- Katekyo Hitman Reborn® e seus personagens pertencem a Amano Akira;
- Essa é uma fanfic yaoi, ou seja, contém relacionamento homossexual entre os personagens. Se você não gosta ou sente-se ofendido com esse tipo de conteúdo sugiro que vá ser feliz lendo shoujo;
- A fanfic é continuação de "Between you and me" e "Family Business";
- A fanfic tem um timeskip de 10 anos;
- Io, tu e loro = Eu, tu e eles, respectivamente.
Ivan e Alaudi
"É impossível, esqueça."
A negação não foi dita de maneira sutil ou com palavras polidas. O tom de voz saiu baixo, como era seu costume, mas cada letra pareceu possuir a teimosia e certa negatividade que emanava diariamente daquela pessoa. Aquela era a segunda vez que tocavam no assunto, e a segunda vez que recebia tal resposta. Intimamente ele esperava que pudesse contornar a situação, talvez com um pouco mais de insistência e em um momento oportuno. A realidade, porém, não se mostrou doce ou até mesmo propicia a mudanças milagrosas de personalidade. Os olhos cor de mel se fecharam e Ivan soltou um baixo suspiro. Se ele me disse "não" nesse tipo de situação, então não existe mais conversa. A língua tocou seus próprios lábios, umedecendo-os. Eu ainda posso sentir o gosto do beijo. O gosto dele. Se Alaudi não me disse "sim" após fazermos amor, não há jeito de dobrar esse homem.
"Entendo, entendo." Não entendo, não entendo! "Mas será que você não poderia sequer cogitar aparecer por alguns minutos? Giot––"
"Você por acaso perdeu a audição?" A punhalada em forma de frase atingiu o moreno em cheio. Seus lábios formaram um amargo sorriso. Você mereceu, tolo! "Eu já disse que não irei participar de festa alguma. Eu venho dizendo isso todas as vezes que você me convidou. Até quando teremos essa conversa inútil?"
O Chefe dos Cavallone abriu os olhos devagar, encarando a janela parcialmente aberta diante de seus olhos. As cortinas claras dançavam, tocadas pelo vento frio de dezembro que entrava por aquela abertura. O cômodo não estava gelado até cinco minutos atrás, quando ele possuía seu amante naquela cama de tamanho mediano, ouvindo os gemidos ecoarem pelo pequeno cômodo. Entretanto, o calor, a proximidade e a intimidade pareciam ter fugido pela janela e corrido para algum beco sujo e escuro de Roma. Porque, ali, naquele quarto, tudo o que o recebia eram palavras mais frias que o próprio inverno.
"Faça como quiser." A resposta saiu séria. O sorriso desapareceu do rosto de Ivan e sua mão abaixou-se até o chão, segurando sua calça que estivera jogada. "Fique aqui, congelando e sozinho. Eu não me importo! E-Eu irei dormir na sala!"
O moreno ficou em pé, vestindo a peça de roupa com uma desnecessária rapidez. Suas sobrancelhas se juntaram e sua cabeça virou-se levemente. Por que você não me impede, Alaudi?! O louro estava na mesma posição, sentado em sua cama, e o cobertor omitindo o que deveria ser omitido. Seu rosto ainda estava vermelho por causa do exercício, mas seus olhos azuis pareciam frios e distantes.
"Eu falei sério! E-Eu estou indo, ouviu?"
O Guardião da Nuvem o seguiu com os olhos, vendo-o dar a volta na cama e parar ao lado da porta. O Chefe dos Cavallone apertou os olhos, pegando uma grossa manta que estava ao pé da cama e saindo do cômodo com passos largos e firmes. O pedaço de pano foi passado ao redor de seus ombros conforme Ivan cruzava o corredor, na direção da sala de estar. Por Deus, está muito frio. A escuridão parcial não o impediu de encarar o sofá, e aquela visão o desanimou de imediato. Frio, frio, frio! O moreno caminhou até a lareira, acendendo-a e passando as mãos ao redor de seus ombros, esfregando-os e tentando esquentar-se. Alaudi é muito cruel. Como ele pôde me deixar dormir aqui? Os olhos cor de mel fitaram o corredor, em uma das extremidades da sala, e a total ausência de seu amante o fez suspirar triste.
Aquela situação havia se iniciado há duas semanas, quando Ivan mencionou com o Inspetor de Polícia sobre o baile de Natal. O evento anual sediado pela Família era conhecido por todos os mafiosos italianos e aguardado por todos os Chefes. Na noite do dia 24 de dezembro, a mansão dos Cavallone se abria para Chefes, subordinados e vizinhos dos vilarejos. O jardim era enfeitado, as mesas eram postas e por horas não havia nada além de comidas, bebidas e risadas. Não seria necessário mencionar que Alaudi nunca fez parte naquela celebração. Em nove anos – tempo esse que os dois estavam juntos – o louro não pisava os pés na propriedade durante o Natal, reaparecendo, talvez, na manhã do dia seguinte. O moreno sempre insistiu, perguntou várias vezes, mas aceitou de bom grado as negativas do Guardião da Nuvem. Todavia, naquele ano, o Chefe dos Cavallone deixou que o assunto ganhasse proporções muito maiores do que o necessário e, no final, nas duas tentativas que teve para persuadir seu amante, os dois acabaram se desentendendo, exatamente como havia acontecido há poucos segundos. Por que ele não entende? O sofá era macio, mas desconfortável para um homem do seu tamanho. A manta era quente, mas não o suficiente para aquecer seu corpo e seu coração. E, deitado no sofá, Ivan fechou os olhos e se arrependeu de ter deixado o quarto.
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Os passos foram ouvidos antes de chegarem até a beirada do sofá, mas o moreno permaneceu de olhos fechados. Ele sentiu a proximidade e a sensação de que seu corpo e alma conheciam a pessoa que havia parado ao seu lado.
"Volte para o quarto. Você ficará doente se dormir aqui." O mesmo tom de voz sério e impositivo declamou aquele preocupado aviso.
Não houve resposta. O Chefe dos Cavallone fingiu dormir. Por um momento ele quase, realmente, caiu no sono, mas havia verdade nas palavras de seu amante. Seu corpo estava frio e nem mesmo o calor da lareira foi suficiente para aquecer a sala. Pode não parecer, mas eu também tenho o meu orgulho. Ivan fechou ainda mais os olhos, como se aquela fosse uma competição para ver quem era o mais teimoso.
"Pare de agir como uma criança e vá para o quarto." Alaudi insistiu, mas suas palavras encontraram nada além do silêncio e o mais puro fingimento.
O moreno permaneceu imóvel, esperando que sua companhia desistisse e retornasse para o quarto. Ele se arrastaria até a lareira e passaria a noite deitado ao lado e, talvez, conseguisse sobreviver àquela noite. O barulho da madeira queimando era o único som audível no cômodo até um suspiro do louro cortar o silêncio. O Guardião da Nuvem inclinou-se, ficando sobre o Chefe dos Cavallone. O sofá não era largo e seria impossível comportar dois homens deitados lado a lado, mas havia espaço para apoiar a mão e o joelho direitos.
