Carry You Home
Tributo ao Amigo – Para Marcia Litman
Remus & Tonks
Spoilers de As Relíquias da Morte
Resumo: Remus Lupin se vê num conflito interno sobre Tonks, tomando assim uma decisão ao qual poderá se arrepender depois.
Fic inspirada na música Carry You Home, do James Blunt.
Parte I
A noite estava fria. Eu caminhava lentamente para a casa, apertando o casaco, a passos demorados naquela rua escura e deserta. Todas as luzes das casas estavam apagadas. Não seria diferente devido às circunstâncias. Em algum outro dia qualquer – ou num tempo comum e normal – haveria muitas pessoas nas ruas; as luzes ainda estariam acesas, as portas, somente encostadas, não trancadas.
Era até irônico pensar daquela forma, já que eu era tão perigoso que nada adiantaria portas trancadas e luzes apagadas, caso eu virasse a fera que há dentro de mim. Não. Eu seria mais um perigo, mais uma preocupação para aquelas pobres pessoas.
Naquele mês eu ainda não havia me transformado em lobisomem. Mas eu sabia que chegaria o dia e a hora, então eu teria que deixar o meu confortável lar e a companhia da minha esposa, escondendo-me na floresta próxima da nossa casa até o fim da noite. Era assim já fazia alguns meses.
Depois, eu voltaria para casa, completamente doente – tanto mentalmente, como fisicamente. Abriria a porta e daria de cara com ela, Tonks, me esperando. Ela correria e me abraçaria dizendo que ia ficar tudo bem, que logo eu iria ficar bom. Sorri ao imaginá-la me deitando no sofá, cheio de travesseiros e cobertores, ralhando comigo para eu tomar aquela sopa horrível de ervilhas – não que eu digo isso para ela, é claro – e ficaria lá, me fazendo companhia e contando piadas bobas.
Pensando assim, até parecia que nós éramos típicos recém-casados, ainda em lua de mel. Suspirei. Era tão bobo esse pensamento, porque se perguntassem para nós dois o que fazíamos, é aí que a "história de amor" perde seu brilho. Nossa maior ocupação é a Ordem da Fênix...
Quando se pensa nisso, logo o gancho para a próxima afirmação é automático: Trabalhamos para a Ordem da Fênix, para combater Voldemort e seus aliados. Na atual ocasião eu estava ajudando no caos que se instaurou no casamento de Fleur Delacour e Gui Weasley, apesar de naquela situação não podermos fazer muita coisa. A sorte nossa foi que muitos membros da Ordem conseguiram ou fugir ou atrasar os Comensais da Morte que invadiram a festa.
Não percebi que eu estava parado em frente ao portão de casa, imerso como eu estava em pensamentos.
Destranquei o portão, e atravessei o pequeno jardim. Mal dei três passos para abrir a porta, quando ela se abriu sozinha. Uma luz se acendeu na soleira.
Então tudo ficou escuro, seguido por um borrão de uma única cor: rosa chiclete. O abraço repentino me pegou de surpresa. Meio sem jeito, eu a abracei de volta. Era de se imaginar que ela estivesse me esperando. Naquele dia, cumprimos as nossas tarefas referentes à Ordem separados. Tonks demonstrava seu alívio em me ver voltando para casa, rindo.
- Você demorou – ela disse com a voz abafada no meu casaco – Eu já estava preocupada... Eu pensei... – Ela parou como se o que ela estivesse pensando nas últimas horas fosse terrível demais para ser dito em voz alta.
- Estou bem – respondi meio rouco.
Tonks me soltou, fitando-me com um belo sorriso no rosto. Era aterrador como aquele simples sorriso me aquecia por dentro. Por breves minutos eu conseguia esquecer que estávamos em guerra, esquecer que eu era um monstro, e sermos apenas um casal que se encontrava depois de um dia cheio de trabalhos e compromissos.
- Eu tenho uma surpresa para você – ela disse tirando-me da minha distração.
Pegando a minha mão, ela me levou para dentro de casa. Já na sala, ela me soltou.
- Fique aqui. Eu não demoro.
Assenti curioso com a surpresa, vendo-a subir a escada que ia para os quartos.
A casa onde morávamos era pequena, e mesmo na simplicidade, era de bom gosto – tudo escolhido e do gosto de Nymphadora. Lembro que na época em que estávamos montando a mobília eu dizia para ela não se preocupar com a minha opinião – eu queria que ela se sentisse confortável e contente com seu novo lar. No começo ela não gostou da minha sugestão, mas no decorrer do tempo em que nós estávamos de mudança, eu percebi que ela arrumava a casa com satisfação, ora perguntando se eu estava gostando. Eu sempre dizia que sim, que a mobília era linda e os móveis eram adequados. Nunca admiti para ela, porém, que aquela cortina da sala, roxo berrante, era feia.
Mesmo morando há pouco tempo naquele lugar, eu já considerava o meu lar. Era tudo tão aconchegante e harmonioso (tirando a cortina roxa berrante), que eu me sentia acolhido ali.
Logo ouvi os passos de Tonks descendo rapidamente a escada e vindo se juntar a mim na sala. Ela trazia uma pequena sacola na mão, sentando-se no sofá.
