Preces esquecidas

Por mais que Kurger odiasse a idéia de correr de uma batalha, ele correu, correu o mais que suas pernas podiam suportar, três humanos vinham no seu encalço como lobos atrás de um pedaço de carne, Kadran, o orc líder de sua vila, uma vez havia dito que um inimigo fugindo era como um animal ferido, ver o sangue escorrendo de qualquer ferimento apenas aumentava a sede de sangue de seus caçadores, Kurger estava vendo a verdade disso nesse momento, dois tentavam alcançá-lo enquanto um cavaleiro montado em um peco-peco vinha se aproximando cada vez mais, a caçadora que estava com eles havia acertado uma flecha em seu ombro, mas eles queriam mais, não iriam parar enquanto não tirassem sua vida.
Havia tentado usar a mata fechada para atrasá-los, mas o maldito peco-peco era acostumado com a floresta, tornando difícil fugir.
Após alguns momentos de desespero onde percebeu o cavaleiro chegar mais perto, acabou por de repente sair da mata fechada e perceber que estava agora na grande estrada, que conectava uma cidade humana a outra, agora livre da floresta, pode perceber que já estava anoitecendo, não podia mais voltar para a mata, a única solução era correr ainda mais e esperar por um milagre.
Mas o milagre, ou seria uma maldição, quase chegou tarde demais, após alguns segundos correndo, percebeu que o cavaleiro estava para alcançá-lo, virou a cabeça e pelo canto do olho, pode ver o cavaleiro preparando a lança em posição, mirando na altura de sua cabeça, desviou para a esquerda, tentando sair do alcance da lança, mas o cavaleiro percebeu sua intenção e rapidamente mudou a posição da lança, dessa vez mirando nas costas, enquanto esporeava com mais força o animal, dessa vez Kurger não foi rápido o suficiente, e a lança o acertou no ombro, quase saindo do outro lado, tanto o impacto quanto a dor tiraram o equilíbrio de seu corpo, o que fez com que caísse de forma desajeitada no chão, ralando o rosto e o braço já ferido no chão duro, perante aquilo não pode mais se conter.
- Argh, desgraçado! – gritou na língua humana enquanto tentava se levantar e pegar seu machado com o outro braço.
Mas antes que conseguisse sequer se levantar completamente, o cavaleiro, que já havia desmontado, forçou um pé em seu braço ferido, fazendo com que caísse de volta ao chão, em seguida sentiu a ponta da lança em seu pescoço, ficou imóvel ao perceber a proximidade da morte.
- Mas que interessante, esse sabe falar a nossa língua... que curioso. – disse o cavaleiro, enquanto observava Kurger atentamente, como o ar estava frio, afinal já era final de inverno, pequenas nuvens de vapor saiam da boca dos três humanos.
- Sinto nojo de pensar que esses selvagens usam essas bocas imundas para falar o nosso idioma. – disse à caçadora que vinha logo atrás, com uma expressão de desprezo no rosto.
- Bem, fico imaginado onde eles aprenderam a nossa língua, quem nesse mundo iria se envolver com orcs? – Disse o terceiro humano, que usava uma estranha roupa vermelha, em conjunto com uma calça, trazia duas adagas presas na cintura.
- Provavelmente aqueles ladrões do deserto. – disse a caçadora, ajeitando o arco e apontando uma flecha para Kurger. – Abre espaço Kaes, me deixe por logo um fim nesse infeliz.
- Calma ai, Rana, você matou o ultimo, esse é meu. – disse o terceiro homem enquanto puxava uma das adagas e se aproximava.
A idéia que outro orc havia passado por todo aquele desespero e humilhação fez o sangue de Kurger ferver, mas naquela situação estava completamente impotente, tudo o que podia fazer agora era fechar os olhos e se preparar para o golpe, não iria gritar, pelo menos esse prazer não daria para eles.
Pode sentir o humano se aproximando, sentiu a lâmina da adaga deslizar pelo o seu pescoço e se preparou para o golpe.
- Três contra um é covardia, mesmo para um orc. – disse uma voz que parecia não vir de lugar algum.
