"Pós Guerra"- Parte 1- "A visita"

Capítulo I

Rua da Fiação, Cokeworth, Norte da Inglaterra

Outubro de 1998

Severo largou o livro e bufou. Já era a sexta vez que a maldita campainha tocava.

Provavelmente eram os delinquentes juvenis que tinham o hábito inconveniente de zanzar pela Rua da Fiação. Nos últimos anos, eles vinham àquela parte abandonada da cidade quando não tinham nada melhor para fazer ou quando a polícia estava em seu encalço. Na verdade, considerando-se o alarmante estado de ruína em que a rua se encontrava, com a maior parte das casas abandonada, era até surpreendente que os jovens candidatos à gangster não aparecessem mais frequentemente para uma visitinha.

Afinal, a rua da Fiação era um esconderijo perfeito. Ninguém sabia melhor disso que Severo Snape.

Mas a verdade era que arua estava tão abandonada, que até mesmo aqueles bandidinhos não tinham mais que um interesse passageiro nela. Por vezes eles entravam em alguma das casas vazias para fumar, usar drogas e ouvir música alta (se é que aquela horrenda cacofonia poderia ser chamada de "música") ou apenas andavam por ali, berrando, brigando e fazendo algazarra, antes de ficarem entediados e procurarem atos de vandalismo mais interessantes para cometer em outros lugares.

Depois do retorno de Severo, os infelizes tinham decidido aparecer mais seguidamente, animados com a possibilidade de ter uma vítima para os seus joguinhos. Bastaram apenas alguns feitiços bobos para convencê-los de que a rua era mal-assombrada para a completa hilaridade de Severo. Logo eles se foram...

Mas depois de meses da mais completa paz, aqui estavam eles de volta...Aprenderiam a lição dessa vez...

Severo abriu a porta bruscamente, sua mão direita alcançando a varinha, magicamente trancada num gabinete de madeira escondido atrás dela...Mas em vez de um bando de adolescentes mal-criados, ele apenas encontrou uma mulher de pé à sua porta.

"Boa tarde..." ela disse, com uma voz grave e ligeiramente rouca, e um sorriso cortês nos lábios.

"Boa tarde..." ele respondeu a contra-gosto "...e antes que perca seu tempo: seja lá qual produto a senhorita está anunciando, não me interessa."

Ele empurrou a porta para fechá-la, mas a mulher estendeu a mão, segurando-a com força antes que pudesse bater. Surpreso, Severo voltou a abrir. A ousadia tinha despertado sua curiosidade. Ele inspecionou a mulher que tinha diante de si de alto a baixo com olhos atentos mas desdenhosos.

Uma trouxa, certamente...mais ou menos 30 anos, algo alta, 1,70m ou 1,75 talvez...com as botas de salto alto que ela usava não era possível saber com certeza...curvilínea...Tinha os cabelos castanhos presos num rabo de cavalo apertado que realçava um rosto peculiar: sobrancelhas grossas, olhos castanhos e vivazes, um nariz grego e uma boca larga de lábios cheios, sua pele morena corada pelo vento frio do outono. Ela vestia uma blusa vermelho-tijolo e uma saia marrom, com um longo casaco bege por cima de tudo que, apesar de elegante, parecia leve demais para a temperatura do lado de fora. Era bonita, Severo tinha que admitir...Mas isso apenas tornava a presença dela à sua soleira ainda mais estranha. Pessoas bonitas e bem vestidas não eram exatamente uma ocorrência comum na rua da Fiação.

"Me desculpe o incômodo...Meu nome é Evelyn, Evelyn Black" ela estendeu a mão, mas Severo apenas continuou a encará-la, imóvel e desinteressado. Ela abriu um sorriso constrangido. Era evidente que estava se esforçando para ser polida apesar da grosseria de que era alvo. Só agora Severo se dava conta de que ela tinha um leve sotaque...ele não conseguia identificar exatamente qual... irlandês, talvez? Definitivamente não era escocês...Bem, não importava...

"É que..." ela prosseguiu "eu acabei de me mudar para cá"

"Acabou de se mudar...para cá?" ele repetiu, incrédulo.

"Sim, cheguei hoje de manhã..."

Por quê ela se mudaria para cá? Quem, em sã consciência, se mudaria para a Rua da Fiação, ele pensou, mas não disse nada.

"É uma longa história na verdade"

"Foi uma pergunta retórica, senhorita..." Severo a interrompeu, usando de um tom propositadamente condescendente, um sorriso sardônico dançando em seus lábios finos. Ela estava visivelmente incomodada. Ótimo. Não demoraria muito para que ela decidisse deixá-lo em paz.

"Na verdade...eu não quero tomar muito do seu tempo, nem aborrecê-lo com histórias que o senhor obviamente não está interessado em ouvir." Ela respondeu com uma entonação doce, mas cheia de um sutil desdém.

Severo revirou os olhos, irritado. Evidentemente, ele a tinha subestimado.

"Eu só estou procurando uma pessoa" ela tirou um pequeno bloco de notas da bolsa para consultá-lo. "Eileen...Prince. Ela mora aqui?"

Severo a encarou por um longo momento, sem reação, desarmado.

"Snape..." ele finalmente murmurou

"Me desculpe?"

"Eileen Snape...Prince era o nome de solteira..."

"Ah, então é aqui que ela mora?"

"Não mora mais..."

"Entendo...se mudou, então?

"Ela morreu...faz mais de vinte anos, na verdade"

Evelyn mordeu o lábio inferior, claramente embaraçada.

"Eu lamento muito...Nesse caso, creio que...é melhor eu ir andando..."

"Espere um momento, senhorita...como disse que era o seu nome?"

"Black. Evelyn Black." Ela pareceu relaxar e seu sotaque se tornou mais claro...Irlandesa. Com certeza ela era irlandesa, Severo pensou consigo mesmo. "Senhor...Snape, eu suponho?"

"Severo Snape..." Ele abriu a porta gesticulando para que ela entrasse.