SOBRE NEVE, LÍRIOS E AVELÃS

ATENÇÃO: Este texto contém "cenas" de sexo e violência.

Presente para a Lily, minha amiga, irmã e companheira inseparável de fanfics e de vida. 3

PRÓLOGO

Ela acordou sobressaltada, como se mãos invisíveis e sacudissem. Levantou-se de um ímpeto e abriu, com alguma dificuldade, a pesada porta de carvalho de seu quarto. Ganhou o corredor e, com algum alívio, percebeu que velas tremeluziam na sala. Aproximou-se com seus passos leves, um pezinho à frente do outro, cautelosamente. Mas quando se chegou à porta da sala, um grito agudo irrompeu de sua garganta. Os três cadáveres jaziam sobre o carpete.

PARTE I

Aquele era, sem sombra de dúvida, o dezembro mais frio dos últimos anos, mas isso não era algo de que as pessoas reclamassem. Não havia tempo ruim em Hogwarts, e o frio servia para longas conversas frente às lareiras dos salões comunais ou para brincar na neve do jardim. Bem, nada disso servia a ela, que sempre estava cabisbaixa e não prestava atenção a nada ao seu redor. E ela odiava, especialmente, o mês de dezembro, porque sabia que passaria as férias de Natal na casa dos tios, onde era indiferente.

Em pé, ereta e com um olhar paralisado, assemelhava-se a uma estátua de gelo em meio ao jardim. Os cabelos balançavam ao toque do vento, que, impiedoso, batia com violência no rosto de porcelana. Ela gostava daquela sensação, aliviava-lhe como poucas coisas na vida. De olhos fechados, esquecia do que se passava à sua volta, como se estivesse completamente sozinha, e também gostava disso. Não se preocupava com os outros, já que ninguém ligava importância a ela. Em todos aqueles anos que estudava em Hogwarts (cursava o quinto) não havia feito nenhum amigo. As pessoas, se por acaso dirigiam-se a ela, era para lhe atribuírem ofensas, chamar-lhe estranha, dizer-lhe coisas horríveis a respeito de sua família. Fora o tempo que ela se importava e azarava com feitiços perigosíssimos os seus inimigos. Tornou-se indiferente quando quase perdeu o direito de estudar em Hogwarts, ao ferir gravemente um quartanista que lhe atribuíra algumas maldosas pilhérias (ela cursava, então, o terceiro ano). Chegou a ser expulsa e passar uma semana em casa, e só retornou ao castelo graças a uma colega que intercedeu por ela, pedindo ao diretor da casa, uma segunda chance. Ela nunca agradeceu à menina, mas também não desperdiçou a sua segunda chance. A partir daquele dia, a sonserina tornou-se mais fria do que o de costume, impenetrável e dura como uma rocha. Era surda a todos os comentários, e seus olhos não denotavam nenhum tipo de emoção. Os pensamentos vagavam para longe, e nunca tinham forma nem cor. Quando não estava estudando — e era o que ela mais gostava de fazer, que lhe rendia o título não reconhecido de garota mais inteligente da escola — estava parada como uma estátua, pensando em algo de que nem ela mesma tinha conhecimento.

Era exatamente assim que ela estava na tarde fria de dezembro, imersa em seus pensamentos abstratos, mas não se sobressaltou quando sentiu alguém tocar-lhe o ombro, apenas estranhou, porque não estava acostumada com qualquer proximidade. Ao virar-se para o seu lado direito, deu com o rosto comprido e pálido de Draco Malfoy. Seus olhos amendoados apenas se dilataram um pouco, mas nem assim pareceu menos impassível.

— Você não está com frio? Não está usando gorro, cachecol, nem mesmo luvas! — ele indagou com sua voz arrastada.

— Não — foi tudo o que ela respondeu, sem qualquer rastro de emoção na voz, e voltou a fitar o jardim, sem realmente vê-lo.

— Qual é o seu nome mesmo?

— Lillian Hazel.

— Draco Malfoy — e estendeu a destra, que Lillian não apertou, retirando-a em seguida.

Ele esperou por mais um minuto inteiro, mas ela não se manifestou, continuou em sua posição intacta, de estátua de gelo.

— Quer dar uma volta? — ele indagou finalmente.