Kurger abriu os olhos, chocado, não havia visto ninguém além dos três humanos se aproximando pela estrada antes, mas agora atrás da caçadora havia outros quatro humanos, como se tivessem aparecido do nada, havia um homem de cabelos brancos, de aparência jovem, usando uma roupa parecida com a do humano que estava segurando a adaga em seu pescoço, do seu lado, com o corpo envolto em um manto negro, estava uma mulher de cabelos negros, um pouco mais atrás, estavam outras duas mulheres, pelas suas vestes, Kurger percebeu que uma delas devia ser uma sacerdotisa que cultuava os deuses humanos, a outra usava vestes desconhecidas, mas trazia um arco na mão, na suas costas parecia haver uma espécie de aljava cheia de flechas.
- Alguma coisa errada, meus amigos? – perguntou o homem de cabelos brancos, com não mais que uma sugestão de sorriso no rosto, enquanto lentamente dava um passo à frente e puxava da sua cintura duas espadas, uma em cada mão, na mão esquerda estava uma espada de aço vermelho que parecia ser feita de fogo, pois estava constantemente emitindo ondas de calor a sua volta, fazendo o ar ao redor da lâmina dar a impressão de que estava queimando, a outra, de aço azul, parecia ser feita de gelo, pois havia água pingando da lâmina, como se o vapor se tornasse água ao tocar a espada.
Ao verem o homem de cabelos brancos empunhar as espadas em posição de combate, as outras três mulheres fizeram o mesmo, a de cabelos negros fez aparecer de dentro do manto negro duas longas lâminas prateadas, que se pareciam com espadas, mas tinham a empunhadura diferente, a outra caçadora preparou seu arco, e surpreendentemente apontou seu arco para a caçadora de nome Rana, a sacerdotisa apenas ficou parada, lançando um olhar curioso ao orc deitado no chão.
Por algum motivo, o ar ao redor deles pareceu ficar muito frio, como se algo estivesse sugando o calor.
Kurger percebeu quando a tal de Rana lançou um olhar desconfiado para os quatro estranhos, o homem que estava com a adaga em seu pescoço se levantou, dando um passo para frente e puxando a outra adaga.
- O que vocês querem? – perguntou o cavaleiro, em um tom de voz que estava muito longe de ser amigável.
- O que eu quero? – respondeu o homem de cabelos brancos. – Eu quero que vocês libertem esse orc, digamos que eu tenho assuntos a tratar com ele.
Apesar da surpresa de ver o humano tentando evitar sua morte, Kurger notou com curiosidade o fato de o humano ter usado "quero" e não "queremos", então ele devia ser o líder do outro grupo.
- Assuntos a tratar com orcs? Isso é algum tipo de piada?- perguntou em um tom irritado o cavaleiro.
- Não importa, nós o capturamos, nós decidimos o que fazer com ele. – disse Rana, sua voz um pouco alta de demais. – Esse orc estava tentando caçar nas terras de Lorde Oero, a punição para esse tipo de crime é uma das mãos, mas no caso dele, vamos abrir uma exceção, só a cabeça já vai ser o suficiente, além disso, eu não acho que vocês estejam dispostos a interferir com a justiça do rei, certo?
Foi então que Kurger percebeu o movimento pelo canto do olho, viu uma sombra branca passar de relance pela borda da floresta, para logo em seguida desaparecer, o vento agitou gentilmente os galhos das árvores, fazendo sons estranhos, e por um momento, poderia ter jurado ouvir sussurros vindos da floresta, ao voltar seus olhos para os quatros humanos, percebeu pela primeira vez que somente o humano de cabelo branco emitia vapor ao respirar, seu corpo fazia os movimentos naturais de alguém que está respirando, a parte superior do abdômen se movendo para frente e para trás ao inspirar e expirar o ar, nenhuma das outras três mulheres estava emitindo vapor ao respirar, seus corpos não se moviam um centímetro, era como se fossem feitas de pedra.
Alem disso, quando foi que ficou tão frio?
Parece que os outros três humanos também notaram esses estranhos eventos, pois de repente a caçadora e o homem das adagas pareceram muito menos interessados na idéia de cumprir a suposta justiça do rei.