"Ivan, você está sendo tolo... de novo." A voz do Inspetor de Polícia soou mais baixa. Ela não continha o autoritarismo de outrora.
"Não estou." Ivan respondeu apenas para contrariar aquela pessoa. Seus olhos se abriram e ele corou um pouco ao notar a proximidade entre eles. "Você é muito teimoso, Alaudi. Tudo o que eu quero é poder passar o Natal ao seu lado. Nós nunca fizemos isso."
Alaudi desviou os olhos e o moreno inclinou-se à frente, sentando-se no sofá. Suas mãos puxaram seu amante, fazendo-o sentar-se sobre seu colo, com um joelho de cada lado. O louro não pareceu se importar com aquele gesto ou posição.
"Eu não quero ir e também não posso ir. Pense, Ivan." O Guardião da Nuvem o encarou diretamente. "As pessoas não podem me ver em sua casa. Nós não estamos em posições favorecidas. O seu mundo e o meu são completamente opostos."
O Chefe dos Cavallone manteve a mesma expressão vaga. Ele sabia daquilo. O pensamento de que ambos eram extremidades opostas profissionalmente falando já cruzara sua mente, e, infelizmente, aquele assunto não poderia ser mudado ou simplesmente ignorado. Ele trabalha para a polícia, eu sou um mafioso. Isso nunca mudará. As pessoas jamais entenderiam. Ivan subiu as mãos pelas coxas do Inspetor, sorrindo de canto ao ver que ele vestia apenas uma camisa branca. Minha camisa...
"Eu não estou falando para você descer, dançar e rir com os convidados." A visão daquela cena o fez quase gargalhar. Era definitivamente impossível. "Apenas esteja lá. Eu sei que é egoísmo pedir que fique no quarto, mas é tão triste retornar e não vê-lo ali, Alaudi." O moreno esboçou um meio sorriso. "É sua família também. Eu quero que sempre tenha consciência de que nós precisamos de você. Eu, Francis, Catarina, Giuseppe..." O Chefe dos Cavallone ficou sério, mas foi impossível. Ele queria rir, gargalhar daquela parte, mas jamais perderia a chance de poder brincar um pouco com aquela pessoa. "... Mario. Mario sente muito a sua falta, Alaudi."
"Para o inferno você e aquele ruivo insolente." O louro apertou as bochechas de Ivan com ambas as mãos, mas sem força, apenas provocando-o. A gargalhada do moreno ecoou pela sala e naquele momento ambos souberam que qualquer desentendimento havia sido esquecido. "Eu não irei, mas estarei lá no almoço do dia seguinte. É o máximo que posso fazer."
"Eu entendo." O Chefe dos Cavallone tocou as próprias bochechas. Naquele momento ele realmente entendia. "Francesco está nervoso sobre o almoço. Ontem ele repassou várias vezes o cardápio e foi interessante vê-lo preocupado."
"É a primeira vez que ele fica responsável por alguma coisa. É natural." Havia certo orgulho no tom de voz do Guardião da Nuvem.
"A sua ideia foi excelente. Obrigado." Ivan trouxe uma das mãos de seu amante até seus lábios, beijando-a devagar. "Eu não teria pensado em tal coisa."
"Claro que não, você é tolo e estúpido." O Inspetor de Polícia ergueu uma sobrancelha. Ele falava como Catarina. "O garoto não pode assumir responsabilidades sem aviso prévio. Organizar o almoço de Natal pode parecer simples e trivial, mas não é. Todos os subordinados estarão observando e esperando como o futuro herdeiro irá se sair. Sem contar que Francesco precisará tomar decisões e pensar pelo coletivo."
"Eu adoro quando você fala dessa maneira." O moreno segurou a cintura de Alaudi, trazendo-o mais para perto. Era tentador estar naquela posição, ainda mais sabendo que o homem que estava por cima não vestia absolutamente nada por baixo da camisa.
O louro deu de ombros, pousando as mãos sobre os ombros do Chefe dos Cavallone. A mão direita de Ivan segurou a camisa branca, puxando seu amante para baixo e beijando-o de leve. Sua língua deslizou vagarosamente para dentro da boca do Guardião da Nuvem, sendo recebida prontamente. A carícia então se tornou mais ousada e o moreno aproveitou a chance para tocar o Inspetor de Polícia. Seus dedos seguraram o membro de Alaudi, masturbando-o devagar e sentindo-o crescer. A respiração de sua companhia se tornou um pouco mais alta conforme o Chefe dos Cavallone aumentava a velocidade. Sua mão moveu-se um pouco mais para baixo após alguns minutos, encontrando a entrada do louro. Um de seus dedos o penetrou sem muito esforço devido aos orgasmos anteriores.
O Guardião da Nuvem deixou escapar um gemido baixo ao sentir-se invadido, erguendo um pouco o corpo e permitindo aquele toque tão íntimo. Ivan umedeceu os lábios com a própria língua, adicionando outro dedo e penetrando o Inspetor de Polícia com insistência.
"N-Não..." Alaudi inclinou-se para frente e seu peito encostou-se ao rosto do moreno. Os gemidos se tornaram mais intensos e altos quando o Chefe dos Cavallone adicionou um terceiro dedo e começou a penetrá-lo com mais frequência.
"Não?"
A voz de Ivan soou abafada e seus lábios encontraram facilmente o mamilo esquerdo de seu amante, descoberto por causa da camisa aberta. Seus dentes o mordiscaram com força e o louro gemeu mais alto. O moreno repetiu o gesto, sentindo-se ainda mais excitado ao notar o pré-orgasmo pingar da ereção de seu amante até sua calça.
"Certo..." O Chefe dos Cavallone tentou parecer o mais sério possível, retirando seus dedos de dentro do Guardião da Nuvem. Sua companhia o olhou no mesmo instante. O rosto vermelho e os olhos embaçados de pura luxúria. "Vamos dormir então! Eu estou pronto para ir para o quarto."
Ivan fez menção de ficar em pé, apenas para ser empurrado com força contra o sofá. A expressão do Inspetor de Polícia tornou-se séria e com um movimento rápido ele retirou a camisa branca e a jogou ao chão. O moreno adoraria poder brincar e provocar seu amante um pouco mais. Intimamente, ele amava deixar aquela pessoa no limite, especialmente quando o assunto era sexual. Alaudi era extremamente fraco ao prazer, tornando-se excitado com um simples beijo. Entretanto, as brincadeiras nunca surtiam efeito por muito tempo, pois o próprio Chefe dos Cavallone não conseguia resistir aquele homem. Suas mãos abriram os botões da calça e seu corpo arrastou-se um pouco para baixo, o suficiente para que o louro pudesse posicionar-se melhor sobre seu colo, guiando a ereção até sua entrada e se sentando de uma vez. Uma onda de eletricidade percorreu o corpo de Ivan, fazendo-o gemer deliciosamente alto.
