ele lhe deixava chamá-lo. Não tão úncio, pelo que parecia. Afinal, o pai dela tinha os olhos iguais aos dela. 'Será que o tio Hank não conheceu o meu pai?' ela se perguntava.
Ter que lidar com os primeiros sinais de sua mutação era conflituoso e complicado pra ela como era pra qualquer mutante adolescente. Mas, ter que lidar com o fato de ter uma mãe zumbi e um pai fantasma, fazia todo o resto parecer muito fácil. Tantas perguntas sem respostas… Porém, hoje, ela estava determinada a conseguir algumas. 'Talvez hoje, com o meu aniversário, a tia Ro vai ter pena de mim e me dar alguma luz sobre essa história toda. Eu quero saber de onde eu venho, eu quero saber quem eu sou.'
"E aí, tia?" A menina aproximou-se da linda mulher de cabelos brancos enquanto estava começava a limpeza pós-festa.
"O que foi, Juliette? Eu sei muito bem que a sua cabeçinha andou voando por outro lugar durante a festa hoje."
"É, parece que você me conhece mesmo muito bem, tia. Talvez melhor que a minha mãe. É sobre onde os meus pensamentos andaram que eu quero falar com você. E não tente me mandar falar com a minha mãe. Eu já tentei várias vezes, e ela não me ajudou em nadinha... A gente pode ir pra algum lugar onde ninguém vai nos ouvir?"
"Claro que sim, criança. Vamos para o meu quarto. É alguma coisa a ver com garotos? Eu posso imaginar a sua mãe não querendo falar sobre isso com você...."
"Quem me dera! Quem me dera, tia, que o meu problema fosse esse…"
Quando elas chegaram no quarta da Ororo, a jovem sentou-se de pernas cruzadas na cama da sua amada tia a quem também chamavam de Tempestade. Lágrimas silenciosas escorriam pelo rosto angelical da garota. Seus cabelos bem longos cobriam a maior parte do seu corpo, de forma que só era possível ver seu rosto e um pouco das pernas dela.
Quando ela levantou o seu olhar, encarando Ororo, fez a mulher de cabelos brancos tremer. Os olhos da menina eram os olhos dela, do amigo que ela traiu. Remorso invadiu todo o seu coração. Como ele puderem ter concordado com aquilo? Especialmente ela, a quem ele tinha ajudado quando ela mais precisou.
"Tia, eu tô chorando… é por causa do meu pai."
"Seu pai, criança? O que tem ele? Nós não já te dissemos milhões de vezes que ele morreu? Então era por isso que você disse que sua mãe não podia te ajudar! Eu não acredito que você continua pressionando ela com essas perguntas, você sabe o quanto isso machuca ela. E agora você já é grande o bastante pra entender."
"Entender? O que tem pra eu entender? Eu não sei nada dele. Absolutamente nada! Vocês nunca nem me contaram como foi que ele morreu. Se ele está morto mesmo, então eu quero visitar o túmulo dele."
"O corpo dele nunca foi encontrado, querida."
"Mmm, finalmente alguma informação concreta. Ninguém tinha me dito isso. Tia, tem algo no meu coração que me diz que ele está por aí, em algum lugar. Eu quero respostas. Eu já vasculhei as coisas todas da minha mãe, papéis antigos, cartas, essas coisas e nunca achei nada que pudesse me levar até o meu pai."
"Oh, Juliette, você está mesmo tão obececada assim por esse assunto? Por que você quer saber de coisas que só vão trazer a tona mais dor e sofrimento pra sua mãe e pra você mesmoa? Tem coisas que são melhores se não forem ditas."
"Eu quero conhecê-lo, só isso. Ele é uma pessoa tão má a ponto de não ficar feliz em conhecer a própria filha?"
"Ok, você venceu. Vou te contar um pouco do que eu sei. Houve uma… er… discordância entre seu pai e os X-Men na Antártica. Descobrimos que ele tinha feito uma coisa terrível no passado. Sua mãe… ela o amava… mas ela ficou tão confusa com o que ela ficou sabendo sobre ele que ela deixou ele lá, abandonou ele, assim como o resto de nós. Quando ela esfriou a cabeça e viu que ele não tinha sido tão mal assim e tentou parar o que tinha começado a fazer de mal para um certo grupo de pessoas, ela começou a procurá-lo em toda a parte. Ela viveu super mal na Antártica por dois meses, passou fome, andou de um lado pro outra como louca, procurando por ele. Mas, ela nunca achou nenhuma pista dele por lá. Então, ela decidiu ir pra Nova Orleans, de onde ele é. Lá ela também procurou por ele por um tempo, mas aí ela ficou sabendo que estava grávida, esperando você, e voltou pra mansão pra cuidar de si própria. A saúde dela estava bem fragilizada com toda a busca, as condições ruins, ela precisava se cuidar, por você."
"Wow! Isso é muita informação, tia. Em poucos minutos, você me contou tanta coisa. Como vocês puderam não me contar nada disso por todos esses anos?"
"Eu acho que você não entenderia isso quando era criança, não é mesmo?"
"Na verdade, eu ainda não entendo. Por que vocês deixaram ele lá pra morrer? O que ele fez era assim tão terrível?" Tempestade não respondeu. "Então, ele não sabia de mim…"
"Não, não sabia. A Vampira e ele, eles tiveram um relacionamento bem longo, terminavam e voltavam o tempo todo, mas não conseguiam ficar longe um do outro por muito tempo. Estava claro que eles se apaixonaram um pelo outro desde o momento que se conheceram. Mas, lembra-se como a sua mãe não podia tocá-la até você ter mais ou menos sete anos? Ela não conseguia controlar os seus poderes. Então, ele só foram mesmo consumar o amor deles um mês antes do que aconteceu na Antártica. Eles estavam numa missão e ficaram sem poderes por alguns dias e foi a chance que eles tiveram. Foi quando eles fizeram você, com certeza."
"Oh! Isso é tão triste. Coitada da mamãe…"
"E é precisamente por isso que eu não deveria ter te contado nada disso. Isso só vai fazê-la relembrar tudo o que se passou e vai sofrer tudo de novo..."
"Eu sei que ela provavelmente fez vocês todos jurarem que não iriam me contar isso, tio. Mas eu agradeço muito que você resolveu me contar. Obrigada, tia. Muito obrigada. Esse foi meu melhor presente de aniversário. Posso só perguntar uma última coisa, tia? Por favoooor!"
Tempestade hesitou um pouco, mas os olhos suplicantes da menina simplesmente não deixariam ela dizer que não. "OK."
"Qual é o nome do meu pai?"
"Le Beau, Remy Le Beau. Ele é um Cajun… estava sempre falando palavra em francês misturado com o inglês cheio de sotaque dele. Foi por isso que a sua mãe lhe deu um nome francês."
"Obrigada, tia." Ela beijou Tempestade carinhosamente e saiu do quarto dela correndo. Ela tinha conseguido mais do que ela tinha imaginado possível. Agora, ela tinha alguma informação concreta que talvez pudesse eventualmente levá-la ao seu pai.
'Remy, o nome dele é Remy.' Ela pensava, seu coraçãozinho cheio de alegria e esperança. "Eu não vou descansar até achar você, senhor Le Beau!" Ela sussurou para si mesma.