- Vamos deixar isso de lado, se eles querem tanto esse orc maldito, que fiquem com ele. – disse Rana, ao mesmo tempo em que guardava o arco, seguindo seu exemplo, o outro guardou suas adagas de volta na cintura, somente o cavaleiro hesitou, Kurger sentiu a pressão da ponta da lança aumentar contra seu pescoço.
- Antes que mate esse orc, eu gostaria que ouvisse uma coisa. – falou o homem de cabelo branco, sua voz parecia a de alguém que esta segurando o riso. – Orcs têm um lema entre seu povo, se eles não podem proteger a vida de um companheiro, então eles pelo menos vão vingar a morte desse companheiro, e hoje estou sentindo vontade de considerar esse orc como meu companheiro, por isso se o matarem, lamentavelmente eu e minhas parceiras teremos que matá-los.
Kurger não pode evitar ficar surpreso, sim, esse era um lema comum entre os orcs, proteger, salvar ou vingar, mas onde aquele humano teria ouvido isso?
Após ouvir isso o cavaleiro aumentou ainda mais a pressão da lança no pescoço, e Kurger achou que finalmente iria conhecer a morte, mas sem aviso nenhum Kaes recolheu a lança e se afastou dele.
- Uma sabia decisão. -disse o homem de cabelo branco.
- Que se dane. – praguejou Kaes enquanto voltava a montar no peco-peco. – É cada maluco que me aparece.
Rapidamente Kaes guiou o animal pela estrada, da mesma direção de onde tinham vindo, sendo seguido pelos seus dois companheiros, que ainda lançaram um olhar que passava entre a curiosidade e a raiva pelos quatros estranhos, Kurger não soube o que era pior, morrer na mão do outro grupo, ou ficar a mercê desse novo e estranho grupo de humanos.
Começou a se levantar, sempre mantendo um olho atento aos humanos a sua frente, de repente, o humano de cabelos brancos, que estava observando atentamente os algozes de Kurger partirem, se virou para Kurger e gentilmente perguntou:
- Você está bem?
Kurger quase caiu de volta ao chão, o que o chocara não fora a forma gentil do humano de falar, o que era algo que Kurger achava ser impossível em um humano, mas sim o fato dele ter feito a pergunta em Malar, o antigo idioma dos orcs que fora criado em eras passadas, quando a grande cidade dos orcs, Malarion, ainda existia.
- Você sabe o idioma do meu povo? Como? – Kurger perguntou.
- Eu sei muitas coisas sobre o seu povo, sei ate mesmo que o nome do líder da sua vila é Kadran. – respondeu, falava como se estivesse dizendo algo obvio. – Saber falar sua língua é o de menos.
A surpresa que Kurger sentiu só não foi maior que a dor que veio do seu ombro, por causa disso, não pode evitar um gemido.
- Ah, perdoe a minha indelicadeza, não percebi seu ferimento, fique parado que iremos cuidar disso. – disse enquanto se virava na direção da sacerdotisa. – Poderia curar os ferimentos dele, Nysar?
Sem dizer uma única palavra, a sacerdotisa se aproximou, Kurger sentiu os músculos de seu corpo enrijecer, acabou por notar também que agora havia vapor saindo da respiração da sacerdotisa, assim como as outras duas humanas, a temperatura também havia subido, ainda estava frio, mas nem de longe como antes, aquilo acontecera mesmo? A sombra na floresta fora real ou só uma ilusão?
A sacerdotisa pousou sua mão centímetros acima do ferimento em seu ombro, e com uma voz calma e suave disse:
- Curar!
Uma espécie de energia verde surgiu na mão da sacerdotisa, e lentamente se dirigiu para o ombro de Kurger, lentamente ele sentiu a dor cedendo, o ferimento sumindo, sem nem ao menos deixar uma cicatriz, após terminar, a mulher de nome Nysar apenas fez uma leve inclinação com a cabeça, como se quisesse cumprimentar Kurger, e retornou para o lado do outro humano.
- Bem, agora que seu ferimento já foi curado, creio que podemos dizer nossos nomes, meu nome é Adrian, a sacerdotisa como você viu é Nysar, a loira com o arco é Ingen, e a de preto é Irise, agora, poderíamos ter a honra de saber seu nome?