O Guardião da Nuvem arqueou as costas, virando o pescoço para trás e deixando sua voz ecoar sem pudor pela sala. As mãos do moreno seguraram a cintura de sua companhia, erguendo aquele corpo e descendo-o novamente. O Inspetor de Polícia voltou a gemer e segurou os ombros do Chefe dos Cavallone com ambas as mãos. Ivan sorriu para si mesmo, sabendo que dali em diante seu amante seria responsável pelo show. Aquela era a posição favorita de Alaudi, embora ele jamais assumisse em voz alta. O próximo movimento partiu do louro, que se sentou com pressa e necessidade. O ritmo foi imposto em poucos minutos, e o moreno não se lembrava mais de discussão ou festa ou qualquer outra coisa que não fosse permitir que sua ereção invadisse aquele pálido e erótico corpo, em movimentos constantes e profundos. O relógio em cima da lareira marcava pouco mais de 2 horas da manhã, porém, para os dois amantes, a noite havia apenas recomeçado...
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O Chefe dos Cavallone entrou em dias extremamente ocupados após a rápida visita à casa de Alaudi. Os dois geralmente se encontravam na mansão, mas vez ou outra utilizavam a residência do louro como um local mágico e especial, onde sabiam que não seriam importunados por adolescentes ou crianças briguentas, que achavam que os dois tinham o dom de resolver qualquer problema. Ivan cruzou os braços e franziu as sobrancelhas, tentando não perder a linha calma e pacífica. Diante de seus olhos acontecia mais um desentendimento desnecessário e, infelizmente, ele não tinha seu amado e precioso amante para colocar panos quentes na situação.
"Você é tão estúpido, Francis! Nem todo mundo gosta de cordeiro. Eu odeio cordeiros. E Giuseppe só come porque você não o deixa em paz!"
"Por que é que você está se metendo sua enxerida? Ninguém pediu a sua opinião! Por que não sobe e vai brincar de boneca? Isso aqui é assunto de gente grande!"
"Eu não brinco de boneca e você é estúpido, Francis!" Catarina bateu de leve com as mãos sobre a mesa e lançou um mortal olhar para o irmão. "Boa sorte estragando esse estúpido almoço."
A garota deixou a sala de jantar com passos firmes e o moreno ergueu as sobrancelhas, seguindo-a com os olhos. O herdeiro da Família suspirou, encarando a lista sobre a mesa e segurando a cabeça com ambas as mãos, como se estivesse com um grande problema.
"Ela estava certa? Todos odeiam cordeiro?" A voz do rapaz de cabelos castanhos soou grossa, mas baixa. Ele estava visivelmente desanimado.
Eu não posso passar a mão na cabeça dele. O Chefe dos Cavallone odiava aquela parte. Intimamente, ele queria sentar ao lado do filho e ajudá-lo com o cardápio, mas não podia. Eu prometi a Alaudi que apenas assistiria. Essa é a primeira missão de Francis e ele precisa aprender com seus erros e acertos. Só esperemos que os erros não sejam muito numerosos...
A porta lateral foi aberta e uma das empregadas trouxe uma bandeja de prata. Ela foi pousada em frente a Francesco e, quando a tampa foi retirada, um suculento pedaço de cordeiro assado surgiu em seu campo de visão. A jovem moça fez uma polida reverência antes de se retirar e Ivan esboçou um meio sorriso em agradecimento.
O rapaz de cabelos castanhos, porém, não tocou no pedaço de carne. Seus olhos cor de mel estavam na lista, em mais uma tentativa de terminar aquela tarefa. O moreno coçou a nuca, inclinando-se à frente, pronto para dar alguma luz a seu filho. Aquela missão havia sido ideia do Guardião da Nuvem, e surgiu depois de uma longa conversa que os amantes tiveram. No início, o Chefe dos Cavallone achou que estivesse pisando em ovos e que aquele assunto acarretaria outra discussão como há cinco anos, quando ele decidiu que já era hora de Francesco assumir sua parte na Família. Todavia, para sua genuína surpresa, o Inspetor de Polícia se mostrou compreensivo, mas foi contra a ideia de designar uma missão realmente séria para o herdeiro. "Ele não conseguirá e isso ficará marcado para sempre. Francesco precisa ganhar confiança. Infelizmente ele tem um ego muito grande, mas nós dois sabemos que isso é apenas fachada. As Famílias não o respeitarão por acharem que ele blefa e os subordinados desconfiarão de um Chefe que ladra, mas não morde. Dê algo aparentemente simples, mas coloque um peso a mais na coisa, o suficiente para que ele sinta que está no comando."
Ivan ouviu a sugestão de Alaudi e designou que o filho ficasse responsável pelo almoço de Natal, no dia 25. O evento era anual e acontecia desde os tempos de seus pais. Todos os subordinados se juntavam e almoçavam no jardim. A Família permanecia dentro da mansão, na sala de jantar, e compartilhava a mesa com os Braços Direitos. Na teoria, aquilo não seria algo inédito. Não eram raros os momentos em que Mario e Giuseppe se juntavam à mesa, mas dessa vez a responsabilidade era outra, por ser um evento anual e porque o Braço Direito do moreno pretendia trazer Giulio. No fim, a sugestão do Guardião da Nuvem havia feito com que Francesco precisasse cuidar da escolha do cardápio e da arrumação, notando que as coisas não eram tão simples como ele pensava. O herdeiro dos Cavallone esticou a mão e segurou o garfo e a faca, cortando um pedaço do cordeiro e levando-o aos lábios. Seus olhos se fecharam e ele mastigou por alguns segundos, engolindo e voltando a encarar a folha de papel.
"Está pronto." O rapaz de cabelos castanhos ofereceu o pedaço de papel ao pai. "O cardápio será este."
"Certo." Ivan o segurou entre os dedos e não fez qualquer outra menção. Seus olhos fitaram rapidamente a lista e ele notou que Francesco havia adicionado as sugestões de Catarina. Naquele momento foi impossível não sorrir.
"Eu não sei se conseguirei comer isso sozinho. É o terceiro que preciso experimentar." O herdeiro dos Cavallone encarou o pedaço de carne, mas não parecia enjoado.
Ele adora cordeiros. É um carnívoro. Ivan ainda tinha o sorriso nos lábios, mas sabia que era hora de fazer sua parte e levar a lista até a cozinha. Eu estou ocupado e preciso terminar de organizar o baile. Mario provavelmente está soltando fogo pela boca porque me ausentei. Aquela certeza foi confirmada quando um terceiro elemento se juntou a eles. Giuseppe entrou na sala de jantar, pedindo licença de maneira educada. Eles cresceram. Os dois. O moreno encarou primeiro o filho, que acenou para seu Braço Direito ao vê-lo se aproximar. Francesco havia se tornado quase um homem, alto para os seus 15 anos e praticamente da mesma altura que Alaudi. Ele parece comigo quando eu tinha a mesma idade. Do outro lado da mesa, o rapaz louro esboçou um sorriso contido e aquele gesto dizia silenciosamente: "Meu irmão irá matá-lo". Giuseppe, agora com seus quase 26 anos, havia voltado a deixar os cabelos crescerem. Eles desciam um palmo abaixo dos ombros e estavam presos por um firme e baixo rabo de cavalo.
"Você está com fome, Peppe?" O rapaz de cabelos castanhos apontou para o pedaço de cordeiro.