Ela o olhou com estranheza, aquilo era realmente muito atípico. Draco era o garoto mais popular de sua casa, e ela o extremo oposto. Sem dar qualquer palavra, Lillian o contornou e fez o caminho até o castelo.

À noite o frio estava ainda mais intenso, e Lillian aproveitou-se do fato de que os seus colegas se recolheram cedo para ter um momento em paz frente à lareira. Sentou-se, estendeu as mãos em direção ao fogo e fechou os olhos, novamente sem pensar em coisa alguma, apenas os seus sentidos se manifestavam, em especial, o tato. O calor do fogo envolvia as suas mãos e se propagava por todo o seu corpo. Lillian teve novamente aquela sensação estranha que lhe acometia de vez em quando, aquela de sentir o corpo palpitar de forma incômoda. Ela nunca tivera relações mais estreitas, quaisquer tipos de laços, motivo pelo qual não entendia o que se passava com seu corpo. Dessa forma, estremeceu quando ouviu a mesma voz arrastada às suas costas, a mesma que ouvira pela manhã.

— Sem sono? — indagou o rapaz, quase num sussurro.

Lillian não respondeu de prontidão. Abriu os olhos lentamente e tentou coordenar os seus sentidos, mas não pôde, porque a respiração quente de Malfoy em seu pescoço fazia triplicar a sensação incômoda. Ela não conseguiu reprimir um gemido baixo.

— É — respondeu com a voz entrecortada — estou.

— Eu também — prosseguiu no mesmo tom — e sabe qual é a causa da minha insônia? Você.

Ela tremia, a despeito do calor do fogo à sua frente. Não entendia o motivo de tal atitude vinda do rapaz, que nunca antes lhe dirigira o olhar, e se não lhe atribuíra ofensas, sabia ela, era porque não mexia com sonserinos.

— Sempre tão metida consigo mesma — prosseguiu ele — por que, Lillian? LIL-LI-AN — e chegou com os lábios entre o pescoço e a espádua da garota, que permanecia em sua posição de estátua, tentando dar compasso à respiração — a língua treme três vezes à pronúncia, como o frêmito de um beijo. E então, Lillian, porque é tão reservada?

Apesar de toda a relutância de seus desejos contra a moral, ela conseguiu se erguer, e respondeu friamente:

— Não lhe diz respeito.

O mundo de Lillian se limitava a dias gelados e despidos de emoção até aquele dezembro. Ela preferia mil vezes a sua vida insípida à tormenta dos olhares nada discretos de Malfoy, ou das abordagens pelos corredores. Quando fez uma semana de tal situação tão frequente, ela decidiu deixar de lado um pouco da indiferença, e se dirigiu a ele quando foi novamente surpreendida no corredor do quarto andar.

— O que você quer? — indagou com sua voz fria.

— Não está claro? — disse ele, com um sorriso enviesado — Eu quero você.

— Não sou idiota, Malfoy, e também não lhe dei uma poção do amor. Pare de agir como se isso fosse normal.

— Por que você acha que eu não posso me interessar por você? Pare de se colocar para baixo, Lillian.

— Porque sou simplesmente realista.

— Posso te provar que não.

Lillian não se pôde desvencilhar porque não tinha destreza em assuntos desse gênero, e mesmo não teve força para tal. Malfoy serviu-se de um desvio na parede de pedra, que formava um vão, para nele imprensar a garota e beijá-la da forma mais envolvente. Lillian correspondeu, embora não soubesse bem como fazer aquilo, e, mesmo ouvindo algum rumor de vozes, não se importou. Há muito ninguém a envolvia nos braços, e o calor que provinha de outra pessoa era algo que para ela não mais existia. Um incômodo crescente lhe castigava o peito, mas a sensação era tão tépida, tão boa, que a tornava entorpecida como de costume, mas de maneira absolutamente diferente. Porém, não durou mais de um minuto, e ao ouvirem a menção do nome "Umbridge", separaram-se imediatamente, mais por Malfoy que por Lillian, já que esta última não ligava importância às normas nem a coisa alguma.

Já estavam de volta ao corredor quando avistaram a figura roliça e cor-de-rosa que era Dolores Umbridge. Ainda assim, ela os parou e ficou a avaliar os seus rostos, procurando qualquer indício de culpa. O de Malfoy era um esgar de desdém, e o de Lillian estava tão indiferente quanto sempre fora, com sua costumeira cor de cera.