- O que é isso? – perguntei, me sentando ao lado dela.
Ela remexia no conteúdo da sacola parecendo indecisa. Por fim, ela tirou um pacotinho de dentro, que pelo o que eu pude distinguir, era pequeno e azul.
Tonks me ofereceu o pacotinho com os olhos brilhando. Um sorriso infantil brotou nos seus lábios quando eu peguei o embrulho. Era macio, e por um momento eu pensei que fossem aqueles cachecóis de peles de animais que eu havia visto em mulheres trouxas usando. Mas era muito pequeno para ser um cachecol. E além do mais, se Tonks queria uma opinião sobre moda, acho que eu era a pessoa errada.
Eu já estava quase para perguntar o que era aquilo, quando ela pegou o embrulhinho da minha mão. Desdobrando, ela segurava um macacão azul, e de dentro da sacola, ela tirou dois sapatinhos.
Eu estava chocado demais para falar alguma coisa. Naquele instante entre a dúvida e a confirmação pelo sorriso que Tonks me deu, era como se uma bola de chumbo caísse no meu estômago. Eu não queria acreditar, mas a cada segundo que passava a verdade se tornava mais nítida.
E mais cruel.
Tonks olhava com adoração para o macacão e o sapatinho.
- Vamos ter um bebê, Remus! Não é maravilhoso?
Por um momento eu estava chocado demais para dizer alguma coisa. Aquela notícia veio de forma tão repentina e inesperada que me pegou completamente de surpresa. Até pensei que ela estava brincando, mas expulsei esse pensamento rapidamente. Tonks não brincaria com algo tão sério como ficar grávida.
Ela esperava uma reação minha, pois logo o seu sorriso sumiu por alguns instantes.
- Remus?
Como se eu estivesse acordando de um transe, eu a fitei forçando o meu melhor sorriso.
- Isso... Isso é ótimo, Tonks – gaguejei.
Ela franziu a testa, levantando a sobrancelha em desconfiança.
- Você não parece muito contente – ela abaixou o macacão e o sapatinho que ela segurava na minha frente, seu sorriso se desfazendo.
Eu detestava mentiras. Repugnava a ideia de mentir para Tonks. Porém eu não tinha escolha – antes magoá-la com uma mentirinha do que com a triste verdade.
- Não, não. – comecei tentando não demonstrar insegurança – De verdade. Estou muito contente com a notícia. É só que você me pegou de surpresa, eu não esperava.
Disfarçadamente eu tentava esconder a careta que estava se forçando no meu rosto pela mentira. Nunca fui muito bom nisso. Sirius e James tiravam sarro de mim por eu não saber mentir. Eu nunca pensei que eu iria me arrepender de não ter aprendido essa habilidade com eles.
Por um momento, Tonks parecia em dúvida, mas muito rapidamente ela sorriu de novo, se balançando para frente e para trás como uma criança que acabava de receber a melhor notícia da sua vida.
Eu sorri de volta, tentando não fazer uma careta. Eu odiava o que eu estava fazendo com ela, escondendo a verdade daquela forma.
Tonks remexeu na sacola tirando mais macacões e roupinhas de bebê.
- Fico muito feliz pela sua reação – dizia ela – Eu estava com medo com o que você ia pensar, sabe... Toda essa loucura da guerra e um bebê vir justo agora! Quando eu descobri eu fiquei com muito medo, mas aí conversando com a Molly ela me disse para eu ficar tranquila, entende, sobre a Ordem, etc. Ela até fez esse body – Ela me mostrou um macacão rosa sem mangas longas e um short ao invés de uma calça – Eu comprei roupas tanto de menino quanto menina, porque eu ainda não sei qual é o sexo do bebê. Se eu não me engano eu estou de dois meses...
Ela continuou tagarelando alegremente, no entanto minha mente se desligou da realidade.
Uma sensação horrível de culpa e desespero tomou conta de mim. Eu estava completamente sem chão, de mãos atadas para aquela situação. Não era só a guerra que me preocupava, mas sim a terrível ideia das condições daquela criança que estava por vir, porque qual vai ser o futuro que esse ser tão inocente vai ter sendo filho de um licantropo? Quais são as chances dessa criança não herdar essa maldição?
É claro que Tonks iria ficar feliz com a notícia de estar grávida, porém para mim era impossível pensar nessa situação de forma positiva. Eu deveria ter tomado mais cuidado, alertado ela sobre os riscos de uma gravidez, mas fui tolo. Acreditei piamente que isso não iria acontecer. Não iria! Que bobagem! É o sonho de toda mulher engravidar, ainda mais do homem que ama.
Eu estava numa encruzilhada, total era o meu desespero. Já foi mais do que arriscado casar-me com Tonks, mas um filho era mais do que eu podia suportar, mesmo me sentindo muito covarde e egoísta ao pensar daquela forma. Mas era para o bem dela e do bebê! Eu tinha que fazer alguma coisa antes que fosse tarde.
Abortar? Não. A criança é a vítima dessa história, mais uma vida inocente sendo tirada, era completamente desumano. E mais: Tonks estava feliz com a ideia de ter um filho, eu não podia tirar essa felicidade dela, eu jamais me perdoaria.
