InuYasha e Cia. pertencem a Rumiko Takahashi.
Essa história é uma adaptação de um dos meus livros preferidos, espero que gostem ^^
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Capítulo Um
Norfolk, Inglaterra, 1143
InuYasha Taisho está vivo.
Tal noção fez o sangue de Kagome disparar pelas veias ao avistar a Abadia de Breckland, com seus muros erguendo-se imponentes em meio aos ordenados campos lavrados e um trecho da verde floresta silvestre.
InuYasha, vivo? Será possível? Kagome Higurashi já se fizera a mesma pergunta uma centena de vezes desde que partira de Harwood nesta viagem arriscada. Ou será que o padre Myouga havia visto algum tipo de aparição bizarra enquanto acompanhava sua mãe na peregrinação até a nascente sagrada de Breckland? Kagome não podia se dar ao luxo de se ausentar por tanto tempo das propriedades de sua família, perseguindo vestígios de esperanças vãs.
E no entanto...
Caso fosse verdade, se ela realmente viesse a encontrar InuYasha Taisho aqui em Breckland, para sua família e seus vassalos isso poderia significar a diferença entre a sobrevivência e a fome durante o próximo inverno. Aquelas pessoas eram agora sua responsabilidade, mas outrora foram responsabilidade dele, antes de abandoná-las... assim como fez com ela.
Um ruído vindo da grama alta atrás afastou tais lembranças amargas dos pensamentos de Kagome e a fez procurar abrigo em um pequeno matagal próximo às árvores. Seu coração pulsava com tanta força que teve receio de que os frades de Breckland o escutassem durante as preces.
Quando viu uma avezinha alçando vôo, Kagome exalou com alívio o ar dos pulmões. Após três dias viajando clandestinamente pelo interior da Inglaterra, estava com os nervos à flor da pele. Também estava faminta.
Uma leve brisa proveniente da direção da abadia a atormentou com o aroma de carne assando. A boca de Kagome ficou cheia de água e seu estômago roncou. Agachando-se, ela remexeu no interior da bolsa de pano que trazia presa ao cinto e retirou de lá de dentro um pedaço de pão duro. Ao roê-lo, tentou não pensar no inverno esfaimado que todos em Harwood e Wakeland enfrentariam caso falhassem em manter o lobo longe de sua porta.
Onigumo Naraku. Outrora o conde de Anglia. O Lobo dos Pântanos.
Por favor, que InuYasha esteja aqui!, implorou Kagome, embora não esperasse que Deus fosse dar ouvidos às suas súplicas. Talvez, como os incrédulos alegavam, Ele e todos os anjos estivessem dormindo. Se estivessem despertos e alertas, jamais permitiriam que tamanha perversidade se alastrasse pelo reino.
Naquele instante, o sino da torre da abadia soou, indicando aos monges de Breckland que o horário das preces havia terminado e que estava na hora de trabalhar. Pouco depois, os portões do mosteiro se abriram para dar passagem a um grupo de frades usando hábitos negros. Cada um deles trazia consigo uma pá, uma enxada ou alguma outra ferramenta de jardinagem.
Embora ainda estivesse com bastante fome, Kagome devolveu o resto do pão à bolsa de pano. Furtivamente, passo a passo, ela atravessou o bosque, aproximando-se do grupo de trabalho da abadia. Fitou com atenção cada um dos homens, até que seu olhar por fim se fixou no mais alto deles.
Ele possuía a constituição física magra e sólida que ela recordava em InuYasha Taisho, assim como seu modo de caminhar decidido. A cabeça não estava raspada ao estilo dos monges, o que provavelmente significava que não fizera seus votos finais... ainda.
No final das contas, talvez Deus houvesse dado ouvidos às preces desesperadas de Kagome.
Em silêncio, os homens espalharam-se pelos canteiros para dar início às muitas horas de trabalho. O mais alto de todos veio na direção de Kagome, como se atraído pelo seu olhar examinador. Ou talvez empurrado por algum poder superior surpreendentemente prestativo.
