CAPÍTULO I

Assim que desembarcou no aeroporto, Draco apanhou a picape que havia alugado, estudou os mapas rodoviários que estavam no porta-luvas, comprou água mineral e um pouco de comida numa loja de conveniência próxima, e então saiu da cidade.

Não tinha nenhum interesse em conhecer as cercanias de Broken Hill, apesar de aquela ser sua primeira visita ao lugar. Estava ali apenas por um motivo. Precisava tirar a Srta. Hermione Granger do Hotel Drybek Creek e levá-la de volta para Sidnei.

Cidades de mineração, mesmo uma tão grande e famosa quanto Broken Hill, não lhe interessavam nem um pouco.

E ele sentia o mesmo em relação à vida interiorana da Austrália. Já experimentara o bastante daquilo para toda uma vida!

Mesmo assim, por um lado era bom voltar e ver que o lugar era tão infernal quanto imaginara. O que o fazia lembrar-se de porque tinha fugido com dezesseis anos. E fazia-o apreciar muito mais o que tinha conseguido.

Minutos depois de deixar o último baluarte de civilização, a paisagem transformou-se na conhecida sucessão de planícies infindáveis, queimadas e castigadas pelo clima, a perder-se de vista.

O inverno mal acabara, mas o panorama não seria melhor se ele tivesse chegado no verão.

O verde era uma cor que aquela região desconhecia. E quanto ao azul... Bem, o único azul que se via era o límpido manto da atmosfera.

Draco meneou a cabeça para a cena que seus olhos captavam. Preferia Sidnei sob qualquer comparação. A baía azul e os jardins verdejantes. A maravilhosa ponte e a impressionante Opera House... Ele se apaixonara pela cidade à primeira vista. Gostava até mesmo do barulho causado pelo tráfego constante. Aquilo o fazia sentir-se vivo!

Francamente, mal acabara de chegar e já não via a hora de voltar.

Sua missão ali não o deteria por mais que uma noite, e então poderia voltar para casa. De preferência com aquela herdeira encrenqueira a seu lado.

Só precisava da cooperação da jovem por um mês. Não era pedir demais, principalmente porque no fim das quatro semanas havia uma fortuna em potencial para a própria garota.

Entretanto, se nada fosse feito talvez a moça acabasse vendendo suas ações da Femme Fatale... E era aquilo que Harry temia... Por um mero punhado de dólares. Um preço ínfimo, se comparado ao pote de ouro que Draco estava em condições de oferecer.

E a descrição feita pelo investigador particular que Harry contratara só o deixava mais seguro.

A Srta. Hermione Granger tinha completado vinte e três anos há pouco tempo. Era alta, atraente... E pintava os cabelos de loiro.

— Tudo no lugar certo — fora o que o homem dissera.

O fato da garota ser fisicamente atraente era bom, mas o melhor para Draco era o fato de ela ser muito jovem. Para um velho lobo como ele era sempre mais fácil influenciar uma garota ingênua.

Com a experiência, Draco descobrira que as mulheres jovens raramente tinham personalidade forte. E mesmo que tivessem, sempre eram suscetíveis à persuasão, especialmente quando era ele quem tentava fazê-las mudar de idéia.

Draco não costumava se gabar, mas também não alimentava nenhuma falsa modéstia. Era um homem bonito e as mulheres gostavam daquilo. Além disso, era charmoso e possuía um cérebro rápido e criativo. Podia vender água no deserto. Por isso mesmo sua empresa, a Wild Ideas, era uma das mais bem-sucedidas agências de publicidade de Sidnei.

E não apenas isso. Também era a melhor.

De qualquer forma, dobrar uma garçonete do interior não lhe exigiria muito esforço. Melhor lidar com mulheres do campo, sempre lindas... E pouco inteligentes.

Sim, pois uma mulher inteligente sempre causava problemas a um homem.

Era bom tê-las como companheiras de trabalho, mas só isso. Draco sempre empregara mulheres assim e se dera muito bem. Lunna, por exemplo. Ela era esperta demais. E muito atraente. Mas Draco jamais ousara se aproximar dela.

E fora uma sábia decisão. Dentro de um mês Lunna estaria se casando com um sujeito que jamais tinha sequer considerado a idéia de matrimônio... No passado, Blasio Zambine se destacara na vida social de Sidnei como um playboy incorrigível. Alguns meses antes sua fama de solteirão convicto parecia inabalável.

E o que acontecera ao homem? Agora ele estava prestes a tornar-se marido de Lunna, prometendo amá-la e respeitá-la até que a morte os separasse!

Pensar na situação do amigo fez Draco procurar um cigarro. Depois de acendê-lo, ele tragou profundamente.