"Eu posso ajudá-lo com isso, Chefe." O Braço Direito sentou-se na cadeira à frente e pegou um dos quatro garfos que estavam sobre a bandeja. Ele não gosta muito de carnes, mas faria qualquer sacrifício pelo Chefe. A Família está em boas mãos.
"Eu vou deixá-los agora. Preciso retornar ao trabalho." Ivan ficou em pé, achando que seria mais seguro voltar antes que fosse carregado de volta.
O louro fez menção de ficar em pé, mas o Chefe dos Cavallone fez um rápido gesto com a mão, mostrando que não seria necessário. Francesco permaneceu com a atenção no cordeiro e em sua companhia, e o moreno deixou a sala de jantar. Havia subordinados entrando e saindo da mansão, então a porta dupla do hall havia sido aberta provisoriamente. Os empregados cumprimentavam e acenavam quando o Chefe passava e Ivan era apenas sorrisos e gentilezas. Entretanto, havia uma pessoa que não sorrira ao vê-lo. A mesma que caminhou em sua direção e ergueu uma sobrancelha ruiva.
"Deve ser ótimo ficar de conversa fiada ao invés de trabalhar, não? Você disse que não passaria a mão na cabeça do garoto, Ivan."
"Eu não passei." O Chefe dos Cavallone ergueu o pedaço de papel de maneira triunfante. "Ele fez excelentes escolhas e levou em consideração o que Catarina sugeriu, como saladas e sobremesas leves."
"Hm..." O Braço Direito segurou o cardápio e passou os olhos pelos itens. Sua mão direita, em determinado momento, colocou a franja atrás da orelha. Mario havia desistido dos cabelos longos, usando-os agora na altura dos ombros. "Nada mal para uma primeira vez. Lembro do almoço horroroso que você escolheu na sua época." O ruivo devolveu o pedaço de papel e riu. "Seu pai não acreditou no mau gosto e sua mãe, coitada, tentou contornar a situação, mas no final ninguém quis comer aquilo. Eu precisei almoçar novamente quando voltei para casa ou teria passado o dia com fome."
"N-Não foi tão ruim e pare de relembrar essas coisas!" O moreno sentiu o rosto corar. Seu Braço Direito era especialista quando o assunto era humilhação com memórias que ele queria esquecer a todo custo. "Mas diga, o que ainda falta ser feito?"
"As mesas já foram postas no jardim, o perímetro foi cercado, mas ainda precisamos saber quando devemos iniciar a segurança." Mario tornou-se sério. Quando o assunto é trabalho não existe pessoa mais centrada e profissional. Ele rivaliza totalmente com o Braço Direito de Giotto. Os dois são extremamente sérios.
O Chefe dos Cavallone ouviu tudo o que o ruivo tinha a dizer antes de decidir o que faria. O primeiro lugar que requisitou sua presença foi a cozinha e Ivan sorriu ao entregar o cardápio ao Cozinheiro Chefe. O homem, que estava na Família há décadas, leu e riu ao ver que cordeiro seria o prato principal. Os dois se despediram entre risadas e o moreno ganhou uma maçã por ter ido até aquela área da casa. O Braço Direito estava do lado de fora, esperando-o como uma sombra, apenas para garantir que ele não fugisse do trabalho. Pelo menos não é trabalho de escritório. Se eu precisasse ler relatórios eu certamente estaria perdido. O Chefe dos Cavallone seguiu lado a lado com seu amigo e os dois cruzaram o hall na direção da saída da mansão. O dia estava frio, como um dia de inverno poderia estar, mas o clima para a noite aparentemente seria firme. Os olhos cor de mel fitaram o céu cinza e Ivan tentou não se render a tristeza. Eu queria que ele pudesse vir. Eu queria poder vê-lo esta noite.
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Ele arrumou duas vezes a gravata borboleta branca antes de estar plenamente satisfeito.
O terno foi colocado com delicadeza, tentando ao máximo não amassar a camisa. Os olhos cor de mel fitaram sua imagem, satisfeito com o que viam. A calça era escura, assim como o terno, mas a camisa e o colete eram brancos. Uma rosa vermelha e natural enfeitava o bolso do lado esquerdo, criando um sensual contraste à figura já naturalmente atraente de Ivan Cavallone. Seu cabelo negro estava arrumado e perfeitamente penteado, porém, por mais que se olhasse o moreno não se sentia completamente vistoso. Não era fácil saber que precisaria enfrentar aquela noite sozinho. Não pense. Você não tem tempo para pensar em bobagens. O Chefe dos Cavallone balançou a cabeça, no mesmo instante em que o barulho de duas batidas na porta chegava aos seus ouvidos. É hora de ir.
Mario vestia um conjunto totalmente negro. Por baixo do terno havia uma camisa escura, mas sua gravata era longa e branca. Os cabelos foram presos em um pequeno rabo de cavalo, enfeitado por um delicado laço também negro. Trabalho de Giuseppe, aposto. Quando o irmão mais novo de seu Braço Direito apareceu, há anos, em uma manhã de domingo, com os cabelos mais curtos, Ivan mal o reconheceu. Somente sem o manto louro pendendo por seus ombros foi possível ver como aquele antigo garoto havia se tornado um homem. Francesco até engasgou com a comida e Catarina ficou tão vermelha que deixou a sala de jantar correndo. Meus filhos são impossíveis.
"Eles já estão prontos?" O moreno deixou o quarto. Do corredor já era possível ouvir o barulho alto que vinha do andar debaixo.
"Sim. Catarina reclamou, mas acabou deixando as empregadas cuidarem das coisas. Francesco está no quarto, esperando."
"Chame-os."
O ruivo fez positivo com a cabeça, adiantando-se e andando à frente. O Braço Direito passou rente à porta do quarto de Catarina, batendo duas vezes e seguindo até o último quarto, repetindo o gesto. A garota de cabelos vermelhos abriu sua porta no mesmo instante, olhando para o pai e revirando os olhos. O Chefe dos Cavallone não conseguiu omitir sua surpresa. Os olhos cor de mel brilharam, sem acreditar que a garota naquele belo vestido azul claro era realmente a arisca e atrevida garota.
"V-Você parece..."
"... estúpida!" Catarina bateu as mãos ao redor da calda do vestido. A garota estava com nove anos, mas muito pouco mudara além de sua altura. Ela continuava não gostando de certas coisas e isso incluía vestidos, bailes e qualquer coisa que a fizesse precisar passar mais de dois minutos na frente de um espelho. "Eu mal consigo andar nisso aqui, papà! Eu pareço ridícula!"
"Não, você parece adorável!" Ivan arriscou tocar o rosto de sua filha, apenas para vê-la dar um passo para trás e evitar o contato. Aquilo não o deixou triste. Domar um cavalo selvagem era mais fácil do que fazer aquela criança se comportar.