Quando o frade atingiu uma das extremidades do jardim, ergueu um podão e começou a cuidar da cerca viva, cortando alguns ramos novos e entrelaçando-os com os outros mais antigos. Ele ainda estava longe demais, com a cabeça curvada sobre o trabalho, de modo que Kagome não podia ter certeza se aquele era o rosto de que ela se lembrava.
Acabe logo com isso!, ordenou-se. Fosse qual fosse a verdade, não devia desperdiçar tempo em descobri-la. No entanto, algo a fez hesitar. Medo, talvez, que, como tantas outras, esta última esperança pudesse vir a dar em nada.
Reunindo toda a sua coragem, Kagome saiu de dentro das árvores e caminhou na direção da cerca. Concentrado na sua tarefa, o frade leigo não notou a sua presença até que nada, além da barreira baixa de arbustos, os separava.
— InuYasha Taisho?
As palavras foram proferidas com uma voz rouca, pois ela nada falara em voz alta durante os três dias de sua viagem, e já fazia muitas horas desde que bebera alguma coisa.
O homem ergueu bruscamente a cabeça, fazendo com que errasse o golpe do podão, o que parecia contradizer sua resposta áspera:
— Não encontrará ninguém que atenda por esse nome aqui, rapaz.
Rapaz? Por um instante a palavra surpreendeu tanto Kagome quanto a recusa de InuYasha Taisho em admitir sua identidade, pois quando ele ergueu a cabeça e falou, o coração dela sobressaltou-se de alegria ao reconhecê-lo.
Decerto, sua aparência mudara um pouco desde a última vez que ela o vira. O rosto estava mais bronzeado, e o tempo cuidara de eliminar aquela rotundidade infantil, deixando no lugar uma beleza máscula e austera.
Os ombros ainda eram bem largos, os braços magros e fortes como se feitos de ferro. As mãos pareciam ser maiores e mais poderosas do que Kagome se recordava. No entanto os dedos se moviam com a mesma graça viril que outrora extraíra músicas obsedantes de um alaúde... e suspiros profundos de uma certa dama.
Afastando tal imagem de seus pensamentos, Kagome examinou a própria aparência. Não era à toa que InuYasha a chamara de rapaz!
Ela retirou o capuz, deixando que uma grossa trança de cabelos castanhos caísse por sobre os ombros.
— Olhe para mim mais uma vez e me diga se isso não lhe aguça um pouco a memória... irmão.
Quando mais jovens, ela ocasionalmente se referira a ele assim. Apenas de brincadeira, é claro. Embora ele houvesse sido criado em Wakeland com os Higurashi, os sentimentos de Kagome por InuYasha Taisho estavam longe de ser fraternos. Ainda mais agora.
Quando ele olhou para ela novamente, Kagome se forçou a sorrir, para auxiliá-lo na tarefa de reconhecê-la. Embora não pudesse esquecer nem perdoar o que ele fizera no passado, seu povo precisava da ajuda dele agora. E ela faria o que fosse necessário para consegui-la.
— Kagome? — O podão escapou dos dedos frouxos, caindo no chão. — Como me achou? Por que veio aqui?
Então ele a reconhecia. Em vão, Kagome tentou reprimir a estúpida onda de prazer que a dominou.
— O padre Myouga veio à abadia numa peregrinação, pouco tempo atrás. Ele achou tê-lo reconhecido, de modo que vim verificar se era verdade. Soubemos que havia morrido, InuYasha. — Kagome não conseguiu disfarçar a rispidez de seu tom. — Que fora morto em Lincoln, como meu pai e Souta.
Como ela pranteara a sua morte. Por mais tempo e com intensidade ainda maior, simplesmente por que se esforçara tanto para não fazê-lo. Sentira que estava sendo desleal para com o pai e o irmão por estar pranteando um inimigo que tombara.
As belas feições de InuYasha se contorceram, como Kagome já as vira fazer durante os treinos de combate, quando ele era atingido.
Ela adivinhou o significado da expressão no seu rosto.
— Não sabia que eles haviam morrido?
— Eu soube.
Por cima do ombro, InuYasha olhou para o resto da confraria. Os frades estavam muito longe e ocupados demais com suas próprias tarefas para prestar atenção a ele e Kagome.
— Eu também morri em Lincoln. — Ele pegou o podão do chão. — Pelo menos parte de mim morreu.
