CAPÍTULO 1
ANORMAL
No supermercado
Eu tento escolher
o mesmo sabor que você
deve gostar
Se é que conheço você
Só de te observar
Posso apostar que não vai
Me decepcionar
(...)
(PATOFU - Anormal)
Estava diante da prateleira do leite condensado, em meio a mais um de seus dilemas, quando olhou pela terceira vez para a lata que acabara de devolver aquele local perigosamente tentador. Deixar tantos venenos expostos assim — ao alcance de mãos tão distraídas e volúveis — era uma maldade que não se devia fazer com uma mulher que precisava perder uns dois ou três quilinhos. Quilinhos que de forma misteriosa haviam se alojado em seu corpo. Ao menos, era desse modo que ela se sentia quando se colocava diante de um espelho ou em cima de uma balança.
Ginny desviou os olhos da ameaçadora latinha, empurrando o carrinho de supermercado para longe daquela área de risco. Como fora se esquecer do principal motivo de haver ido as compras naquele fim de tarde? Aliás, o motivo que a levava todos os finais de tarde — nos últimos meses — a frequentar aquele mesmo lugar. Sem dúvida o leite condensado era um dos culpados, mas não o principal.
Os motivos de suas visitas constantes aquele tipo de estabelecimento comercial não eram exatamente as mesmas que em geral levavam as outras pessoas até lá. Embora ela tivesse o cuidado de sempre levar um carrinho ou um cesto a tiracolo, suas compras, naquele momento, resumiam-se a um pé de alface e duas maçãs. Poucos minutos antes o carrinho estivera transbordando de chocolates, bolachas recheadas e uma pizza tamanho família, entre outros produtinhos extremamente calóricos.
A latinha de leite condensado fora apenas mais uma das tentações a superar. Até mesmo uma barra de cereais fora abandonada em sua prateleira de origem, não pelas calorias, claro, mas porque Ginny não agüentava mais mastigar isopor misturado com pedaços de avelã ou morango. Para tudo havia limite, e o consumo de alimentos insípidos, era um deles.
Contrariada por ter que dar as costas aquelas promessas fatalmente deliciosas, Ginny segurou entre os dedos a medalhinha de Santo Antonio, que sempre trazia pendurada ao pescoço por uma corrente. O gesto a ajudou a focar sua atenção no objetivo inicial de estar ali. Esperançosa em conseguir um namorado, se dirigia aos finais de tarde ao reduto de suas possíveis vítimas. Por pesquisa própria, o que significava sem nenhuma comprovação científica, avaliou que aquele era o horário de maior circulação de testosterona por metro quadrado no bairro onde morava. Porém, até aquele momento, sua teoria não passava de mera especulação.
Desse modo, entre uma olhadela nas ofertas dos produtos expostos nas prateleiras e umas piscadelas as ofertas que perambulavam pelos corredores, ocultava seu objetivo real, largando algumas embalagens aleatórias no carrinho. Depois, é claro, precisava repor tudo no lugar, refazendo o percurso e desfazendo-se das delícias que sonhara devorar.
Ginny passeou os olhos pelos corredores, em busca do cara mais sortudo do planeta. Ah, sim! O cara que a notasse só podia mesmo ser um homem de muita sorte. Ela era inteligente, divertida, bonita, estava com uns quilinhos a mais — que somente ela enxergava — mas isso não tinha importância. Seus atributos restantes compensavam a circunferência dos quadris.
— O que foi? — Perguntou ao rapaz de cabelos castanhos, que havia grudado os olhos justamente naquela abundante parte de seu corpo — Perdeu alguma coisa? — Estava meio irritada com aquela insistência.
— Não — ele disse, sorrindo. — Mas quem sabe ainda assim eu não poderia encontrar...
"Droga!", ele até que era gatinho. Mas não queria um namorado que andasse pelos supermercados olhando para as bundas das mulheres, ainda que a bunda em questão fosse a dela própria. Seria um desperdício investir.
Foi quando mudou o caminho que costumeiramente seguia ao repor os produtos que o viu na sessão de hortifrutigranjeiros. Era alto e magro. Tinha cabelos negros, olhos verdes e usava óculos. Um gato. Ele comprava laranjas. Examinava demoradamente cada uma das frutas entre as mãos, antes de lançá-las ao saquinho plástico. "Por que ele escolhe tanto?", Ginny perguntava-se, "Deve ser super metódico", pensou, mas mudou de ideia assim que desceu os olhos para o carrinho dele, "não, não", o carrinho estava uma desordem: produtos de higiene pessoal, comida congelada e cerveja — muitas latinhas de cerveja, tudo misturado.
Ginny parou, em dúvida. Valeria a pena dedicar ao belo moreno um de seus irresistíveis sorrisos? Bem, não custava arriscar. Esticou os lábios, mostrando os dentes brancos, tentando chamar sua atenção. Nada. Ele devia trocar aqueles óculos. Não estavam funcionando direito. Ginny tinha certeza de que era muito mais interessante que laranjas. Por que então ele preferia olhar para aquelas frutas arredondadas? Só por que elas eram ricas em vitamina C?
Com uma careta substituindo o sorriso, ela andou alguns passos para a direita, postando-se num lugar estratégico. Ali era inevitável que ele não a enxergasse. Bastava esperar.
Satisfeita com sua própria sagacidade, Ginny investiu em outro truque de sedução. Mexeu a cabeça, tentando balançar os cabelos compridos feito a mulher da propaganda do xampu que havia comprado na semana anterior. Moveu novamente o pescoço, ouvindo um estalinho esquisito naquela região de seu corpo. "Inferno!", não dava mais para confiar nem nas propagandas de xampu! Na televisão as mechas platinadas da modelo voavam como plumas macias, enquanto os fios rubros em sua cabeça sequer se moveram.
Na enganosa propaganda a exuberante modelo andava pelas ruas, esbarrando por acaso num homem lindíssimo, que se apaixonava imediatamente por ela — graças a sua beleza natural e seus cabelos, nojentamente, esvoaçantes. A lembrança resultou em uma ideia, que Ginny considerou muito boa.
Não havia nada que impedisse que ela esbarrasse no observador de laranjas. Qual era o problema dele? A paciência da ruiva, que já não era grande coisa, começava a se debater loucamente, como uma prisioneira, ansiosa por liberdade. Era hora de agir.
Com um risinho de quem ia aprontar, colocou-se ao final do corredor que acabava justamente onde seu alvo se encontrava. Puxou o mínimo possível o carrinho para trás, aprumando suas rodinhas.
— UHUUUUUUU! — cochichou para si mesma, enquanto disparava na direção do seu alvo.
N/A; Olá!
Esta não é uma fanfic do tipo convencional, se é que existe fanfic convencional. Coisas ridículas e absurdas podem (e vão) acontecer no decorrer da história.
Bem, é sempre bom avisar, Né?
Abraço, Mica.