— Acompanhem-me, crianças — falou a megera por fim.

Havia mais alguém na sala de Umbridge, uma menina de longos cabelos negros que Lillian reconheceu como a que, dois anos atrás, livrara-lhe da expulsão.

— Srta. Linton, já pode ir. Conversaremos depois.

À ordem de Umbridge, a garota levantou, e Lillian não pôde deixar de reparar que o lado esquerdo de seu rosto estava marcado por agressão, e pela primeira vez sentiu, não medo, mas percebeu que a professora representava alguma ameaça. Já ouvira falar sobre a severidade de suas punições, mas nunca imaginara nada daquele tipo.

— E então — falou Umbridge com sua voz que imitava irritantemente a de uma criancinha — posso perguntar o que faziam os dois jovens no corredor do quarto andar?

— Encaminhávamo-nos para a próxima aula, naturalmente — respondeu Lillian friamente, sem corar ou gaguejar.

— Tenho para mim, Srta. Hazel, que há algo mais.

— Eu ficaria feliz se a senhora pudesse provar.

Umbridge tornou-se rubra de ódio, não só pela provocação, mas pela forma serena do semblante de Lillian, que não se alterara uma única vez.

— Pilhá-los andando no corredor já é uma boa prova.

— Tudo bem, da próxima vez nós usaremos vassouras.

— Eu digo andando a sós. Por que não estavam com o resto da turma, queridos?

— Eu sempre quis conhecer uma pessoa que nunca na vida se atrasou. A senhora é realmente uma raridade, estou admirada.

Draco não conseguiu segurar o riso, e abafá-lo foi tudo quanto pôde fazer, o que não passou despercebido a uma Umbridge muito vermelha.

— Sr. Malfoy, estou admirada — ela disse com a voz trêmula de nervoso — que mantenha qualquer tipo de relação com gente dessa estirpe.

O rapaz se tornou ainda mais pálido, mas não reuniu coragem suficiente para responder. Ela apenas riu com algum desdém, as ofensas já lhe eram familiares.

— Certas coisas na vida são surpreendentes, não? — falou — Por exemplo, Hogwarts tornar-se um caos da noite para o dia. Algo me diz que a administração anda ruim das pernas...

— Ou tão surpreendente quanto acordar pela madrugada e encontrar a família inteira morta. — rebateu — Não é surpreendente, querida? Jantar com as pessoas que você mais ama, depois dar-lhes doces beijos de boa noite, sem saber não lhes chegará a dar bom dia? Isso sim é surpreendente.

E finalmente o rosto de Lillian se alterou para uma expressão de ódio, que não durou mais do que alguns segundos. Em um simples piscar, lá estava novamente o semblante calmo e frio. Malfoy, ao contrário, parecia prestes a explodir de tensão.

Umbridge mantinha um gatinho branco em sua sala, que, atraído pela discussão, foi espreitar, colocando-se sobre a escrivaninha. Foi o tempo de Lillian olhar para o bichano, e ele caiu estatelado, como que atingido por uma potente Avada Kedavra. A professora soltou um grito agudo e foi socorrê-lo, e, vendo que estava realmente morto, olhou para a garota com horror. Draco assistia a tudo com o semblante de uma criança assustada.

— Você o matou — a voz da megera tremia a ponto das palavras saírem quase ininteligíveis — assassina!

—Então me reviste e veja se encontra uma varinha.

—Não sei como fez isso, mas fez.

E os gritos de Umbridge irromperam, chamando a atenção de quem passasse por ali. Entretanto, apenas Dumbledore, Snape e a jovem Linton, que há pouco ali estivera, muniram-se se coragem suficiente para entrar e presenciar o ocorrido.

— Mas qual é o motivo do alarde? — indagou Dumbledore impaciente, ao ver Umbridge tão descomposta.

— O meu gato — balbuciou — aquela garota... Hazel... Ela o matou.

Os recém-chegados lançaram um olhar interrogativo à garota.