O que ele queria dizer? Sofrera algum ferimento que não era visível, mas que comprometera sua habilidade de lutar?
Kagome ficou arrepiada. Mas logo se lembrou de que não esperava que InuYasha enfrentasse as forças de Naraku sozinho. Ela precisava de suas habilidades táticas de guerreiro e de sua liderança, embora mais uma espada valente não fizesse mal algum.
— Você me parece muito bem.
Pelo menos para o que ela tinha em mente.
InuYasha deu de ombros e começou a podar novamente os arbustos.
Talvez estivesse na hora de ela responder a sua segunda pergunta.
— Vim procurá-lo porque preciso da sua ajuda, InuYasha.
Ele estremeceu.
— Por favor, não me chame assim. Agora sou o irmão Miroku... Ou em breve o serei.
Não se ela pudesse fazer algo a respeito.
— Seja qual for o nome que esteja usando, precisa me ajudar. — O tom das palavras era um misto de súplica e exigência. — Como sempre, o rei está fazendo o que pode, porém tarde demais, e nunca o bastante. Onigumo Naraku é o problema. Soube o que aquele patife vem fazendo desde que o rei Estevão foi tolo o suficiente para libertá-lo?
— Estive enclausurado — InuYasha retrucou —, não numa cripta! É claro que soube. Temos frades aqui em Breckland refugiados de alguns dos templos ao leste que Naraku pilhou.
O ultraje na voz de InuYasha deu esperanças a Kagome. Frades não costumavam usar este tom de voz. Já os guerreiros...
— Então deve estar sabendo que ele devastou tudo por quilômetros ao redor de seu acampamento, nos pântanos.
InuYasha estremeceu.
— Harwood? — Kagome assentiu.
— Perto do fim do inverno, um grupo de Naraku atacou uma das nossas mansões mais afastadas. Os moradores mal escaparam com vida.
— Com todos os diabos, maldito seja! — InuYasha murmurou.
— Pode ser que um dia o diabo faça a sua vontade — retrucou Kagome. O conde já fora excomungado por sua violência contra o clero. — Contudo, até então, alguém precisa defender os inocentes da sua corja de marginais.
Ele deve ter entendido o que ela estava pedindo, no entanto InuYasha não respondeu. Em vez disso, continuou a podar a cerca viva.
Kagome tentou novamente:
— Os moradores da mansão disseram que os homens de Naraku avisaram que voltariam quando Harwood e Wakeland tivessem mais a lhes oferecer. Não podemos permitir que aqueles saqueadores roubem nossa colheita, ou o povo irá morrer de fome!
InuYasha se empertigou e fitou-a com os olhos azuis.
Fazendo uma prece silenciosa, Kagome reprimiu as lágrimas. Sua viagem arriscada não fora em vão. InuYasha Taisho, fruto de uma linhagem de guerreiros virtuosos que vinha desde os dias de Carlos Magno, seria seu campeão contra o Lobo dos Pântanos.
E ele seria vitorioso. Kagome tinha certeza disso.
Por fim, InuYasha falou:
— Rezarei com todas as minhas forças pela salvação de Wakeland e Harwood. — Ele sacudiu a cabeça com pesar, porém determinado. — Mais do que isso, não posso fazer.
— Rezar? — Kagome gritou, sem dar a mínima para a atenção que estava chamando sobre si. Do modo como se sentia, poderia ter cortado a cabeça de InuYasha com o podão que ele manejava. — Não quero suas preces, InuYasha Taisho, quero sua espada.
Os olhos de uma mulher não deveriam ser tão bonitos quando tomados por uma fúria assassina.
Nas milhares de vezes que InuYasha imaginara Kagome nos últimos cinco anos, ela nunca exibira outra expressão que não a de inocência angelical. E nos seus sonhos, quando ela falara com ele, sempre fora num sussurro doce e gentil.
Agora ela estava diante dele, vestida com as calças e a túnica de um rapaz, com uma fúria esmeralda estampada nos olhos e uma ira desdenhosa na voz. E ele a desejava com tamanha luxúria que as palavras lhe escapavam.
