Os primeiros meses que sucederam ao fim da guerra foram, no mínimo, complicados. Era inegável a áurea de alegria e leveza que tinha se instalado. Não muito diferente do que tinha acontecido da primeira vez, bruxos e bruxas comemoravam nas ruas de uma forma quase descuidada, corujas viajavam de um lado para o outro levando cartas carregadas com esperança para os novos tempos. No entanto, a dor da perda ainda pesava em muitas famílias. A vitória cobrara seu preço, e ele tinha sido alto. Cedric Diggory, Sirius Black, Albus Dumbledore, Alastor Moody, Fred Weasley, Colin Creevey…

Mas aos poucos a vida ia seguindo seu curso normal. Naquele dia em específico, por exemplo, acontecia a festa de reinauguração da Geminialidades Weasley. Após um tempo fechada pelo luto, Ron ingressou na sociedade com seu irmão e resolveram traze-la de volta.

Ao que tudo indicava seria um grande sucesso. A loja estava abarrotada de gente, quase todos os membros da Ordem, dezenas de estudantes dos tempos deles de escola e alguns dos que entraram depois ou entrariam em breve.

Uma música animada tocava, aqui e ali ouviam se os barulhos de alguma das geminialidades cumprindo suas funções e, é claro, os gritinhos e risos que elas causavam. Comidas e bebidas eram servidas e aqueles que ousavam confiar na integridade dos mesmos se empanturravam. Em um dos cantos, passando quase por despercebidos em meio a tantas cores do ambiente, encontravam-se conversando o Trio de Ouro.

- Estou te falando… Jorge vai me levar a loucura. A cada dia que passa ele está mais parecido com a mamãe. Ontem mesmo, quando fui repor o estoque de vomitilhas - as queixas de Ron foram interrompidas pela chegada da Prof. McGonagall.

A velha bruxa, apesar de não mais ser sua professora, parecia ainda causar medo no ruivo. Como se ao menor deslize ela fosse obrigá-lo a limpar sem magia todos os itens da sala de troféus.

- Aah, meus caros! Justamente quem eu queria ver. Será que poderia trocar uma palavrinha com vocês por um instante?

Hermione, que em contraste com Ron nutria uma relação muito mais calorosa com Minerva, se apressou em responder:

- Professora! Mas é claro. Podemos ajudar em alguma coisa?

- Veja bem, minha querida… Como vocês já devem saber, apesar de a reforma de Hogwarts não está completamente finalizada ainda, estaremos aptos a reabrir a escola normalmente em setembro. No entanto, temos ainda algumas vacâncias no corpo docente…

- Pensei ter ouvido que Remus ia retomar o cargo de professor de DCAT e Angelina ia assumir Estudos dos Trouxas - estranhou Harry.

- Sim, sim. Eles vão. Meu problema é em relação à Poções. Horácio está irredutível em relação à aposentadoria.

- Mas e o Prof. Snape? - Hermione inquiriu.

Céus, esses jovens não conseguem deixar-lá nem concluir um raciocínio! Perceptivelmente incomodada com as constantes interrupções ela prosseguiu.

- Eu sei que para a maioria de nós a inocência de Severus está mais que provada. No entanto, o processo dele ainda corre na justiça e enquanto ele não for oficialmente absolvido, não poderá retornar suas atividades como professor - Hermione deu sinais de que iria dizer mais alguma coisa, mas Minerva apressou a continuar sem lhe dar a oportunidade. - O que vim dizer é: Preciso de alguém que assuma como uma espécie de monitor de Poções para Severus enquanto ele está impossibilitado de lecionar. Alguém que ministre as aulas e corrija as tarefas… É claro que ele vai estar acompanhando tudo de perto e instruindo.

Ao ver a cara de confusão e quase aversão apresentada pelos três, ela suspirou. Quando voltou a falar sua voz deixou transparecer, como raramente acontecia, toda a idade e o peso do cargo que exercia.

