PRIMEIRO CAPÍTULO

Kate fechou os olhos, cansada. Estava na escotilha, com Locke, Ana Lucia, Jack e Michael, que acabara de contar tudo o que havia acontecido desde que ele fora embora procurar Walt. Os "outros" o haviam capturado e o mantido preso em uma sala minúscula, dentro de uma outra escotilha.

O depoimento de Michael era essencial para a sobrevivência deles na ilha, mas, por um instante, Kate esqueceu da importância da situação e, absorta em seus próprios pensamentos, procurou voltar àquele momento, antes da chegada de Michael. "Eu, não". O que ele quisera dizer com essa frase? Depois do beijo, eles mal se falavam, fato que havia levado Kate a aceitar que o máximo que conseguiria de Jack era a amizade. E isso já era demais, considerando que ele era um médico que ajudava pessoas e ela... bom, não precisava ficar lembrando quem era ela.

No entanto, apesar disso, ele a convidara para ir até a "linha divisória" tentar fazer um acordo com os "outros" e, no meio do caminho... havia uma rede. Kate reprimiu um sorriso ao lembrar-se daquilo. Na armadilha de Rousseau, ela sentira o corpo de Jack chegar perto do seu, de um jeito que nunca acontecera antes, apesar da proximidade dos dois. Sentira sua respiração ofegante, o calor de sua pele, o toque de suas mãos... rezara para que ele não tivesse percebido o quanto ela se arrepiava quando seu nariz encostava no queixo dele, os lábios tão próximos, mais um passo e...

- Você chegou a ver o Walt? – perguntou Locke em voz alta, acordando Kate dos seus devaneios.

- Não... – Michael baixou a cabeça, entristecido. – Mas sei que ele está lá. Ouvi os outros conversando sobre as crianças e sobre o lugar para onde iam levá-las. Precisamos juntar gente e ir até lá. Eles não pretendem mantê-las... vivas... por muito tempo.

- Precisamos de armas para isso. – retrucou Ana Lucia.

- Sawyer. – disse Jack.

O que parecia se r um problema não foi. Sawyer concordou em fornecer as armas, desde que fosse junto. O grupo reuniu-se na escotilha para combinar os detalhes do "ataque surpresa". Dividiriam-se em duplas: Sawyer e Michael, Ana e Locke, Jack e Kate. Seguindo sempre o mapa que Michael desenhara do local onde estavam as crianças, cada dupla iria posicionar-se de um lado da escotilha, numa tentativa de cerco aos "outros". Hurley e Charlie ficariam encarregados de vigiar Henry Gale e apertar o botão.

Kate tentava prestar atenção a Locke, que explicava como tudo deveria ser feito, mas, mais uma vez, seus pensamentos iam longe. Lá na rede, seu corpo e seu coração haviam torcido para que Jack errasse aquele tiro, ao mesmo tempo em que seu instinto condenava esse desejo e lhe dizia para correr, correr o mais rápido que pudesse. Ela não era para ele. Ele tinha uma vida fora da ilha, a vida dela se resumia a fugir. Sempre. Não era justo, não podia estragar mais uma vida... lembrou-se de Tom e aquela lembrança doía.

Jack recebeu as armas de Sawyer e as distribuiu. Ao alcançar uma pistola a Kate, suas mãos encostaram nas dela suavemente e os dois estremeceram, olhando-se por um instante. Kate rapidamente voltou os olhos para o chão, guardou a pistola e seguiu em frente, gestos que fizeram alguma coisa se comprimir dentro de Jack.

O que estava acontecendo ali? Ele sempre fora tão racional, tão centrado, e agora desmoronava por causa de uma garota, uma garota com um passado do qual ele só conhecia duas coisas: uma fotografia em que ela aparecia algemada e a miniatura de um aviãozinho. De algum jeito, Kate o impressionava, o encantava e o confundia. O beijo o havia pego desprevenido, mas mais desprevenido estava ele quando ela simplesmente saiu correndo, sem maiores explicações. Apesar daquilo, ele tinha gostado e havia deixado isso bem claro. Mesmo assim, ela ainda o evitava. Jack não sabia o que estava havendo. Mas sabia que preferiria não ter que entregar aquela arma, preferiria que Kate ficasse na escotilha. Não porque não confiasse nela, mas porque não confiava em si mesmo e no que iria sentir se acontecesse alguma coisa ruim a ela. Pelo menos estaria ao seu lado.