Cinco anos atrás, quando a honra exigiu que fizesse uma escolha dolorosa, InuYasha Taisho relutantemente deixara para trás uma menina. Agora, se via frente a frente com a mulher que ela se tornara.
E que mulher.
Os cabelos cor de terra. Olhos que misturavam o castanho caloroso e o verde vivido de uma floresta no verão, com riscos dourados como os raios do sol atravessando as copas das arvores. Separadamente, nenhum de seus traços sugeria beleza — malares altos, queixo quadrado, sobrancelhas fartas e lábios largos e cheios. Contudo, eles compunham um conjunto tão atraente que InuYasha mal conseguia desviar o olhar.
— Há algum problema aqui?
Vinda de trás de InuYasha, a voz profunda do frade Moushi, o adegueiro, parecia uma trovoada se aproximando. Mais uma vez, InuYasha imaginou que o homem teria dado um excelente sargento das armas.
— Nenhum problema.
InuYasha lançou para Kagome um olhar que exigia a sua cooperação.
O antigo abade havia recusado sucessivamente os pedidos de InuYasha de fazer seus votos, alegando que ele ainda não havia abandonado por completo a sua vida anterior. O novo abade parecia ser mais compreensivo, e poderia logo ser persuadido... desde que Kagome não criasse nenhum alvoroço.
InuYasha virou-se para o adegueiro.
— Irmão Moushi, esta é lady Kagome Higurashi de Wakeland, minha irmã adotiva. Ela veio a Breckland...
Ele não sabia o que dizer a seguir. Enganar um colega frade não seria apenas desonroso, mas com toda certeza pecaminoso. Mas dizer a verdade poderia levar a perguntas que ele não estava disposto a responder.
— Vim a Breckland numa peregrinação, irmão Moushi — declarou Kagome com perfeita sinceridade. — Visitar a sua nascente sagrada.
Ela sorriu com a mais pura inocência para o frade, da mesma forma que o fizera tantas vezes nos sonhos de InuYasha.
O frade Moushi não resistiu ao encanto da moça.
— Veio desde Wakeland sozinha? Criança, esta foi uma viagem perigosa! O que a incomoda?
O tom da pergunta sugeria que ela não parecia estar doente.
— Pontadas agudas na barriga, irmão. — Kagome envolveu a própria cintura com os braços, e seu rosto foi tomado por uma expressão de quem sofre em silêncio, convencendo InuYasha de que ela falava a verdade. — Elas já vêm me incomodando há algum tempo. Rezo para que Nossa Senhora possa interceder em meu favor, caso contrário...
Kagome estava morrendo? InuYasha sentiu uma dor que ia até o fundo do seu estômago. A verdade era que havia cinco anos que não tinha contato algum com ela. Rezara com afinco para que jamais se visse diante dela novamente. Então por que será que a simples idéia de um mundo sem ela o incomodava tanto?
Outro pensamento lhe veio à cabeça. Que moça nobre ela era, vir lhe suplicar em nome dos vassalos, sem nem mesmo mencionar a aflição pessoal que a trouxera à abadia. InuYasha se desprezava pelo desejo carnal que sentira despertar. Talvez o antigo abade tivesse razão em lhe negar a fraternidade completa.
O irmão Moushi sacudiu a cabeça.
— Rezo para que encontre a cura na nossa casa, criança. Dê a volta na cerca e eu a levarei ao irmão Ginta, nosso cavalariço.
— Obrigada. — Kagome pigarreou. — Será que seria demais pedir que InuYasha... hã, o irmão Miroku... me mostrasse o caminho? Quando éramos crianças, ele me era tão querido como qualquer irmão de verdade. Ao encontrá-lo aqui, mesmo sem estar à sua procura, sinto-me como se Deus houvesse me concedido uma pequena graça.
Nem mesmo um santo feito de pedra resistiria ao seu encanto. InuYasha sentiu-se aliviado ao perceber que Kagome não tinha intenção de lhe causar problemas com os superiores. No entanto, algo em suas palavras o incomodava. Ela não o encontrara em Breckland por acaso.
Há poucos instantes, Kagome dissera ter vindo com o propósito de encontrá-lo.