— Eu já pedi que me revistassem para então confirmarem que não estou com posse de minha varinha. E mesmo que estivesse, acho que o mínimo que se poderia observar à utilização de Avada Kedavra, seria a luz verde expelida pela varinha. Mesmo que Hogwarts não saiba mais o que é uma aula decente de Defesa Contra as Artes das Trevas, felizmente resta a mim e a outros, algum conhecimento prévio.

Snape sorriu muito discretamente, e Umbridge quis avançar na garota, mas foi contida pro Dumbledore.

— Ela tem razão — falou o diretor — a senhora viu algum lampejo de luz verde?

— Não, mas...

— Então não restam dúvidas quanto à utilização da Maldição Imperdoável. Srta. Linton, aproveitando que está aqui, pode fazer o favor de revistar a Srta. Hazel, o que para qualquer um de nós seria muito indelicado?

A garota de rosto marcado meneou a cabeça afirmativamente e pediu licença a Lillian, em seguida revistando-lhe a mochila e apalpando-lhe as roupas.

— Nada de varinha — ela disse por fim.

— Mas eu estou dizendo — retomou Umbridge — que ela mata com a mente. Diga-me se isso não é possível, Dumbledore!

— É possível, Dolores, mas para um bruxo muito avançado em magia negra, nunca um estudante do quinto ano.

— Não sei e nem quero saber do que essa garota é capaz, apenas quero-a fora de Hogwarts imediatamente.

— Não pode expulsar uma aluna de minha casa — Snape se manifestou pela primeira vez — não quando não tem provas. O seu maldito gato pode ter sido vítima de um ataque cardíaco, o que não viria em má hora...

— Calado, professor! Eu sou a Alta Inquisidora...

— E eu sou o diretor — rebateu Dumbledore — e conheço bem as regras. Não pode condenar sem provas. Severus tem razão, o gato pode, muito coincidentemente, ter sofrido um ataque.

— Isso não fica assim — ela disse com um sorriso ensandecido — vai se arrepender por não sair de Hogwarts, garotinha.

E se retirou levando o cadáver do felino, enquanto Lillian permanecia indiferente à ameaça.

— Já podemos voltar às nossas vidas — disse Dumbledore — agora é andar, vamos.

Malfoy apenas conseguiu falar quando se viu seguro entre as paredes do salão comunal da Sonserina. Ainda tinha o rosto lívido e suava copiosamente.

— Como você fez aquilo? — foi a sua primeira pergunta.

— Perdão?

— Você matou o gato, não matou? Com a mente?

— Você ouviu Dumbledore, fica agora ao seu critério a interpretação. Por enquanto, boa noite.

— Não vai jantar?

— Perdi a fome.

Dito isso, retirou-se para o dormitório. Sua vida dera uma reviravolta na última hora: O seu primeiro beijo tão próximo de seu primeiro crime! Pela primeira vez em anos, Lillian perdera o sono para as preocupações. Sentia-se estranha, sobrecarregada, uma vez que se acostumara a não pensar em outra coisa, que não nos estudos. Odiava-se por sentir ainda os lábios de Malfoy, o toque quente e confortável de sua pele. Odiava-se, principalmente, por querer de novo tal sensação.

Lillian encontrou uma manhã absolutamente gélida ao sair do castelo, e quase prontamente se arrependeu da decisão que tomara: Visitaria Hogsmeade pela primeira vez. Apesar de ter dormido muito pouco e estar a tilintar de frio, ela sabia que precisava daquele passeio para dispersar os seus pensamentos. Todavia, as ruas de Hogsmeade não lhe chamaram a atenção, e os gritos excitados dos colegas lhe irritavam. Acabou que ela preferiu se desviar para as ruas com menos movimentos, e apenas conseguiu respirar aliviada quando se viu sozinha, o que não durou muito.

— Lillian?

O som daquela voz fez com que uma descarga elétrica perpassasse o corpo da garota, e ela não se esforçou para responder.

— Não pensei em te encontrar em Hogsmeade.

— Para falar a verdade, já estou arrependida.

— Então não percamos a viagem. Venha comigo.

— Eu não vou a lugar algum, quero me ver longe da confusão de crianças idiotas e empolgadas.

— Eu sei, por isso eu te digo para irmos a um lugar ainda mais isolado que este.

Ela olhou desconfiada, mas não conseguiria recusar aquele convite, não quando fora feito por lábios tão bem feitos, articulado por voz tão cadenciada. Quando Malfoy pegou-a pela mão e a conduziu pela rua deserta, ela se deixou levar.

