Butterfly
Arco I
Caminhos Distantes
01 – Inicio.
Edo, 17 de Março de 1636
Penisula de Shimabara, Japão
Mas você é aquele amor que vai além da vida, além de qualquer pensamento cruel e duvidoso, além de qualquer sentimento já sentido e além de qualquer palavra já dita.
- Yukimura Toushirou -
Arregalou os olhos ao avistar a coluna de fumaça escura que seguia rumo aos céus. Acelerou os passos, as sandálias de madeira ecoando em um som distante cada vez que chocavam-se contra a estrada de terra batida que levava ao começo do pequeno vilarejo, mais a frente a cidade se mostrava grandiosa e rica, e por fim o grande castelo do daimio; mas sua atenção ainda fixava-se nas chamas escassas que chamavam a atenção para onde, um dia, houve uma residência mediana simples. Cessou os passos, as pernas bambeavam no mais puro temor, o coração acelerava quase pulando da caixa torácica, e o homem de cabelos albinos quase podia sentir o deja'vu diante daquela cena.
Apressou novamente os passos, cruzando a entrada destruída em poucos segundos. O fogo ainda tinha alguma presença no interior da residência, a fumaça ainda fazia-se presente junto ao fedor de carne queimada. Não havia probabilidade de todos os residentes terem sobrevivido, mas não queria acreditar nisso, não podia. Seria doloroso demais perdê-la da mesma forma como perdera a própria família.
E ao aproximar-se com passos lentos e hesitantes de onde um dia houve uma escada de madeira – esta agora reduzida a escombros queimados e fumegantes – pode ouvir um som, um gemido dolorido e sem fôlego. Apressou-se ao avistar os retalhos de uma yukata azul clara manchada de fuligem e sangue; e ao retirar os escombros que encobriam o corpo pode, enfim, avista-la. Havia sangue manchando suas vestes, este sendo muito mais do que o homem esperava, uma katana era empunhada pela mão esquerda que estava presa sob um grande tronco de madeira, a lamina manchada de carmim quase fizera o albino sorrir ao concluir que quem quer que tenha feito tudo aquilo não saíra ileso, mas a realidade voltava diante do sangue que escorria dos lábios da moça cujos cabelos cor de noite embolavam-se com o sangue que se acumulava abaixo de si.
Ajoelhou-se, os olhos de esmeralda chorando pela mulher que já dava indícios do fim. Amava-a tanto quanto se podia por em palavras, mas agora estava perdendo-a.
- Karin... – o sussurro que atravessara seus lábios fora tão dolorido e desolador que mal reconheceu a própria voz em meio ao embargo. E ela sorriu para aquilo, nunca imaginou vê-lo daquela forma, sofrendo. Mesmo que doesse em si, de alguma forma sentia-se lisonjeada por ser o motivo do sofrimento daquele homem tão frio e distante, o mesmo que lhe prometeu uma vida de amor e felicidade; e ele lhe dera isso e muito mais, mais do que ela julgava merecer.
- Toushirou... – o sussurro viera num movimentar dos lábios sangrentos da morena, a morte já estava a espreita, ela sentia da mesma forma que sentia o calor gélido das mãos de seu amante, seu marido, seu doce e único amor que a envolvia num abraço pesaroso e com tanto cuidado quanto o que teve consigo durante os anos em que viveram juntos. Seus olhares se cruzaram uma última vez e ele nunca amou tanto aquelas safiras quanto naquele momento em que elas despedia-se de si. – Koishiteru... – o murmúrio encoberto pelo crepitar das poucas chamas restantes fora o golpe final para o albino, cujas lágrimas livres despediam-se da alma que partia.
- Koishiteru... – respondeu rouco, aos soluços, agarrando-se ao corpo morto da mulher que tanto amava; vingá-la-ia, o faria mesmo que fosse seu último ato em vida, jurou sob o sangue da amada.
E então a chuva veio fria tal como o coração despedaçado do samurai de cabelos cor de neve, Yukimura Toushirou; e junto às gotas gélidas da garoa, uma silenciosa profecia se enredava no tempo.