O moreno elogiou novamente sua companhia de corredor, até que a porta do último quarto fosse aberta. Giuseppe foi o primeiro a sair, ficando surpreso ao ver todos no corredor. Seu rosto se tornou rubro e ele fez uma polida reverência. Catarina sorriu, segurando a calda do vestido e retribuindo o cumprimento de maneira adorável. Você é tão sortudo, Giuseppe! Francesco vinha logo atrás, um largo sorriso nos lábios e vestindo um conjunto igual ao do pai, com exceção da rosa vermelha. A dele era azul.
"Hahahaha o que é isso?" O rapaz de cabelos castanhos aproximou-se e olhou a irmã de cima. "Quem é você? A Catarina que eu conheço geralmente anda suja e despenteada. De onde você saiu?"
O rosto da garota tornou-se mais vermelho do que seus cabelos, mas ela não retrucou. Aquela atitude era uma constante e só acontecia quando Giuseppe estava por perto. Em qualquer outra situação Catarina teria, no mínimo, chutado o irmão na canela, derrubando-o ao chão e rolado com ele pelo corredor. Entretanto, quando o louro estava por perto, era como se ela se transformasse em uma verdadeira dama.
"Você parece simplesmente perfeita." A voz veio do lado, para a surpresa de todos, especialmente Francesco. Giuseppe deu um passo à frente, esticando a mão e segurando a mãozinha da ruiva. "Seria uma honra acompanhá-la. Se me permitir, claro."
Ivan e Mario reviraram os olhos. Quando queria, o Braço Direito mais novo conseguia ser um verdadeiro cavalheiro, e sabia muito bem como salvar a garota das provocações baratas do irmão. Catarina meneou a cabeça em positivo e aquela provavelmente seria a resposta máxima que conseguiria dar naquela altura do campeonato. Todavia, Francesco não pareceu feliz. A expressão de ironia desapareceu de seu rosto e ele tornou-se sério, como se aquilo fosse uma ofensa.
"Vamos descer."
O moreno riu e guiou o filho para que os dois fossem os primeiros a descerem. O herdeiro dos Cavallone seguiu o pai, mas parecia totalmente contrariado. O hall estava cheio de pessoas e, assim que os dois surgiram no campo de visão, foi como se todas as vozes se unissem para saudá-los. O Chefe acenou, erguendo a mão e sorrindo. Ele estava acostumado àqueles eventos, por serem anuais. Ivan sabia como se comportar e o que dizer. Os momentos certos para abordar Família x ou y, além de sempre parecer agradável e receptivo. Os Cavallone e os Vongola eram basicamente as duas Famílias que dominavam a Itália, mas não havia rixa ou inimizade, pelo contrário. Ambos os Chefes eram amigos próximos e não foi surpresa para o moreno avistar Giotto entre a multidão. Seus pés o levaram até metade da escadaria, onde ele sabia que precisaria fazer seu pequeno, mas necessário, discurso da noite. Seus lábios sorriram para o amigo, e o Chefe dos Vongola ergueu sua taça de vinho como resposta. Ao seu lado estava G., o inconfundível ruivo, e do outro Ugetsu, o "estrangeiro engraçado" de acordo com Catarina. Naquela noite, em especial, o Guardião da Chuva dos Vongola deixara suas roupas orientais e vestia um formal terno e gravata que lhe caiam perfeitamente.
"Boa noite."
O hall se tornou silencioso e o Chefe dos Cavallone esboçou um meio sorriso. Aquela não era a primeira vez que ele precisava falar na frente de dezenas de pessoas, mas sempre sentia um frio na barriga quando essas ocasiões aconteciam. A porta do hall estava aberta e daquela posição Ivan conseguia ter uma visão do jardim. As pessoas que estavam do lado de fora começaram a entrar, até que o hall estivesse abarrotado de convidados. O moreno reconhecia boa parte dos presentes, e sentia-se incrivelmente lisonjeado por ver a mansão tão cheia. Isso prova que sou respeitado. O Chefe dos Cavallone umedeceu os lábios e as palavras começaram a fluir.
O discurso fora escrito há dias, e tudo o que Ivan precisou fazer foi colocar um pouco de sua graça natural às palavras de Mario. Uma ou duas Famílias foram citadas, apenas como uma forma de mostrar que o anfitrião sabia de quem se tratavam. O moreno agradeceu aos presentes por estarem ali e desejou que todos aproveitassem o baile da melhor maneira possível. Francesco tomou a palavra ao final, desejando que todos se divertissem. As palmas foram altas e o herdeiro da Família corou. Tudo ainda era novo para aquele rapaz, então era comum vê-lo parcialmente envergonhado. Os Cavallone terminaram de descer as escadas, acompanhados pelos dois Braços Direitos. Houve um aglomerado de jovens moças quando chegaram ao fim da escadaria e Francesco foi basicamente levado para o outro lado do hall em uma questão de segundos. Giuseppe observava a tudo de longe, misturando-se às pessoas. Era seu dever zelar por seu Chefe e nunca se sabia ao certo quando alguém poderia não ter intenções tão nobres. Até mesmo essas moças. Eu sei que Francis é extremamente popular, mas isso é perigoso. Ivan afastou aquele pensamento quando um rosto amigo se aproximou. Não era hora para se preocupar com aquilo, pelo menos por enquanto.
"Que bela festa, Ivan." Giotto aproximou-se devagar, trazendo consigo suas duas sombras. "E você parece simplesmente encantadora, Catarina."
A garota de cabelos ruivos havia ido para o lado de Ugetsu, elogiando as roupas que ele usava, quando as palavras do Chefe dos Vongola chegaram até ela. Catarina fez uma polida reverência, mas logo sua atenção foi para o Guardião da Chuva. O homem japonês colocou a mão dentro do bolso, retirando um pequeno embrulho que a garota segurou e agradeceu incansavelmente.
"Ugetsu disse que ela é fascinada pelo Japão, então o presente deste ano foi trazido de lá." Giotto parecia encantado.
"Você não deveria ter se incomodado." O moreno sorriu ao ver a filha tão animada. "E a sua esposa? Acredito que tenha ficado em repouso."
"Sim. Ela está com o menino."
O sorriso que cruzou os lábios do homem de cabelos castanhos foi tímido, mas gentil. O Chefe dos Vongola havia se casado no ano anterior e sua esposa havia dado à luz a um garoto há uma semana. O Chefe dos Cavallone ainda não havia feito sua visita, esperando que mãe e filho se recuperassem. Ivan permaneceu mais alguns minutos ao lado do amigo, trocando informações tolas e superficiais. O trabalho o chamou e, quando Mario pousou a mão sobre seu ombro, ele soube que era hora de circular e cumprimentar algumas pessoas.
"Aproveite a festa, Giotto."
O ruivo o acompanhou através das pessoas e Ivan cumprimentou um dos Chefes que estava próximo à mesa de patês. Em dias de eventos como aquele, o primeiro andar era todo remodelado para receber os convidados. As quatro estátuas que adornavam o hall eram retiradas, sendo substituídas por quatro longas mesas. Na extremidade esquerda, próxima a sala de jantar, havia um pequenino palco montado, onde uma banda tocava música clássica, regida pelo melhor maestro da Itália. O jardim também recebia atenção especial, embora o frio trouxesse a maioria das pessoas para dentro da casa. Havia três mesas ao redor do chafariz e ali não existia neve ou lembrança de que estavam no inverno. As bebidas servidas naquela área eram quentes e fortes, o que acabava reunindo mais homens do que mulheres.