Com efeito, chegaram a um lugar ainda mais isolado, que parecia qualquer coisa, menos Hogsmeade. Não havia nenhuma loja, pelo contrário, apenas algumas casas velhas, com janelas quebradas, evidentemente marcadas pelo abandono.

— Entremos — falou Malfoy, abrindo a porta em uma atitude cortês.

Lillian novamente não se recusou, uma vez que entrar ou ficar do lado de fora tanto fazia para ela, e o interior da casa, pelo menos, deveria ser mais aconchegante. E ela estava certa, ao adentrar a casa, o ar tépido a invadiu, aliviando o frio daquela manhã. Malfoy atiçou o fogo de uma lareira desativada, consertou com magia as taboas quebradas da janela, por onde entrava uma corrente de vento, e voltou-se a Lillian.

— O bom é que aqui Umbridge não pode nos encontrar.

— Não vejo motivo pelo qual comemorar.

Aproximou-se, imprensando-a contra a parede de madeira tosca.

— Eu acho que posso lhe dar um bom motivo.

— Não sei qual é a sua concepção de bom, mas com certeza não é igual à minha.

— Não?

Beijou-lhe novamente, mas não com o mesmo cuidado do dia anterior. Desta feita, havia tanto malícia quanto uma pequena parcela de indelicadeza. E desceu os lábios obliquamente pelo pescoço de Lillian, cuja face se contraía, as sobrancelhas se uniam e os lábios se retesavam, resultante das sensações causadas pelas mãos de Malfoy, que lhe despiam o casaco, depois, gélidas, tocavam-lhe a pele quente da barriga, causando arrepios.

— Malfoy, eu não lhe...

Ele a calava tanto com beijos quanto com as mãos, que, teimosas, despiam-lhe cada peça de roupa. Lillian não podia mais dominar o crescente desejo que a acometia, aquela sensação a lhe enfraquecer. Desejou que seu peito nu encontrasse o de Malfoy da mesma forma, e como pudesse ouvir seus pensamentos, ele arrancou as próprias blusas. Um gemido baixo escapou dos lábios dele ao toque dos corpos, e como por reflexo, ela também gemeu. Malfoy tomou essa atitude como resignação da parte de Lillian, e sorriu enviesado, a malícia estampada em seu semblante.

—Pare — ordenou ela, ofegante, quando o rapaz abriu o cinto.

— Não, Lillian, agora é tarde demais para pararmos.

E levou a mão dela à região de demasiado prazer. Lillian permaneceu estática, olhando para os orbes azuis que fitavam o seu rosto, descendo, em seguida, de forma retilínea, para o seu corpo. E sem aviso prévio, ele tomou as duas pernas da garota, de modo que elas envolvessem o seu quadril, e afastou-lhe o vestido.

— Agora — ele murmurou satisfeito, observando o rosto contraído, mas extasiado à sua frente — você é minha.

Ela não respondeu verbalmente, mas a expressão lhe entregava o desejo por continuidade.

— Eu quero...Agora...Agora!

Malfoy fechou os olhos e mordeu o lábio, ondas de prazer se propagando por todo o seu corpo. Lillian não precisava de nenhuma experiência para saber que ele chegava ao êxtase naquele momento.

E ao lado de fora, a chuva era contínua. Lillian, ao sair da casa abandonada, não repararia que havia, na grossa camada de neve sobre o chão, mais pegadas do que as que ela e Draco haviam deixado.

----- x -----

Lillian decidiu passar o restante do fim de semana trancada em seu dormitório. As imagens do que se passara entre ela e Malfoy invadiam-lhe a mente a todo o momento, e ela tentava afastá-las. Todavia, Lillian não se sentia arrependida, ao menos não até a segunda-feira, na primeira aula.

Embora fosse geralmente indiferente a tudo, ou mesmo estivesse acostumada a ser motivo de chacota, Lillian não pode deixar de estranhar que quase todos os seus colegas a olharam e riram quando ela entrou na sala de Poções. Geralmente era um ou outro, mas desta feita as risadas eram unânimes... Havia, por força, de ter acontecido algo em especial.

— Por que escondeu tudo isso por tanto tempo? — indagou um rapaz, cujo nome Lillian desconhecia.