- Olha, eu sei que vocês provavelmente já tinham outros planos para o futuro e eu não estaria pedindo isso se não fosse extremamente necessário. Mas são poucos os interessados em empregos temporários como esse, e aqueles que estão logo mudam de ideia ao se darem conta que terão que trabalhar com Snape. Vocês,são minha última esperança.

- Nós? - os três disseram em uníssono.

- Sim, dada as circunstancias, Horácio me indicou que procurasse Harry, e Severus a Hermione.

Ron aproveitou a deixa para escapar dali.

- Como eu estava dizendo agora mesmo, estou amando trabalhar com meu irmão. Inclusive preciso resolver umas… coisas com ele. Volto já. Ee é.. Boa sorte pra vocês.

O ruivo sumiu de vistas numa velocidade impressionante, deixando para trás um Harry segurando riso e uma Hermione indignada.

- E então? - McGonagall ansiava pela resposta.

- Olha, Professora. Eu agradeço o convite mas acredito que a Mione é muito mais indicada para o cargo do qu- ele não conseguiu completar a frase, foi interrompido pela amiga.

- Desculpe, Professora. Será que pode nos dar um segundinho? - Ela puxou o menino-que-sobreviveu-e-que-aparentemente-estava-prestes-a-perder-este-título para o lado, sussurrando - Você está maluco? O que pensa que está fazendo jogando pra mim uma bomba dessas?

- Qual é, Mione?! Você é muito melhor em poções do que eu, só me sai bem nas aulas do Slughorn por causa do livro do Principe Mestiço - Aaah, agora ele assumia isso sem problemas, não é mesmo? - Sem contar que com qual cara eu iria trabalhar com Snape depois de tudo o que eu sei?

- Você me contou tudo o que você sabe sobre ele, eu sei o mesmo que você - Ela quebrou o argumento dele.

- Sim, mas não era a sua mãe que ele amava! - e acrescentou- Além do que, você foi a indicada do próprio. - Ele parecia convicto de que tinha ganhado a discursão e ela bufou.

- Você vai ficar me devendo essa e eu vou cobrar até o fim de nossas vidas, fique sabendo! - E voltando se novamente a sua antiga professora disse - Hmm.. Bom, eu ainda estou esperando a resposta dos Ministério em relação a localização dos meus pais. Então, acho que até lá eu poderia ajudá-la com isso.

- Minha querida, você não sabe o quão estou grata! Vai ser um prazer tê-la de volta em Hogwarts.

O semblante iluminado que tomou conta de Mcgnagall fez até com que a jovem se sentisse um pouco culpada pela relutância em aceitar a oferta. Numa tentativa de compensar, ofereceu a ela o melhor sorriso que pode.

- Vejo você amanhã às 10 no meu escritório, então? Para acertarmos os detalhes - era mais uma afirmação do que uma pergunta.

Após um aceno de cabeça de concordância da Granger a professora se despediu dos dois e se afastou.

- Eu falo sério, Potter! Você me paga! - Apesar da aparente fúria, Mione ria enquanto desferia tapas no braço do amigo.

Ron surgiu ao lado deles dois entregando-lhes uma garrafa de cerveja amanteigada para cada. Pelo visto, ele estava a espreita só esperando que a Prof. Minerva desaparecesse para voltar.

- E então? O que perdi?

- Apenas Hermione conseguindo o emprego mais desejado da Grã-Bretanha! - Harry anunciou - entre risos, enquanto tentava desviar de mais um tapa que vinha em sua direção.

A festa terminou tarde da noite, e boa parte desse tempo o trio tinha passado especulando sobre o futuro ofício da amiga e rindo das atrocidades. Por fim, voltaram juntos para casa. Oficialmente o Largo Grimmauld nº 12, era o lar de Harry, mas enquanto Hermione não resolvia a situação de seus pais estava ficando por lá. E Ron, na função de melhor amigo de Harry e namorado de Hermione, passava mais tempo com eles do que em sua própria casa.