Kurger olhou desconfiado para Adrian, por que o haviam ajudado? Fazia séculos que humanos vinham mantendo guerra contra orcs, não havia motivos para um humano se arriscar e ajudar um orc.
- Sei que deve estar desconfiado, é natural, você tem todo o direito. – Adrian disse enquanto retornava as espadas para a cintura. – Mas fique tranqüilo, eu não teria salvado sua vida se o quisesse morto, certo?
Kurger permaneceu em silêncio por mais alguns instantes, passou de leve o olhar por todos os humanos, para sua surpresa não sentiu hostilidade neles, apenas curiosidade.
- Meu nome é Kurger, estou agradecido por terem salvado minha vida, mas quero saber, por que o fizeram? Por que estavam dispostos a atacar seu próprio povo por um orc?
- Meus motivos, bem, isso é algo que eu pretendo explicar assim que chegar à sua vila, afinal é para la que estávamos indo antes de encontrar você.
- Ir para minha vila? E o que um humano pretende fazer em uma vila de orcs?
- Como já disse, eu sei o nome do seu líder, e pretendo propor uma aliança para ele, se ele aceitar, eu e aqueles que me seguem iremos nos tornar aliados do seu povo na guerra contra os reinos humanos.
Aquilo era uma brincadeira? Humanos fazendo alianças com orcs? Nunca na historia dos orcs isso havia sido feito, e com a guerra entre humanos e orcs chegando a esse ponto, era improvável que algum Grand orc como Kadran aceitasse isso, mas ainda assim...
- E por que motivo você iria se voltar contra seu próprio povo? – Kurger perguntou, tentando manter sua voz neutra.
- Ah, por vários, motivos, eu poderia dizer que estamos tentando fazer justiça, mas se você parar para pensar, justiça é apenas uma palavra que algumas pessoas dizem quando na verdade querem dizer vingança, então sim, vingança é o principal motivo pelo qual essa aliança será feita, entre outras.
Vingança, essa era uma palavra conhecida por todos os orcs, muitos queriam devolver para os humanos toda a dor e sofrimento que eles causaram aos orcs ao longo dos anos, queriam reconquistar de volta as terras que foram tomadas pelos humanos, reconquistar a honra e dignidade de seu povo, para que um dia eles fossem capazes de viverem livres, livres do medo e do desespero perante os constantes ataques humanos, mas essa era uma tarefa que estava se provando impossível, humanos eram muito mais numerosos do que orcs, e por isso cada vitória para orcs sempre terminavam tendo sempre um alto preço, um preço que os orcs estavam se tornando incapazes de pagar.
- Muito bem, eu posso mostrar o caminho até minha vila, por terem salvado minha vida, creio que estarão em segurança enquanto não oferecem riscos para os outros orcs, mas quanto à aliança, isso é algo que só Kadran pode decidir. – Kurger disse enquanto recolhia seu machado e o ajeitava nas costas.
- Então, por favor, vamos, estou ansioso para me encontrar com seu líder.
Sem dizer nada, Kurger começou a caminhar, parando apenas para ver se eles o estavam seguindo, todos os quatros vinham caminhando, sem fazer qualquer som, não era de se impressionar não ter percebido a chegada deles, o silêncio das três humanas incomodava um pouco, podia sentir o peso de seus olhos na sua nuca, não gostava de ser observado dessa forma, mas teria que suportar isso por enquanto.
Com o sol se pondo, logo começaram a caminhar no escuro, iluminados apenas pelo luar, como Kurger não queria ter outro encontro com humanos, os guiou pela mata, na direção da vila, se surpreendeu pelo fato daqueles humanos serem tão silenciosos, eram como fantasmas, se não os visse de relance pelo canto do olho, era como se estivesse caminhando sozinho.
De repente se lembrou das palavras de um orc caçador, que costumava viajar e raramente aparecia na vila, Kurger nunca vira com seus próprios olhos, mas muito orcs que viajaram por terras distantes dizem que existem lugares onde os mortos andam, prontos para devorar os vivos, e em uma noite ao redor da fogueira, um orc viajante disse que a pior parte em lidar com os mortos não é sua alta resistência, ou o fato de devorarem os vivos, isso era coisa fácil de lidar, existia apenas um motivo pelo qual enfrentar os mortos que andam era algo terrível.