Só então ela percebeu que ele segurava algo, rodeado por praticamente toda a sala. Aproximou-se cautelosamente, e o silêncio reinou. Cada qual tinha uma expressão de ansiedade, e uns poucos balançavam a cabeça demonstrando reprovação. Lillian sentiu mais ou menos a mesma sensação de tantos anos atrás, quando se deparara com uma terrível situação e não conseguira nem mesmo correr. Nas mãos do rapaz, uma fotografia retratando o momento mais íntimo de sua vida. A sala tornou a explodir em risadas, e Lillian perpassou os olhos por todos os rostos jocosos, encontrando finalmente o de Malfoy, que sustinha um grande sorriso de satisfação e desdém.

As vozes começaram a ficar distantes, e ela sentiu que poderia desabar, mas antes foi apoiada, e deixou-se conduzir, como se não possuísse mais vontade própria. Ainda à porta da sala, ouviu Snape, que acabara de chegar, ralhar com os alunos. E foi levada para longe, sem saber especificar por onde estava passando. Apenas se localizou quando adentrou o salão comunal da Sonserina, e largou-se sobre uma poltrona, os olhos presos ao chão. Sentia vontade de correr para sempre, incapaz de encarar a vergonha.

— Hazel...

Só então Lillian se lembrou de que alguém a havia levado até ali, e que, pelo jeito, permanecia ao seu lado. Voltando o rosto para baixo, ela reconheceu, ajoelhada frente à poltrona, a garota que, miraculosamente, lembrou que se chamava Linton. O talho em sua bochecha esquerda parecia mais acentuado e mais fantasmagórico ao ser iluminado pelo fogo que crepitava na lareira. Por se localizar na masmorra, o salão comunal da Sonserina era um ambiente constantemente escuro, quase sempre iluminado por velas, o que colaborava para que Lillian se sentisse, naquele momento, sepultada em um mausoléu.

— Você está se sentindo bem? – perguntou a garota Linton — Não quer ir até a ala hospitalar?

Lillian apenas meneou negativamente a cabeça, incapaz de falar.

— Eu vou falar com Snape — prosseguiu — isso não há de ficar assim. Malfoy terá o que merece.

— Tudo bem — Lillian balbuciou — está tudo bem.

— Não, não está. Aquela foi a coisa mais terrível, mais baixa que eu já presenciei.

— Eu deveria ter esperado isso dele, a culpa foi minha.

— Ei, não tem que se culpar! Ele foi um absoluto cafajeste, você é inocente nessa história.

— Eu deveria ter previsto que um garoto como Malfoy não se interessaria por alguém como eu da noite para o dia.

— Não vejo nada de errado com você, o idiota foi ele. Pouco antes de você chegar, eles estavam falando em uma aposta ou coisa desse gênero.

Quando Lillian percebeu, lá estavam as lágrimas, escorrendo mornas e amargas por seu rosto. Havia anos que ela não chorava, talvez desde a grande perda de sua vida. Mas tão rápido caíram as lágrimas, foram enxutas pelas mãos da jovem Linton, que também tinham algumas cicatrizes como as do rosto. Ela abraçou Lillian ternamente, e esta não conseguiu conter outras lágrimas, pois que não era acostumada ao afeto.

— Obrigada — ela falou após um longo minuto, secando as lágrimas com o dorso da mão.

Seguiu-se outro minuto em silêncio, que foi quebrado por Lillian, o que era, no mínimo, atípico.

— Qual é o seu nome?

— Georgina Linton, e você é Lillian Hazel, certo?

— Certo. Georgina, eu quero lhe agradecer também por não ter deixado que eu fosse expulsa no terceiro ano. Eu sei que demorei, mas aceite a minha gratidão.

— Não precisa agradecer, fiz de coração. Não suportaria que você fosse expulsa injustamente.

— Ainda assim, eu agradeço.

Uma amizade nasceu a partir daquele momento, e foi por conta dela que Lillian suportou os dias decorrentes. No geral, ela mudara bastante após encontrar alguém com quem conversar, embora mais ouvisse que falasse durante as conversas.