Oh, sim, inteligência numa amante... Embora inegavelmente excitante... Trazia suas complicações. Aquele tipo de mulher sempre queria mais do que ele estava preparado para dar. Mesmo que ela não insistisse num casamento, no mínimo iria desejar morar com o amante. Apenas para manter o sujeito sob rígida observação, dizendo-lhe o que fazer aonde ir e tudo o mais...

Ao sair da casa dos tios que o tinham criado Draco dissera a si mesmo que nunca mais uma pessoa lhe diria o que fazer. Nenhum homem, e certamente nenhuma mulher.

Depois de muito tempo alcançara uma posição privilegiada. Agora era o senhor dos mínimos aspectos de sua própria vida, e gostava que as coisas fossem assim. Quando amigos como Harry lhe perguntavam se não desejava uma vida normal, com mulher e filhos, Draco simplesmente sorria e dizia que não, que aquele tipo de vida não era para ele.

Se tivesse uma família, poderia estar indo para Broken Hill naquele momento sem ter que responder a um milhão de perguntas?

Claro que não!

Um homem de família poderia pensar em levar uma jovem atraente para Sidnei e hospedá-la durante um mês em sua própria casa?

Santo Deus, não!

Mas ele podia. Podia fazer qualquer coisa que desejasse.

E Draco realmente queria fazer aquilo.

O que, na verdade, não deixava de ser surpreendente. No começo ele havia pensado que o único propósito daquela missão de resgate maluca era ajudar o amigo Harry, um bom companheiro que estava diante de dois desastres, um financeiro e outro matrimonial.

De qualquer forma, durante o trajeto do vôo entre Sidnei e Broken Hill, Draco havia descoberto que ajudar Harry não era a única razão para estar fazendo aquilo.

Era o desafio que o atraía.

E desafios tinham se tornado coisas muito raras em sua vida nos últimos tempos.

Para ser honesto, ele dominara completamente o jogo da publicidade. E ganhara milhões durante o processo. Possuía tudo de material que uma carreira bem-sucedida podia oferecer. Carros esportivos, roupas de luxo, uma cobertura na baía de Sidnei, uma carteira de investimentos e propriedades capaz de causar inveja. Além de qualquer mulher que pudesse desejar.

Era realmente entediante.

Salvar a Femme Fatale da falência, de qualquer modo, não seria nada maçante... E ele poderia até ganhar algum dinheiro, já que possuía algumas ações da companhia.

Não tantas, porém, quanto Harry...

Draco meneou a cabeça ao lembrar do ar devastado do amigo durante a conversa do dia anterior.

— A herdeira é uma garçonete, pelo amor de Deus — ele resmungara. — Nada mais que isso! E pensar que investi todas as minhas economias naquelas ações... Mal acredito em minha falta de sorte.

Ao ouvi-lo, Draco concluíra em silêncio que tudo aquilo tinha pouco a ver com sorte ou falta dela. Era mais um caso de ambição desmedida.

De qualquer forma, apenas alguns meses antes a Femme Fatale era uma empresa de grande potencial, líder de mercado no setor de lingerie sofisticada e comandada por uma presidente bastante dinâmica... Uma mulher chamada Maxine Gilcrest. Ela começara o negócio muitos anos antes num tímido salão em sua própria casa.

Em pouco tempo Maxine conseguira expandir o negócio de maneira inacreditável, chegando a exportar seus produtos para as melhores boutiques de Londres e Nova York. Chegara até mesmo a abrir lojas em Paris! E as ações da empresa subiram absurdamente de valor.

Draco gostava de creditar a si mesmo parte daquele sucesso rápido, já que sua agência de publicidade cuidara da propaganda da empresa. As várias campanhas que havia realizado para a Femme Fatale foram coroadas por um sucesso retumbante.

Quando Maxine decidiu, no começo daquele ano, aventurar-se no ramo de perfumes, naturalmente tinha procurado Draco para planejar a campanha publicitária de sua primeira essência exótica. Mal tinham começado o trabalho, porém, quando seis meses antes, nos primeiros dias de julho, Maxine e sua gerente, e namorada, morreram num acidente automobilístico.

A notícia da tragédia dupla logo atingiu as ações da empresa, e os papéis perderam valor perigosamente. E quando os detalhes sobre o testamento de Maxine chegaram à imprensa a situação ficou ainda pior. No documento ela deixava todo seu patrimônio, incluindo o controle da companhia, primeiro para a amante... Que infelizmente também havia morrido no acidente... E então para a parente mulher mais próxima, cujo nome ou identidade eram desconhecidos.

— Mas o que levou Maxine a fazer uma coisa tão maluca? — Fora a primeira pergunta de Draco. Harry trabalhara como advogado para Maxine, assim como para Draco.

O amigo de muitos anos encolhera os ombros num gesto frustrado.

— Não tive nada a ver com essa decisão. O documento já estava pronto, deixando tudo para a namorada, pois Maxine não imaginava que uma mulher bem mais jovem que ela pudesse morrer logo. Ela argumentou que mudaria o testamento caso Helen morresse. Quando eu levantei a hipótese das duas morrerem juntas ela riu, dizendo que a possibilidade disso acontecer era mais do que remota...