Todos aqueles detalhes o moreno sabia. O primeiro baile de Natal que ele sediou foi aos 16 anos, um ano após a morte de seu pai. Como Chefe oficial dos Cavallone, Ivan sabia que aquele evento seria responsável por abrir ou fechar as portas de sua Família naquele mundo. Convites foram enviados, mensagens despachadas e na noite de 24 de dezembro, há 20 anos, ele era condecorado oficialmente como o Primeiro Chefe. Depois daquela data, as coisas não se tornaram fáceis ou simples, mas o peso de saber ou não se seria aceito fora retirado de suas costas. Eu jamais teria conseguido sem ajuda. Ivan pousou os olhos no homem que estava ao seu lado. Ele acabara de cumprimentar o sexto Chefe naquela noite e precisava de uma boa taça de vinho. Mario o acompanhou até a saída da mansão e o moreno sentiu algo em seus ombros. O casaco foi passado e pendurado sobre suas costas, surpreendendo-o por não notar que seu Braço Direito havia mandado um subordinado trazer a peça de roupa, sabendo que eles precisariam sair para o jardim. Ele está sempre cuidando de tudo. Eu não seria nada sem ele. O ruivo pareceu notar o olhar, virando o rosto e erguendo uma sobrancelha.
"Não me diga que finalmente está apaixonado por mim, Ivan." A voz de Mario soou arrastada e entediada. "Desculpe, mas eu já tenho um amante e você não faz o meu tipo."
"Você machuca meus sentimentos dizendo isso." O moreno riu, ajeitando melhor o casado em seus ombros. "E eu aqui pronto para oferecer o meu eterno amor."
O ruivo o olhou e fez uma careta, como se estivesse vomitando. O Chefe dos Cavallone riu, batendo de leve no ombro de seu amigo de infância. Há algum tempo ele não tinha um momento tão descontraído com aquela pessoa. A última semana foi atarefada e o único momento em que ele não estava trabalhando era quando dormia. Eu mal tive tempo de ver Alaudi nesses dias. Ivan aproximou-se de uma das mesas do jardim e seu Braço Direito o serviu com uma caneca de vinho quente. Eu sei que vou vê-lo amanhã, mas é um pouco triste saber que, quando todos forem embora, eu retornarei para um quarto vazio. O vinho desceu gostoso por sua garganta, e o cheiro do cravo misturado ao acentuado gosto da maçã fizeram seu corpo tremer.
"Ele vem esta noite?" O moreno deu mais um gole em sua caneca. Ele amava vinho quente e se fosse permitido passaria o restante da noite ao lado daquela mesa.
"Ele já veio." Mario se serviu de um pedaço de pão com azeite. "Próximo ao pilar. Não tira os olhos de nós desde que saímos da mansão."
O Chefe dos Cavallone virou o rosto na direção que o ruivo havia apontado e encontrou quem ele procurava. Giulio estava recostado à parede, agasalhado com um sobretudo negro e um cachecol xadrez vermelho. Ivan pensou em erguer a mão e acenar, mas sabia que não poderia. Nenhum daqueles presentes poderia sequer cogitar que havia um policial entre os convidados. Giulio só está aqui porque Mario permitiu. Ele jamais correria risco algum se não tivesse certeza de que ninguém o reconheceria. O moreno fez menção de se servir com outra caneca de vinho, mas seu Braço Direito segurou seu pulso, meneando a cabeça em negativo.
"Vamos cumprimentar mais algumas pessoas e depois voltaremos para cá." O ruivo disse baixo, no exato momento em que uma bela moça de cabelos negros se aproximava. A mulher era Chefe de uma poderosa Família de Veneza, e todo ano fazia questão de cumprimentar Ivan. Mas eu sei que intimamente ela quer casar a filha com Francesco...
A parte social durou muito mais do que o moreno gostaria. Ele perdeu a conta de quantas vezes foi arrastado para todos os cantos da casa, cumprimentando, sorrindo e sendo o mais agradável possível. Os momentos de apreciação eram poucos, principalmente no que dizia respeito às bebidas. Mario estava sempre ao seu lado, os olhos verdes fiscalizantes e atentos. Seus próprios filhos foram vistos apenas duas vezes: Francesco, como sempre, rodeado por garotas, sendo convidado incansavelmente para dançar, e aceitando após muita insistência. Giuseppe ficava ao longe, olhos baixos e expressão séria, pronto para agir se alguma coisa ameaçasse seu Chefe. Catarina foi avistada no jardim, ao lado de várias crianças de sua idade, praticamente todos garotos. Ela não se dá bem com as meninas. Foi o que o Chefe dos Cavallone pensou ao vê-la de longe. Aparentemente eles brincavam de alguma bobagem, alguma brincadeira como caça ao tesouro. E nem faz questão disso. Ivan suspirou e deu as costas. Seu trabalho ainda não estava feito.
O baile durou até o começo da madrugada, e durante todo o tempo o moreno contou nos dedos às vezes em que se sentou para degustar alguma coisa. As pessoas começaram a ir embora depois da 1h da manhã, e o Chefe dos Cavallone permaneceu procrastinado na entrada do hall, despedindo-se dos convidados e vendo-os entrarem em seus carros e deixarem a propriedade. Por cerca de uma hora ele não fez nada além de desejar boa noite e boa viagem, sempre seguidos por um gentil sorriso. Os herdeiros da Família haviam subido há algum tempo, então Mario era basicamente sua única companhia. Quando a última pessoa deixou à mansão, o moreno soltou um largo suspiro, quase se deixando escorregar pelo chão.
"Você fez um bom trabalho." O ruivo não parecia cansado ou exausto.
"Eu não sei até quando aguentarei essas festas." O Chefe dos Cavallone entrou na mansão. Havia esfriado e era quase desumano permanecer do lado de fora. "Diga aos demais para retirarem apenas o necessário. Terminaremos a arrumação amanhã de manhã."
"Não se preocupe com isso, eu cuidarei do restante." O Braço Direito ergueu uma das mãos e no mesmo instante uma dúzia de subordinados seguiu para o jardim. "Você precisa descansar."
"Não, eu ficarei bem." Ivan sorriu. Ele realmente precisava ter uma boa noite de sono, mas jamais conseguiria dormir quando seu amigo tinha tanto trabalho nas mãos. "Se eu ajudar nós terminaremos mais rápido e você pode ir para casa. Sua companhia está esperando."
O moreno apontou para o lado direito do hall, onde Giulio estava encostado. O Vice-Inspetor de Polícia aproximou-se devagar e o Chefe dos Cavallone finalmente pôde cumprimentá-lo.
"Boa noite." Giulio esboçou um meio sorriso. "Sua festa estava excelente, Cavallone."
"Obrigado. Espero que tenha aproveitado."