Os mortos não produzem som algum, você pode correr por uma floresta, e eles te perseguirão, e enquanto seus passos produzem som, eles nunca emitem som algum, você só percebe que eles estão chegando quando já é tarde demais, estranhamente o ar sempre esfria e muito quando eles estão chegando, como se até o calor quisesse fugir deles, por outro lado, eles odeiam fogo, pois fogo consume e o frio conserva, e felizmente, eles não andam ao dia, apenas caminham pela noite, quando a lua ilumina a terra e anuncia que o banquete dos mortos começou.
Pelo canto do olho Kurger espiou os humanos, apos alguns segundos eles pareceram assumir formas estranhas, como se fossem outra coisa, fantasmas, demônios ou monstros, mas logo a lua os iluminou e pode vê-los, caminhavam em silêncio, sem jamais fazer som algum, seus pés tocavam nas folhas, mas nenhum som se produzia, e aquilo estava começando a incomodar bastante, mas havia visto com seus próprios olhos eles serem tocados pela luz do sol, era ridículo acreditar em lendas e querer achar que eles eram mortos vivos.

A caminhada continuou por mais meia hora, até que ao longe avistaram as luzes que proviam da vila, das tochas que haviam sido acessas para espantar as criaturas da noite.
Mas um pouco e checaram na vila, a maioria dos orcs que habitavam ali já haviam se retirado para suas casas, para descansar, somente sentinelas caminhavam pelo local, um deles, um orc magro e alto, avistou Kurger e sorriu ao ver o companheiro são e salvo, mas seu sorriso logo se desmanchou ao ver os humanos que o acompanhavam, antes que Kurger tivesse a chance de explicar, ele correu em disparada para dentro da vila, enquanto gritava "humanos, humanos atacando".
- Não façam movimentos bruscos, e me deixe falar primeiro, eles não irão atacar se eu explicar a situação. – Kurger explicou enquanto avançava para dentro da vila, um conjunto de cabanas feitas de troncos de arvores e couro de animal.
Logo uma grande quantidade de orcs saiu de dentro das cabanas, armas e escudos prontos, Kurger achou engraçada a expressão de surpresa deles ao ver que apenas quatro humanos estavam ali, por todo o barulho esperavam encontrar um exército.
Eles cercaram o grupo, apontando suas armas, que variavam de machados, lanças de madeira endurecida, espadas e arcos, suas expressões passando de raiva, curiosidade e surpresa, pouco depois, um orc um pouco maior que os outros, abriu caminho entre os outros, seus braços pareciam mais fortes que os dos outros orcs, trazia uma espada e um escudo feitos de aço, vestia uma roupa feita de couro grosso, e na cabeça um elmo enfeitado com penas de peco –peco.
Ele parou perante o grupo, e seu olhar recaiu sobre Kurger.
- Qual o significado disso, Kurger? – perguntou com uma voz grave e profunda, uma voz acostumada a comandar. – Trazendo humanos para a nossa vila?
- Essa é uma situação especial, Kadran, esses humanos salvaram minha vida essa tarde, em troca por terem me salvado, eles pediram para virem até aqui, para que pudessem encontrar você.
- Salvaram sua vida? – Kadran perguntou, em um tom de voz que indicava que havia ouvido a maior mentira de todo os tempos. – E por que humanos salvariam a vida de um inimigo?
- Eles querem propor uma aliança com o nosso povo, querem lutar ao nosso lado contra os humanos que invadem a nossa terra. – Kurger disse, sua voz soando alta e grave.
Ao ouvirem isso, todos os orcs demonstraram surpresa, alguns chegaram a rir, a idéia de humanos se aliando com orcs era no mínimo absurda.
-Uma aliança entre humanos e orcs? –Kadran disse, dessa vez usando o antigo idioma dos orcs, seus olhos percorrendo cada um dos orcs, e depois eles recaíram pesadamente sobre Adrian e seu grupo. – então eles desperdiçaram bastante tempo vindo até aqui, somente nos sonhos deles iríamos nos aliar a humanos traiçoeiros e covardes.