Ficou pensativo por alguns instantes, depois continuou:

— Insisti, argumentando que esse tipo de acidente acontece com freqüência, e que se o pior acontecesse talvez algum parente, ou até mesmo o ex-marido dela, poderia reclamar o patrimônio na justiça, a menos que Maxine determinasse um herdeiro definitivo. Ela disse que nenhum homem jamais veria um centavo de seu dinheiro, e me pediu para incluir uma cláusula no testamento, contemplando sua parente mais próxima. Quando eu perguntei quem era a pessoa, ela disse que não sabia, mas que certamente devia haver alguém em algum lugar.

— E essa pessoa existe? — Draco perguntou.

— Não conseguimos encontrar ninguém até agora. Os pais de Maxine morreram, assim como seu único parente conhecido, um irmão mais velho. Ele trabalhava com prospecção de petróleo, mas não parece ter sido um sujeito bem-sucedido, e morreu em alguma parte do deserto Simpson há mais de uma década. Os pais dele e de Maxine eram imigrantes ingleses, por isso imaginei que posso encontrar alguém na Inglaterra. Coloquei um investigador particular para trabalhar no caso, mas o homem me disse que isso pode levar algum tempo...

Passou-se um mês. Tempo o bastante para que toda a diretoria da Femme Fatale se demitisse, apesar dos veementes protestos de Harry, insistindo para que os executivos lhe dessem mais tempo.

No dia anterior, as ações haviam atingido o preço mais baixo dos últimos anos, um quarto do que valiam no começo daquele ano.

Draco tinha perdido alguns milhares de dólares... mas Harry perdera uma pequena fortuna!

E ao descobrir que o irmão de Maxine na verdade tivera uma filha ilegítima, uma garota que atualmente tinha vinte e três anos e trabalhava como garçonete num lugar remoto no meio do deserto, Harry finalmente entrara num verdadeiro processo depressivo.

Ele tinha certeza de que a garota venderia as ações que herdaria da tia pela primeira oferta que recebesse, o que só serviria para baixar ainda mais o valor dos papéis. Especialmente quando descobrisse que as ações eram a única coisa que havia restado do patrimônio de Maxine.

— Acredita que a mulher não tinha nada além das roupas? — Harry perguntara a Draco durante o almoço do dia anterior. — O apartamento mobiliado era alugado, assim como o carro. As contas bancárias estavam praticamente limpas... Maxine reinvestia tudo o que possuía na companhia.

— Isso acontece o tempo todo, companheiro — Draco observara.

— Não sei como vou contar tudo para Ginna — Harry queixara-se.

— Ainda não disse nada à sua esposa?

— Ainda não. Não estamos nos falando muito nos últimos tempos... Na verdade, Ginna acha que gasto dinheiro demais em coisas que não importam. Ela vai me matar quando descobrir tudo. Ou, pior, vai me deixar e levar as crianças com ela. Eu não suportaria isso. Você precisa me ajudar, Draco.

— Eu?

— Sim, você. Você é o homem das grandes idéias. Se me ajudar a recuperar meu dinheiro serei seu escravo para sempre.

— Humm... Essa não é uma perspectiva tentadora. Na verdade, prefiro muito mais ter uma escrava. Mas vou te fazer uma proposta, parceiro... Se eu recuperar seu dinheiro, quero aquela garrafa de vinho que você comprou num leilão no ano passado.

Harry ficou mortificado.

— Não o Grange Hermitage!

— Sim, esse mesmo.

— Mas... você vai bebê-lo!

— É para isso que um bom vinho tinto foi feito, não é?

— Você é um verdadeiro filisteu, Draco... Oh, tudo bem — o outro homem resmungara. — Qualquer coisa, se conseguir me livrar dessa encrenca...

E lá estava Draco agora, viajando por uma estrada empoeirada para salvar o velho amigo. Em menos de duas horas iria chegar a seu destino. Ele olhou para o relógio. Dez para as duas. Estaria lá antes das quatro.

Depois de acender outro cigarro, apertou o acelerador. No íntimo, se perguntava o que a srta. Hermione Granger estaria fazendo naquele instante.

Com certeza não esperava uma visita, nem as novidades que ele iria revelar.

Draco tinha convencido Harry a não ligar para a garota no dia anterior.

— Deixe-me levar as notícias pessoalmente — ele dissera com um sorriso malévolo.

A expressão de Harry fora de clássica desconfiança.

— Não pretende seduzir a moça, não é, Draco?

— Não seja ridículo — Draco replicara de forma suave e casual. — Nunca misturo negócios com prazer.

Aquilo era verdade. No passado ele jamais fizera tal coisa. A não ser que fosse estritamente necessário.