Mario deu de ombros e os dois começaram a arrumação do hall. O Vice-Inspetor se prontificou a ajudá-los e um quarto elemento surgiu para auxiliar: Giuseppe vinha do segundo andar, uma expressão séria, mas o rosto absurdamente corado. Quando questionado porque parecia tão descomposto, o louro apenas disse que tropeçou no tapete do corredor e quase bateu o rosto na parede. O irmão mais velho o criticou, dizendo que tomasse mais cuidado ao andar, mas logo o assunto foi esquecido.
A arrumação da mansão roubou-lhes mais meia-hora, embora mais de 50 homens tivessem ajudado. O Braço Direito de Francesco dormiria na mansão naquela noite, então Mario despediu-se de Ivan na soleira da porta. O ruivo entrou no carro de Giulio e pela última vez na noite o moreno despediu-se com um sorriso. Giuseppe desejou uma polida boa noite e os dois se separaram ao chegar ao topo da escada. Os quartos de hóspedes ficavam do outro lado da mansão, mas o louro era praticamente família, então dormia em um dos vagos quartos principais e em frente ao quarto de Francesco. O Chefe dos Cavallone seguiu pelo corredor, bocejando e coçando a nuca. Suas pernas estavam doloridas e seus olhos mal conseguiam se manter abertos. Eu quero minha cama... A porta foi aberta e Ivan recebeu o calor do cômodo. A lareira estava acessa, criando uma atmosfera agradável e envolvente, como um abraço apertado de um amante. Amante... Ivan sentiu seus olhos se arregalarem e o sorriso que cruzou seus lábios foi de genuína felicidade. Como o inesperado homem sentado em minha cama...
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Alaudi estava sentado na beirada da cama, trajando seu costumeiro sobretudo azul escuro. O moreno entrou devagar e fechou a porta sem se virar. Os passos que o levaram até seu amante foram curtos e lentos, mas não por sentir cansaço ou exaustão. Os olhos cor de mel fitavam o louro e a cada centímetro deixado para trás era como se toda aquela barulhenta e exaustiva noite não tivesse significado absolutamente nada. O Chefe dos Cavallone sentiu quando seus joelhos cederam, tocando o macio tapete que forrava a área da cama. Seus braços se esticaram, envolvendo o Guardião da Nuvem e o abraçando, enquanto sua cabeça se escondia no abdômen de sua companhia. Finalmente... Ivan fechou os olhos, apertando mais seus braços, apenas para garantir que aquela pessoa não fosse a lugar algum. O Inspetor de Polícia nada disse, porém, o moreno sentiu quando duas gentis mãos tocaram suas costas, aprovando aquele contato.
Os dois permaneceram naquela posição por algum tempo. Nenhum deles parecia inclinado a dizer nada, aproveitando o silêncio. Os dedos de Alaudi desceram pelas costas do Chefe dos Cavallone, tocando o tecido do terno e sentindo o homem que estava por baixo de todas aquelas camadas de roupas.
"Cansado?" A voz do louro soou baixa, quase um sussurro.
"Sim." Ivan sentiu os lábios se repuxarem em um sorriso. Verdade fosse dita, ele se sentia exausto até mesmo para tocar intimamente o homem em seus braços.
"Troque de roupa e vamos dormir. Eu também estou cansado."
"Você chegou agora?" O moreno ergueu o rosto, mas manteve-se na mesma posição.
"Não. Eu estou aqui há algum tempo."
"Você poderia ter descido."
"Não, eu não poderia."
O Chefe dos Cavallone riu, sentindo algo tocar seu rosto. Inicialmente ele achou que fosse a mão de seu amante, mas não era. Ivan moveu-se um pouco para trás, ficando surpreso ao ver que havia um embrulho em suas mãos. Seus olhos brilharam e ele encarou o Guardião da Nuvem apenas para se certificar de que não estava sonhando.
"E-Eu posso abrir?" O moreno sentiu-se novamente com dez anos, esperando o presente do pai.
"É seu, faça o que quiser." O Inspetor de Polícia deu com ombros.
A embalagem era escura, assim como o seu conteúdo. Dentro da caixinha de madeira havia alguns papéis e ao fundo o pequenino livro. As inscrições não eram em italiano, e os lábios do Chefe dos Cavallone sorriram.
"Você lembrou? Muito obrigado, Alaudi, eu adorei." Ivan segurou uma das mãos do louro, beijando-a ternamente. Em sua outra mão havia um exemplar de um raro livro contendo poemas japoneses. Há alguns meses ele havia sido introduzido àquele mundo através de Ugetsu e acabou se apaixonando pela maneira como aquele povo expressava seus sentimentos. "Sua irmã o enviou?"
"Sim." O Guardião da Nuvem abaixou os olhos.
"Não faça essa cara, eu realmente estou feliz."
"Não é fácil escolher presentes para alguém que tem tudo. Qualquer coisa soa insignificante."
"Não tudo. Esta noite tudo o que eu quis era estar ao seu lado, mas não pude. Por horas eu contei os segundos até que a festa terminasse para que eu retornasse ao quarto, dormisse e finalmente pudesse vê-lo amanhã." O moreno pousou a caixa sobre a cama, segurando o rosto de Alaudi entre ambas as mãos. "Não se atreva a pensar que não ficarei incrivelmente feliz por receber qualquer coisa que venha de você, então tire essas ideias tolas da cabeça."
O louro tentou virar o rosto para o lado, mas não conseguiu. O Chefe dos Cavallone ficou em pé e se espreguiçou, respirando fundo.
"Bem, eu planejava entregar o seu presente somente amanhã, mas a oportunidade é boa demais para deixá-la escorrer por meus dedos." Ivan fez sinal com uma das mãos para que o Guardião da Nuvem permanecesse onde estava.
O moreno caminhou até o cômodo que servia como closet, desaparecendo por alguns segundos e retornando com um embrulho pequeno. Seu corpo arrastou-se para o mesmo lugar e ele voltou a se ajoelhar no tapete, pousando o que trouxera no colo de seu amante. O Inspetor de Polícia lançou um olhar que dizia claramente que aquilo não era necessário, mas o Chefe dos Cavallone simplesmente deu de ombros. Alaudi abriu o embrulho, encarando uma caixa pequenina e vermelha. A tampa foi retirada e seria impossível descrever em palavras a expressão que surgiu naquele belo rosto ao encarar o conteúdo.
O anel dourado estava preso por uma corrente de mesma cor, e ambos repousavam delicadamente em um fundo vermelho. O louro hesitou por um momento, mas, antes que pudesse tocar a joia, Ivan se adiantou e a segurou. A corrente de ouro brincou em seus dedos, e o moreno a colocou na palma da mão direita de seu amante, fechando-a e beijando-a novamente.
"Eu sabia que você jamais usaria uma aliança se eu a comprasse. Eu também não posso aparecer um dia com um anel desses sem ter uma boa explicação para dar." Havia uma profunda e verdadeira tristeza naquelas palavras. O Chefe dos Cavallone sentiu sua garganta se fechar, e seu peito tornou-se apertado. Era injusto. Era simplesmente injusto que ele não pudesse amar completamente aquele homem sem precisar se preocupar com trabalho ou sociedade. "Então eu a coloquei em uma corrente, para que você não a perca. Eu não tenho esperanças que vá usá-la, e não faço questão, de verdade. Eu só quero que escute o que eu tenho a dizer, pois essas palavras vêm junto com o meu presente."