Nesses pensamentos turbulentos, só havia uma saída. Era a mais dolorosa de todas.
Eu não tinha escolha. Ficar e ver a preocupação de Tonks sobre seu filho virar um monstro juntamente com o seu marido me mataria. Eu não conseguiria passar o resto da vida olhando para aquela criança, vendo a desgraça se atingir sobre ela e não poder fazer absolutamente nada. Não. Não posso. Eu simplesmente não posso. Eu tenho que...
-... Eu estava pensando em já comprar um berço e arrumar um dos quartos para o bebê, o que acha? – Eu não havia percebido que Tonks ainda estava falando – Remus? Você ouviu o que eu disse?
- Hã? Sim, sim, acho ótimo – pisquei tentando me concentrar no que ela dizia.
- Você está muito estranho. Eu sei que você está preocupado em ter um filho agora... – Ela torceu as mãos em nervosismo.
Minha querida Nymphadora, se você soubesse que é bem mais do que isso! Se eu tivesse coragem de dizer em voz alta!
Tonks segurou as minhas mãos olhando-me suplicante.
- Vai ficar tudo bem, querido. Eu tenho certeza. Logo essa loucura vai acabar, e nós três, seremos uma família tranquila e feliz.
A voz dela tremeu de emoção, enquanto uma lágrima escorria pelo seu lindo rosto. Um caroço entalou na minha garganta. A fé de Tonks me deixava ao mesmo tempo contagiado e triste. Por um momento eu consegui me visualizar como um pai – algo que eu não havia conseguido imaginar até então – cuidando dela e daquela criança. Eu imaginei, nós três, brincando no jardim da casa, ou fazendo um piquenique no parque. Tentei não rir da imagem de Tonks de mau humor pela bagunça que eu e o bebê faríamos na casa.
Naqueles poucos instantes de felicidade eu me permiti sorrir sinceramente para ela. Tonks sufocou um soluço e me abraçou. Mas tão rápido foi aquele momento mágico, tão rápido ele se acabou, vindo novamente à tona, como uma sombra, todas as preocupações e a decisão radical que eu deveria tomar. Meu estômago afundou mais ainda na perspectiva do que eu iria fazer. Eu iria magoá-la, decepcioná-la. Era bem provável que depois de um tempo, ela não iria querer me ver nem pintado de rosa. Porém, era para o próprio bem dela e do bebê, mesmo que no fim eu iria sofrer tão amargamente, enquanto ela conseguiria seguir com sua vida.
Depois daquela conversa, tudo passou num borrão. Eu coloquei uma máscara para disfarçar a tristeza que se apoderava de mim como uma doença. Jantamos, rimos, fizemos planos para o futuro, sentindo a dor ao imaginar que nada daquilo que ela sonhava se concretizaria.
Já era tarde quando nós fomos dormir. Pelo menos Tonks dormiu tranquilamente, eu não consegui nem ao menos fechar os olhos. Quando eu me certifiquei que ela estava realmente dormindo, me levantei, troquei de roupa, tentando ao máximo não fazer barulho para não acordá-la. Peguei a carteira com alguns poucos trocados e coloquei no bolso. Sai do quarto e fechei a porta.
Na sala eu achei um bloco de papel e uma caneta. Sentei-me a mesa da cozinha e passei a redigir o meu adeus, em meio às lágrimas e mãos trêmulas.
Meu estômago dava horríveis cambalhotas, enquanto eu tentava ao máximo limpar os olhos e escrever numa letra que ela compreendesse.
Depois de quase meia-hora amassando papel e recomeçando – o chão já estava cheio de tentativas falhas – eu terminei de escrever sem deixar o papel muito marcado de lágrimas ou com a letra muito tremida.
Li o que eu havia escrito, já sentindo a hora da partida.
Querida Nymphadora:
Quando você ler esta carta, eu infelizmente já estarei longe de você. Não faço isso porque não a amo, muito pelo contrário. Eu parti para garantir um futuro para você e para o nosso bebê – nosso filho. Eu sei que um dia você irá me odiar pelo o que eu fiz, mas fiz pensando o melhor para você e para esta criança que está por vir. Preocupa-me o futuro dessa vida inocente tendo um pai como eu, um monstro. Não, minha querida eu não iria suportar a dor em seus olhos ao ver nosso filho nessa terrível condição. Sou covarde, eu bem sei, mas é melhor assim. Eu recomendo você ir para a casa dos seus pais, lá você estará segura e bem cuidada.
Não se esqueça de que eu sempre amarei você.
Com amor,
Remus J. Lupin
Entrei no quarto e deixei a carta no meu travesseiro. Sufocando um soluço, olhei para o rosto sereno dela, pela última vez. Acaricie seu rosto, e levemente beijei seus lábios.
Forcei-me a sair, antes que eu mudasse de ideia. Caminhei sem parar até o jardim, abri o portão com violência e continuei caminhando pela rua escura e deserta.
Só depois de um longo tempo caminhando, e vendo que estava longe de casa e completamente sozinho, eu me permiti chorar.