Houve gritos de aprovação, muito orcs começaram a rir, era demais querer uma aliança entre duas raças que se odeiam tanto.
- Talvez eu seja realmente covarde. – Adrian disse, também usando o Malar, e isso foi o suficiente para fazer todos os orcs se calarem e prestarem atenção nele, era a primeira vez em suas vidas que viam um humano que sabia falar Malar, ate mesmo Kadran não conseguiu esconder o quando estava surpreso.
- Eu posso ser um humano covarde, como seu líder disse. – Adrian continuou, enquanto olhava lentamente para cada orc. – Mas mesmo eu sendo covarde, eu tenho coragem de enfrentar meus inimigos, e quanto a vocês orcs? O que vocês tem feito nesses últimos anos, além de correr e se esconderem, tremendo de medo, enquanto os exércitos humanos passam pelas suas terras?
Essas palavras fizeram os orcs emitirem rugidos de raiva, alguns deles avançaram alguns passos na direção de Adrian, apontando suas armas ameaçadoramente contra ele, um orc empunhando uma lança de madeira endurecida pelo fogo, parou a lança perto da cabeça de Adrian, e com veneno nos olhos perguntou:
- Humano, continuara a nos chamar de covardes depois que eu arrancar sua cabeça e espetar na minha lança?
Adrian apenas olhou para a lança por algum tempo, e então riu, e isso os irritou mais ainda, mesmo Kurger já estava sem paciência perante aqueles insultos.
- Olhem para as armas que estão usando, lanças de madeira desgastada, esses arcos parecem que vão quebrar se vocês puxarem essas flechas mais um pouco, suas espadas parecem mais velhas que a própria terra, talvez vocês possam matar fabres e porings com essas armas, se os porings e fabres não oferecerem resistência, até mesmo o pior ferreiro que esta sob o meu comando, consegue cagar armas melhores que essas.
Essas palavras foram o suficiente para enfurecer todos os orcs, aquele que estava segurando a lança a levantou pronto para acertá-la no rosto de Adrian.
- Parem. – a voz de Kadran se elevou acima de todas as outras vozes, todos os orcs se silenciaram e voltaram seus olhos para ele.
O olhar de Kadran se encontrou com o de Adrian, e eles se olharam em silêncio pelo que pareceram minutos, Kadran foi o primeiro a quebrar o silêncio.
- Que tipo de aliança você propõe humano? E o que você pretende ganhar nos ajudando? Não tente mentir, diga a verdade, e talvez você saia daqui com vida.
- Que tipo de aliança? Bem, a verdade é que eu tenho muitos recursos disponíveis, armas, montarias, entre outras coisas, mas eu tenho poucos homens e mulheres sob o meu comando, e é aqui que vocês entram na historia, ainda existem muitos orcs, o suficiente para formar um exército forte o suficiente para se igualar com o dos humanos, e ainda existem outras raças que também estão sendo quase extintas pelos humanos, kobolds, globins, minouros, se unirmos todo essas raças, as fazendo lutarem pelo mesmo motivo, não teríamos uma alta chance de ganhar essa guerra?
- Lamento acabar com a sua ilusão, humano, mas algo assim já foi feito no passado, e nós fomos derrotados, perdemos muitos dos nossos naquela guerra, mesmo com armas novas e grandes números, acho que ainda seria impossível ganhar dos humanos.
- Claro, eu estou consciente disso, existem dois motivos pelos quais vocês não ganham uma única batalha contra os humanos. – Adrian disse, dessa vez, muitos orcs estavam interessados em ouvi-lo, muitos haviam até baixado suas armas.