Hermione acordou mais cedo do que de costume. Tomou seu banho e foi se vestir. Ao perceber que não tinha trajes bruxos que condissessem com a ocasião, optou por um conjunto trouxa de roupa social. Uma calça caramelo, uma blusa preta de gola alta e um sapato de mesma cor. Prendeu o cabelo em um coque frouxo com alguns fios soltos na frente. Dando-se por satisfeita com o resultado final. Não parecia uma garotinha a quem Snape ainda poderia assustar. Não, ela agora era uma mulher e sua colega de trabalho.

Ao descer, passou por Ron que, como de costume, dormia no sofá, e tentou fazer o menos barulho possível para não acordá-lo. Foi para a cozinha e aproveitou do tempo extra que tinha para fazer panquecas para o café dela e dos meninos.

- Bom dia, Mione.

Ela nem precisava se virar pra saber que essa voz grave de sono vinha de Ron. Lá estava ele parado na soleira da porta, os cabelos bagunçados de alguém que acaba de acordar, trajando apenas a calça do pijamas.

- O cheiro está uma delícia - ele acrescentou enquanto se aproximava dela.

Depois de um beijo casto nos lábios, ela agradeceu. Entregou o prato que se destinava a ele, pegou o seu e levitou até a mesa junto com o mel para colocarem por cima das panquecas e o jarro de suco de laranja com os copos.

Quando já estavam quase terminando, Harry se juntou a eles. Foi o tempo suficiente para desejarem a amiga boa sorte e ela seguir para o compromisso que lhe aguardava.

Aparatou em frente aos portões de Hogwarts, seguindo o caminho o mais lentamente que pode. Queria aproveitar para se acalmar enquanto isso. Como todo mundo antes de uma entrevista de emprego, estava nervosa. Apesar que nesse caso não era bem uma entrevista. O emprego já era dela, mas de qualquer forma estava preocupada em causar uma boa primeira impressão. Afinal, conquistar a confiança para trabalhar bem com Severus Snape não seria uma tarefa fácil. Ou seria?

Ela não sabia o que esperar, não o via desde o dia da Batalha Final. Quando Voldemort finalmente caiu, aqueles que lutavam pela Luz foram resgatar os falecidos para dar um final digno a eles. Uma vez esclarecida a questão da lealdade do Snape, Lupin se prontificou a buscar o corpo na Casa dos Gritos.

Qual não foi sua surpresa ao encontrar Severus vivo, apesar de muito debilitado. Seu corpo ainda encontrava-se estirado no chão e empoleirada ao seu lado estava Fawkes. Mais uma prova incontestável de sua fidelidade a Dumbledore.

As lágrimas da fênix tinham curado a ferida provocada por Nagini em seu pescoço, mas a cobra ao se enrolar nele tinha quebrado algumas costelas que perfuraram-lhe o pulmão e o deixaram inconsciente. No entanto, nada tão grave que Madame Pomfrey não pudesse resolver.

Desde então, pelo que Hermione sabia, Snape permanecia a maior parte do tempo na escola auxiliando na reconstrução. Evitando ao máximo qualquer contato social, não tinha comparecido nem mesmo a grande festa de vitória organizada pelo Ministério. Mas permanecia um mistério se isso era um reflexo de sua personalidade solitária, ainda mais agora sem o ex-diretor para obrigá-lo a comparecer aos eventos, ou se era uma questão de segurança. Afinal, nem todos os Comensais da Morte tinham sido presos ainda e aos olhos destes ele era um traidor. Por outro lado, nem todos os opositores do Lorde das Trevas estavam convictos de sua inocência, pode se dizer que ele não estava sendo julgado somente pela justiça por seus atos enquanto Comensal.

Quando ela se deu conta já estava em frente a gárgula que dava acesso ao escritório da diretora. Conferiu a hora em seu relógio, faltavam três minutos. Buscou nas vestes o bilhete que Minerva havia lhe enviado na noite anterior com a senha. Respirou fundo em uma última tentativa de se acalmar e disse:

- Montrose Magpies.