Veio o Natal e consequentemente as férias. Após esse período, felizmente, ninguém mais parecia se lembrar do incidente entre Lillian e Malfoy. Entretanto, no coração da garota havia uma chaga que tempo algum poderia dissipar. Ela entregara o seu corpo e os seus sentimentos tão recônditos a alguém que lhe aplicara tamanha traição. Mais uma dor a lhe acompanhar nos intermináveis dias de sua vida.

----- x -----

A noite já ia alta, e ainda era fria no mês de janeiro. Lillian e Georgina decidiram repassar a matéria, e já faziam isso há pelo menos quatro horas.

— Cansei — admitiu Georgina, espreguiçando-se, o que fez com que o lenço que usava frequentemente no pescoço caísse, revelando novas e mais profundas cicatrizes, que não passaram despercebidas aos olhos de Lillian.

— Quer ir dormir? Não se prenda por mim, ainda acho que posso ficar mais umas duas horas.

— Por Merlin! Mais duas horas aqui, e eu saio carregada, direto para a ala hospitalar. — ela disse com outro bocejo, ajeitando o lenço — Ah, sim, quer que eu leve esses livros que você já usou?

— Por favor.

Lillian ainda pensava naquelas misteriosas cicatrizes de sua nova amiga quando ela se retirou. Distraiu-se a ponto de se assustar quando ouviu lhe chamarem o nome, e tornou-se da cor de um pergaminho ao virar e se deparar com quem o articulava. Ignorou, voltando os olhos para os seus livros.

— Eu entendo que esteja com raiva — insistiu — mas...

— Não é raiva, Malfoy — ela respondeu, erguendo o rosto para lhe injetar um de seus olhares que nunca vinham sem significado — é nojo.

— Tudo bem — falou, sem deixar transparecer a contrariedade — nojo, que seja. Mas pode me escutar por um minuto?

— Fale, para mim é indiferente.

— Quero pedir perdão pelo que eu fiz, fui um completo idiota.

— Ainda bem que você reconhece, mas dispenso o seu perdão.

— Lillian, foi uma atitude impensada, uma brincadeira infantil.

Brincadeira infantil? Você chama o que fez de brincadeira infantil? Você é mesmo mais desprezível do que eu imaginava.

— Não, eu não quis dizer, eu... Lillian, eu me arrependi, está bem? Eu gostei de você.

— Não seja ridículo.

— Eu estou falando a verdade, certo? Por que outro motivo...

— Fique longe de mim, Malfoy.

Ele não hesitou, mas foi vê-lo pelas costas e Lillian sentiu uma vontade estúpida de que ele ficasse. Balançou a cabeça e voltou aos estudos, embora a concentração estivesse perdida.

Quando Lillian voltou ao dormitório, a amiga ainda estava acordada, e escrevia em um pergaminho, sentada sobre a sua cama, cujo cortinado estava aberto.

— Desistiu das duas horas de estudo? — indagou Georgina sorridente.

— Acho que também estou cansada.

— Eu comecei a escrever uma carta e perdi o sono.

— Namorado?

— Ah, quem me dera! Estou escrevendo para os meus pais, já pedindo dispensa das férias antecipadamente.

— Dispensa das férias?

Georgina riu.

— É, eu não quero ir para casa nessas férias, vou ficar aqui em Hogwarts.

— Acho que eu também prefiro ficar na escola a passar as férias com os meus tios.

— Por que, você não gosta deles?

— Não, e sou correspondida. Mas a culpa é minha, porque nunca fiz por onde gostarem de mim. Não vou mentir, não consigo amar os meus tios e vê-los como familiares, quando a minha verdadeira família morreu de forma brutal.

— Eu sinto muito.

— Foi horrível — ela prosseguiu, como se estivesse falando consigo mesma — acordar pelo meio da noite e me deparar com meus pais e irmãos mortos ao chão da sala, quando eu tinha apenas seis anos de idade...

Lillian agradeceu mentalmente o silêncio da amiga, e lhe desejou boa noite, fechando o cortinado e ficando a sós com os seus pensamentos. Pela primeira vez na vida, ela desabafara com alguém, embora a intenção fosse falar a si própria em voz alta. De qualquer forma, a sensação era incômoda, e somada ao recém desgosto pela conversa com Malfoy, formava um motivo bom o suficiente para prostrá-la de cansaço, fazendo-a mergulhar em um sono conturbado e sem sonhos.