- A primeira é a disciplina, eu já observei suas batalhas, vocês são corajosos e honrados, apesar das mentiras que alguns humanos espalham, eu já vi vocês pouparem inocentes com meus próprios olhos, e honra é a coisa mais importante em uma batalha, com sua coragem e determinação vocês já foram capazes de marchar contra números maiores sem demonstrar medo, mas apesar de vocês tentarem manter uma certa organização, basta vocês serem tocados pelo calor da batalha que começam a lutar como loucos, sem prestar atenção ao redor, mesmo os mais disciplinados entre vocês é capaz de fazer algum movimento estúpido após ser provocado por um humano, e com isso acabam por cair repetidas vezes em truques e artimanhas humanas, enquanto vocês não aprenderem o valor da disciplina, nem mesmo com as melhores armas do mundo vocês irão ganhar essa guerra, vocês podem ganhar uma ou duas batalhas por sorte ou acaso, mas justamente por sua falta de disciplina, irão acabar cometendo um erro, um erro que irá custar suas vidas, eu, por ser humano, posso usar muitos dos melhores guerreiros que estão sob o meu comando para ensinar a vocês a disciplina necessária para vencer os humanos, eu não posso forçá-los a mudar seu modo de viver ou lutar, tudo que eu posso fazer é mostrar o caminho para adquirir esse poder, se vocês vão caminhar juntos comigo por esse caminho,ou não, a escolha é de vocês.
Nenhum orc se pronunciou após ouvir isso, estavam conscientes do modo organizado dos humanos de lutar, e principalmente, de suas armadilhas, Kurger notou que nenhum deles estava mais apontando armas para Adrian, pareciam realmente interessados em ouvir as palavras de Adrian.
- O outro motivo é o poder de transcender dos humanos, muitos de vocês já enfrentaram os humanos que transcenderam os limites mortais, e sabem muito bem o que eles são capazes de fazer, com esse poder, é quase impossível vencer uma guerra, lutando contra um inimigo que possui habilidades que ultrapassam os limites normais.
- E o que você pretende fazer para anular os poderes transcendentais dos humanos? – um orc portando uma espada e escudo perguntou.
- Eu não pretendo anular. – disse enquanto passava a observar as estrelas no céu, com a luz da lua se refletindo em seus olhos, um estranho sorriso surgiu em seu rosto, e por um instante Kurger viu um estranho brilho vermelho, ou seria azul? Passar pelos olhos do humano, sem tirar o sorriso do rosto, ele prosseguiu - Eu pretendo elevar vocês ao mesmo patamar que os humanos, apesar do meu controle sobre o coração de Ymir ainda não estar completo, creio que é possível igualar a sua força com a dos humanos.
- Elevar ao mesmo patamar? – Kadran, que esteve silencioso até agora, perguntou. – Pelo o que nós sabemos, o poder de transcender é um presente dado aos deuses dos humanos para eles, por isso apenas eles tem acesso a esse poder, vai dizer agora que você é um deus?
- Eu não me importaria se vocês passarem a me chamar assim, mas eu sou apenas um humano, mas mesmo sendo apenas um humano, eu aprendi muitas coisas, uma delas é que para transcender é necessário usar um dos fragmentos de Ymir, e mesmo assim, o ser vivo que vai transcender deve ter alcançado o limite de sua evolução, aquilo que os humanos chamam de aura azul, os deuses anunciaram para os humanos que apenas aqueles nobres de coração e honra, e que louvassem a gloria dos deuses seriam capazes de transcender, ironicamente, muitos assassinos e estrupadores que nunca se arrependeram de seus pecados conseguiram transcender, o que te faz pensar sobre o quanto os deuses se importam com a honra humana, a verdade é que tendo um fragmento do coração de Ymir e uma pessoa com o conhecimento necessário, é possível transcender muitas outras raças alem dos humanos, até agora, eu consegui comprovar a capacidade de transcender de orcs, minouros, goblins e kobolds.
- E deixe-me adivinhar, você possui um fragmento do coração de Ymir. – Kadran disse, sua voz soando calma e suave.
- Na verdade ainda não, mas eu posso fazer um único orc transcender, para provar que estou falando a verdade.
- Por que apenas um? Kurger perguntou, deixando se vencer pela curiosidade.
- Bem, existem apenas três fragmentos de Ymir com capacidade para transcender seres vivos, o primeiro esta em Juno, esse é o que podemos usar, mas apenas uma vez, seria arriscado demais usar ele repetida vezes, acabaríamos atraindo atenção desnecessária, o segundo esta em Rachel, uma cidade lotada de fanáticos religiosos, é impossível usar o fragmento deles, o terceiro esta em Glast Heim, a cidade dos mortos, é o de Glast Heim que vamos usar.