Mas o irmão Moushi não tinha motivos para duvidar da sinceridade da moça.
— Como quiser, minha criança. Que Deus a abençoe. — Dirigindo-se a InuYasha, ele indicou a abadia com a cabeça. — Leve a jovem até o irmão Ginta. Ele cuidará para que ela fique bem acomodada.
InuYasha curvou-se ligeiramente, num gesto de obediência e agradecimento. Após encontrar Kagome pela primeira vez em cinco anos, ainda não estava disposto a se separar dela. Mesmo que ela houvesse despertado sentimentos que ele lutara tanto para dominar.
Afastando alguns arbustos, ele lhe abrir uma passagem através da cerca viva. Quando ela deu um passo para dentro do jardim, InuYasha teve dificuldades em desviar o olhar de suas pernas bem-feitas, cobertas por uma apertada calça de lã verde. Ao enfim fazê-lo, se viu fitando as curvas bem feitas do corpo da moça, que nem mesmo a túnica folgada conseguia disfarçar.
Quando foi que o seu exemplo de inocência virginal se transformou na personificação da tentação feminina?
A culpa não era dela, protestou a consciência de InuYasha. Kagome nada fizera além de ficar ali de pé, falar e sorrir. Os pensamentos pecaminosos eram dele — e eles eram ainda mais perversos se a pobre moça realmente estava doente.
Ao recolocar o arbusto no lugar, InuYasha pensou em cortar um galho para poder se flagelar, mais tarde, por sua perversidade. Depois, lembrou-se de que o novo abade não aprovava tais práticas.
Com passos largos, InuYasha dirigiu-se à abadia. Atrás de si, escutou Kagome esforçando-se para acompanhá-lo. Forçou-se a reduzir o passo.
Sem se virar para olhar para a moça, perguntou:
— Por que não me disse que estava doente?
— Não faz diferença — respondeu ela, com um pesado suspiro.
InuYasha abriu o portão da abadia.
— Para mim, faz.
— Faz mesmo?
Kagome arriscou um olhar para ele ao passar para entrar na abadia.
Ela passou tão perto que ele pôde sentir o cheiro do bosque impregnado nas suas roupas. Ele atravessou o portão depois dela e o fechou com mais força do que pretendia.
Sem aviso, Kagome se deteve e virou-se para fitá-lo. InuYasha por pouco não tombou com ela.
— Será que podemos conversar em algum lugar mais privado? — ela perguntou. — Antes que me leve ao cavalariço?
Embora soubesse que sua resposta deveria ter sido um determinado não, InuYasha percorreu o pátio com os olhos. Não avistou nenhum dos monges ou dos frades. A esta hora do dia, aqueles que não estivessem trabalhando no campo estariam ocupados no escritório, na enfermaria ou aonde quer que normalmente suas atribuições os levassem.
InuYasha olhou para Kagome e se viu enfeitiçado pelo seu olhar. Ela estava tão perto que ele imaginou sentir o calor do corpo dela. Nenhuma mulher deveria ficar tão próxima de um homem, a não ser que fossem de alguma maneira comprometidos.
Ele apontou na direção dos claustros.
— Podemos conversar ali. Mas só por alguns instantes — acrescentou, recuperando a disciplina monástica.
— Não preciso de muito tempo — respondeu Kagome.
— Não devemos nos demorar.
Kagome virou-se e percorreu a aléia que passava sob o dormitório dos frades.
— O que está fazendo numa abadia, InuYasha Taisho? Quando éramos crianças, você jamais manifestou o desejo de entrar para a igreja.
É claro que não. Esta era a última coisa em seus pensamentos naquela época. InuYasha sempre seguira a doutrina da espada.
— Eu era filho único. — Ele tinha esperanças de que ela pudesse acreditar na explicação que lhe ofereceria. — Tinha outras responsabilidades. As terras dos Taisho, nosso povo.
Não tinha a intenção de ser tão abrupto, mas foi assim que suas palavras soaram. A súbita aparição de Kagome, com suas perguntas intrusivas e seus problemas, havia estremecido a tênue paz de espírito, conseguida com tanta dificuldade, que ele encontrara dentro destas paredes.