Ivan colocou a caixa ao chão, deixando ambas as mãos livres para segurar a mão esquerda do Guardião da Nuvem. Seus olhos se fecharam momentaneamente e ele precisou respirar fundo ou não conseguiria ir até o fim.
"Io prometto di esserti fedele sempre, nella gioia e nel dolore, nella salute e nella malattia, e di amarti e onorarti tutti i giorni della mia vita." ¹
As palavras foram ditas baixas, como um mútuo segredo. O moreno ergueu-se levemente, o suficiente para que seus lábios pudessem tocar a bochecha esquerda do Inspetor de Polícia. Suas mãos tremiam levemente, nervosas e incertas. O Chefe dos Cavallone ergueu os olhos, esperando que Alaudi não tivesse se ofendido. Quando decidiu que daria a aliança de presente, Ivan achou que seria apropriado fazer tudo, e isso incluía belas palavras que, embora fossem verdadeiras, jamais poderiam expressar realmente seus sentimentos por aquela pessoa.
"Obrigado." A voz do louro roubou totalmente os pensamentos do moreno. "Eu realmente gostei do presente."
Havia um tímido sorriso emoldurando um rosto parcialmente corado. O Chefe dos Cavallone sorriu, sentindo seu coração bater mais rápido somente por ver tal expressão.
"Onde está a sua aliança?" O Guardião da Nuvem passou os olhos pela cama.
"Comigo." Ivan retirou a gravata borboleta e abriu os botões da camisa branca, mostrando a corrente dourada em seu pescoço. "Eu a coloquei esta manhã e continuaria a usá-la mesmo que você não aceitasse."
"E por que eu não aceitaria?" O Inspetor de Polícia tornou-se sério. Ele claramente não havia gostado do comentário.
"Desculpe." O moreno riu, sentando-se na cama e oferecendo-se para colocar a corrente no pescoço de seu amante. "Mas é que às vezes é difícil de acreditar que já se passaram quase dez anos. Parece que foi ontem que eu tomei coragem para entrar na sede de Polícia e reencontrá-lo após o baile." O Chefe dos Cavallone não viu a expressão no rosto de sua companhia, mas baseando-se nas bochechas vermelhas ele imaginou que Alaudi compartilhava daquela sensação. "Obrigado por estar comigo nesses dez anos." O louro virou-se e os dois se encararam diretamente.
As mãos de Ivan seguraram o rosto do Guardião da Nuvem e o beijo foi inevitável. Os dias distantes e atmosfera de reencontro serviram para transformar aquela carícia em um profundo gesto, que fez com que o moreno se esquecesse momentaneamente de seu cansaço. Os braços do Inspetor de Polícia envolveram seu pescoço, aproximando os corpos e aumentando a necessidade por um pouco mais de contato. O Chefe dos Cavallone inclinou-se ao lado, fazendo com que seu amante se deitasse sobre a cama e que lhe fosse permitido ficar por cima. O beijo se tornou menos comportado e mais afoito. A língua de Ivan percorria sem pudores o interior da boca de Alaudi, provando aquele homem com uma fome devastadora.
A necessidade por ar encerrou a carícia, e o moreno afundou o rosto no pescoço do louro, respirando fundo. As mãos do Guardião da Nuvem subiram por suas costas, tocando seus cabelos e os afagando gentilmente.
"Eu quero você." A voz do Chefe dos Cavallone soou baixa. Ele havia se excitado com o beijo, e não havia nada que ele quisesse mais do que envolver o homem em seus braços e fazê-lo soltar aqueles doces gemidos que somente ele tinha o privilégio de ouvir.
"Nós estamos cansados." O Inspetor de Polícia soltou um baixo suspiro. "Nós podemos continuar amanhã."
"Você ficará para o fim de semana?" Aquelas palavras animaram Ivan e seus olhos se ergueram. Era madrugada de terça-feira, mas não havia problemas em ser um pouco esperançoso, não?
"Sim. Eu ficarei durante a semana." Alaudi respondeu baixo, mas virou o rosto.
O moreno arrastou-se para o lado, sentando-se na cama e erguendo as sobrancelhas. Ele ouvira direito? O viciado em trabalho dissera que se daria uma semana de férias? Impossível!
"Hoje..." O Chefe dos Cavallone tentou ficar sério, mas era difícil. "Você ficou até tarde trabalhando para poder vir para cá, não foi?"
O louro não retrucou. Sua face ainda estava virada para o outro lado do quarto, mas aquela era a resposta que Ivan procurava. Seus lábios esboçaram um satisfeito sorriso e não havia quase nada que ele desejasse para aquele resto de noite.
"Vamos trocar de roupa e escovar os dentes. Estamos exaustos." O moreno levantou-se e ofereceu a mão. "Nós teremos uma semana para matarmos a saudade."
"Você não pretende viajar?" A pergunta foi feita com um falso interesse.
"Nada vai me tirar daqui pelos próximos dias." O Chefe dos Cavallone passou a mão ao redor da cintura do Guardião da Nuvem, unindo os corpos. "Serei todo seu até o final da próxima semana."
O Inspetor de Polícia ergueu uma sobrancelha e permaneceu alguns segundos em silêncio.
"Eu não quero." Alaudi respondeu com desdém.
Ivan riu alto, fisgando os lábios do louro em mais um longo beijo. As mãos do Guardião da Nuvem subiram devagar por seu peito e seus dedos tocaram a aliança pendurada no pescoço, apertando-a firme. O moreno abraçou fortemente seu amante, sentindo as mãos em suas costas.
Naquele momento o Chefe dos Cavallone soube que o Inspetor de Polícia sentia o mesmo, embora as palavras propriamente ditas não tivessem chegado aos seus ouvidos. Alaudi sempre seria um homem de ações, deixando que seus gestos falassem o que seus lábios não eram capazes.
Ivan sorriu, permanecendo naquele abraço pelo tempo que achou necessário. Seu verdadeiro presente estava ali, ao alcance de seus dedos, e por aquele homem ele teria esperado a vida inteira se isso significasse ter aquele mero momento. Nunca uma espera foi tão docemente recompensada.
- FIM.
¹ "Eu prometo ser sempre fiel a você, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, e amar e honrar-lhe todos os dias da minha vida."
Nota da autora:
Há algum tempo eu não me sentia tão bem ao escrever uma fanfic. Eu realmente gosto de escrever e é uma das poucas coisas que me atraem realmente na vida, mas este especial, em particular, teve um sabor diferente. Infelizmente não posso falar muito, já que a fanfic ainda terá mais dois capts, ou melhor, dois outros especiais relacionados diretamente com este aqui: Giulio/Mario e Francesco/Giuseppe. Os próximos capts serão postados amanhã e segunda-feira (ok, reconheço, é estranho postar capts diários oaehouehuoa). Então, ao final, eu deixarei um recadinho mais longo e tal. Por hora, fico por aqui e espero que tenham gostado :)