A simples menção de Glast Heim foi o suficiente para fazer uma onda de desconforto percorrer todos eles, muitos orcs já ouviram falar das lendas da terrível cidade dos mortos, somente loucos se atreviam a por os pés na cidade maldita, talvez por esse motivo tantos humanos tivessem o costume de ir ate lá.
- E como você pretende fazer isso? Como você vai expulsar os mortos de Glast Heim? – Kadran perguntou.
- Durante as minhas pesquisas, eu descobri que os mortos-vivos nunca desaparecem de Glast Heim por que o coração de Ymir os ressuscita, eu tenho um aliado que pode por um fim nisso, mas para isso precisaríamos invadir a cidade dos mortos e manter os mortos-vivos afastados do coração por tempo suficiente para que o meu aliado realize a magia necessária, e mesmo assim, seria preciso deixar o coração de Ymir descansar por um mês antes de usá-lo para transcender orcs, mas esse é um preço pequeno a pagar perante o poder que vocês vão ganhar.
- Muito interessante, humano, você disse coisas interessantes, fez muitas promessas, mas o que você pode fazer para provar que não esta mentindo? Que tudo isso não é apenas uma armadilha para o meu povo?
- Eu posso lutar contra outros humanos se você quiser, mas eu tenho um plano melhor, dê uma olhada nesse mapa. – Adrian disse enquanto tirava um mapa do bolso da calça e entregava para Kadran.
- Esse local marcado no mapa fica um pouco abaixo das terras dos globins, o que tem aqui? – Kadran perguntou, após olhar o mapa por algum tempo.
- Você deve ter ouvido sobre desaparecimentos recentes, orcs, minouros, até mesmo humanos, que desaparecem após se aventurar nas florestas que cercam o deserto, sem deixar vestígio, bem, envie três batedores para esse local, e depois ouça o que eles vão te contar, mas eu te peço, não ataque esse lugar em menos de três dias, minha parte nessa aliança é fornecer armas decentes para vocês, é exatamente isso que vou fazer, eu irei embora agora, em três dias eu vou voltar com carroças carregadas de armas para armar o seu povo, ai então iremos atacar e destruir esse local.
- Entendo, e o que garante que essas armas não venham com humanos as empunhando de brinde, prontos para massacrar o meu povo? Kadran disse, sua voz parecia cansada agora.
- Isso deve ser garantia o suficiente. – e após dizer isso, Adrian se virou na direção das três mulheres, que até agora estavam em silêncio, após Adrian falar alguma coisa em uma língua desconhecida, elas calmamente caminharam até Kadran e jogaram suas armas aos pés dele.
- O que significa isso? Kadran perguntou.
- Eu irei deixar elas como convidadas aqui, espero que as trate bem, em três dias, quando eu voltar, e você ver por si próprio que minha palavra é verdadeira, então irei pega-las de volta, temos um acordo?
Kadran permaneceu vários segundos em silencio, seus olhos iam das mulheres humanas para Adrian.
- Temos um acordo, humano, você tem três dias, se não voltar em três dias, elas irão pagar por suas mentiras. – Kadran disse finalmente.
- Muito bem então, tenho que ir agora, muitos assuntos a tratar, em três dias nos veremos novamente.
E após dizer, isso, Adrian começou a andar na direção da saída da vila, sem nem aos menos olhar novamente para suas companheiras, a maioria dos orcs lhe abriu caminho, alguns hesitavam um segundo ou dois, mas como Kadran se mantinha silencioso, acabavam saindo do caminho.
Foi nesse momento que Kurger percebeu uma sombra branca se movendo entre as árvores que cercavam a vila, para depois sumir.
"Tomara que esses três dias passem rápido" Kurger disse para si próprio.

Bem, esse e a primeira parte, não se esqueçam, leiam e comentem, qualquer critica e bem vinda, muito obrigado por ter lido, continue comigo, a parte dois sai em breve.