— Você ainda tem obrigações para com aquelas terras e o povo delas — ela o lembrou, num tom de reprovação que o deixou ainda mais abalado.
— Não! — negou veementemente InuYasha. — Agora, é tudo da sua família. Uma recompensa pela quebra da promessa de seu pai.
Mesmo depois de todos estes anos na abadia, ainda se ressentia da injustiça — de que aqueles que mais amava lhe houvessem roubado o que lhe era de direito.
— Como ousa vir até aqui, agora que o seu povo está em perigo, exigindo o meu auxílio, invocando o meu senso de dever?
— Quebra da promessa? — Os olhos de Kagome pareciam faiscar. — Seu imbecil arrogante! Meu pai, que Deus o tenha, dava muito mais valor aos seus vassalos do que a uma promessa idiota que o antigo rei arrancou dele. Ele sabia que aquele povo simples e trabalhador precisava de um senhor capaz de governá-lo e protegê-lo, mais do que a imperatriz Matilde precisava de seus serviços em combate.
Nossa, mas era como discutir novamente com o velho Toutousai Higurashi!
Um homem admirável de diversas maneiras, o pai adotivo de InuYasha sempre preferira manter os pés no chão, em vez de almejar as estrelas. Nunca ia além da perspectiva limitada de seus próprios interesses, nem desviava seu foco das tarefas mundanas como plantar, colher, comer, beber e construir.
Como InuYasha se recordava das discussões que eles tiveram, quando chegou a hora de jurar lealdade a um dos postulantes da coroa inglesa. Discussões que, regadas de rancor, acabaram por afogar o poderoso vínculo familiar que eles possuíam.
— Se o seu pai não tinha a intenção de manter sua palavra, não deveria tê-la dado! — InuYasha se agarrava à certeza de que fizera a coisa certa, mesmo que sua consciência protestasse em contrário. — Um juramento de vassalagem não é algo que vale apenas enquanto for conveniente. Se todos os condes e lordes houvessem honrado seus juramentos à imperatriz, a Inglaterra não seria este lugar sem lei, dividido por constantes combates, que ela acabou por se tornar.
Por um instante, Kagome parecia pronta para atacá-lo num acesso de fúria. Em vez disso, fechou os olhos e inspirou fundo. Seu corpo tremia enquanto ela lutava para dominar a severidade de seus sentimentos. Ou será que havia algum outro motivo?
Sua doença! Como pôde ter se esquecido, deixando-se levar por antigas mágoas que há muito já deveria ter superado?
— Kagome! — InuYasha a tomou nos braços e surpreendeu-se quando ela não tentou escapar do abraço. — Perdoe-me. Deveria ter controlado minha língua, em vez de aborrecê-la quando está doente.
Ela arregalou os olhos.
— Doente?
Era tão bom tê-la novamente nos braços que InuYasha logo soube que era errado. Tentou se convencer de que não passava de um gesto de compaixão.
— As dores... na barriga.
— Ah, isso. — Ela cheirou algo no ar. — Uma ou duas refeições no seu refeitório farão milagres pela minha aflição.
— O quê?
InuYasha afrouxou o seu abraço.
Ela encostou a mão no ombro do homem.
— Estou com fome, seu tolo cabeça-dura!
— Você disse para o irmão Moushi que estava sentindo dores.
— E estou. Tente fazer uma viagem de três dias alimentando-se apenas com um pequeno pedaço de pão e um pouquinho de queijo, e me diga se sua barriga não vai estar doendo ao final dela!
— Mas você disse que veio em busca de cura na nascente sagrada. — Por mais que se parecesse com ela, esta criatura ardilosa não podia ser sua doce e virtuosa Kagome. — Você fez o irmão Moushi acreditar que tinha uma doença fatal. Você me fez acreditar nisso. Como pôde contar tamanha mentira para um homem santo?
Sacudindo a cabeça, ela o fitou com zombaria.
— A verdade pode ser esticada muito além do que você imagina antes que se quebre, Taisho. Precisava lhe falar em particular, e este parecia ser o meio mais rápido. Agora, quanto a Onigumo Naraku...
Naquele exato momento, InuYasha escutou passos se aproximando e vozes vindo do pátio.
— Venha. — Ele puxou Kagome pelo braço. — Se não veio até Breckland em busca de cura, mas apenas para me importunar, então deve partir imediatamente, pois não posso ajudá-la.
Devido à falta de prática, seus reflexos de combate não estavam mais tão afiados. De alguma maneira, quando ele fez menção de caminhar, Kagome conseguiu enfiar a perna entre as dele. Depois jogou seu peso contra o homem, direcionando sua queda. Antes que pudesse reagir, InuYasha se viu arremessado de encontro a um dos pilares do claustro, com a mão de Kagome cobrindo firmemente sua boca, e sua perna encaixada entre as dele.
Contra um adversário masculino, poderia ter se livrado num piscar de olhos. Mas, contra Kagome, era traído pelo próprio corpo. Seus desejos, havia muito reprimidos, o mantinham imóvel de encontro à pilastra com força muito maior do que cabia a uma moça delgada.
— Escute o que digo! — sibilou ela. — Se dependesse apenas de mim, deixaria esta abadia e, de agora em diante, o consideraria morto, exatamente como pensava que estava até há poucos dias.
Uma lâmina de ferro enfiada na barriga de InuYasha não seria tão fria quanto as palavras de Kagome.
— Mas, se quiserem sobreviver, os povos de Harwood e Wakeland precisam de um campeão como você. Princípios não saciarão a fome deles no próximo inverno, nem os protegerão das torturas de Naraku. O que tiver que fazer por eles, eu farei, não importa como possa ser desagradável. Se voltar comigo e nos ajudar a rechaçar Naraku, juro que providenciarei para que receba de volta as terras dos Taisho.
Um frade não deveria possuir muito além do hábito que usava. Nem deveria querer mais. No entanto, a oferta impossível de Kagome despertou uma fome avassaladora que vinha do âmago de InuYasha. Desde o berço fora criado para ver naquelas terras o seu destino. Ao contrário do que Kagome pudesse pensar, ele não as entregara sem uma luta ferrenha.
Ele conseguiu libertar a boca da mão de Kagome o suficiente para perguntar:
— Como?
Como ela poderia devolver o que o rei tomara?
A mão que estivera sobre a boca agora lhe repousava sobre a face, quase como que numa carícia, e uma certa ternura tomou conta da voz da moça.
— Casando com você, é claro. Aquelas terras são o meu dote.
O ardor agora se unia à fome no âmago de InuYasha, pois seu casamento com Kagome também havia sido pré-determinado e desejado. Renunciara a ele apenas com grande relutância.
Os passos e as vozes no pátio estavam se aproximando. InuYasha pensava ter reconhecido uma delas como sendo do prior Hakudoshi, seu confessor.
Ele se esforçou para se libertar. Mas, como poderia ser bem-sucedido, quando cada movimento fazia com que deliciosas chamas de perdição lambessem sua carne? Quando tentou afastar Kagome, suas mãos cobriram as generosas protuberâncias dos seios dela, e, por mais que tentasse, o homem não achou forças para removê-las.
InuYasha ficou espantado e horrorizado ao perceber que a maciez de sua feminilidade o mantinha refém de uma tal maneira que a força de homem algum jamais seria capaz de fazê-lo.
— O que é isso? — gritou o prior Hakudoshi.
InuYasha reuniu forças para se libertar. Mas não antes que a mão que acariciava sua face lhe envolvesse o pescoço, puxando seu rosto na direção do de Kagome. Ela ergueu a cabeça e abriu os lábios para um beijo que parecia mais o último e derradeiro golpe de um combate.
— Irmão, o que significa isso? A pergunta indignada não veio do prior Hakudoshi, o que já teria sido bem ruim.
InuYasha arrumou forças para retirar as mãos dos seios de Kagome e colocá-las nos ombros da moça, de modo a afastá-la. Notou nos olhos dela um brilho zombeteiro de triunfo.
— Posso explicar, abade! — disse, curvando-se diante do homem ao lado do prior Hakudoshi.
— Pode mesmo? — O abade Oyakata olhou de InuYasha para Kagome, e voltou a fitar o homem. — Então acho melhor você começar, meu filho.
