Disclamer: Saint Seiya e todos os seus personagens não me pertencem, e sim ao titio Kurumada (o que é uma sacanagem, mas tudo bem, fazer o quê?)

Comentários da Autora: Esta fic nasceu de um desafio que fiz a mim mesma. O que aconteceria de Shun-Rei deixasse de ser pacata e subserviente? Como Shiryu reagiria? O resultado são as linhas abaixo. Lembrem-se os personagens estão OOC. Espero que gostem. Abraços. E lembrem-se comentários são sempre, sempre, bem-vindos e procuro responder a todos, portanto não se acanhem, apertem o botãozinho lá embaixo e GO!

Revolta

Ela andava de um lado para outro impaciente dentro de sua casa. Mais uma vez seu marido se ausentava para treinar no Santuário. Mais uma vez ela ficava sozinha em casa. Cuidava da casa, cuidava da horta, cuidava das crianças, cuidava dos necessitados da aldeia e ainda cuidava dele quando voltava para casa cansado e ferido.

O prato que secava voa na parede.

- Estão pensando que sou alguma espécie de Santa? Será que não percebem que nem cristã eu sou? Droga, maldição de todas as maldições malditas! E ainda tenho que consertar as sobras que aquele Santuário de araque me devolve. Casei! Pra mim chega! – algumas louças quebradas depois ela faz uma pequena trouxa de roupas para si mesma e para os filhos.

- Crianças, venham colocar um casaco. Vocês vão ficar na aldeia com o Mestre, mamãe precisará passar alguns dias fora mas em breve estará de volta. – ela não tinha tanta certeza assim de voltar, mas os filhos não deveriam pagar por suas próprias inseguranças. Quando tudo estivesse devidamente em seus lugares, seus filhos também o estariam. O que não seria correto era continuar, histérica, frustrada e ainda por cima com uma tensão sexual latente.

Deixou as crianças com o mestre da aldeia. Não entrou em grandes detalhes. O assunto que tinha a resolver não era da conta de ninguém. Apenas disse que precisava encontrar o marido e não poderia levar as crianças consigo.

Todos sabiam que o marido dela era o Cavaleiro de Dragão, hoje já cavaleiro de ouro da Casa de Libra e todos sabiam das lutas mortais travadas por ele. Talvez estivesse machucado e ela quisesse poupar os filhos. Não foi necessário dizer mais nada. Nessas horas era bom ter um herói por marido – ela pensou e logo depois se lembrou dos pequenos atos heróicos que ela praticava dia após dia e ninguém via, ninguém valorizava. Somente o cavaleiro tinha valor, sua dedicada esposa, seus sentimentos, sofrimentos eram solenemente ignorados, mesmo que ela se matasse de trabalhar, se matasse de ajudar, socorresse todos os doentes e feridos, secasse as lágrimas dos desamparados, ainda sim ela seria sempre a doce e delicada esposa do Cavaleiro de Dragão. Era exaustivo, era frustrante, mais ainda que seu marido parecia não perceber o quanto o amava, o quanto se preocupava com ele. Sempre existia algo ou alguém mais importante para ele.

- Será que ele me ama? É sempre a idiota da Deusa, a porra da humanidade, os merdas incompetentes dos amigos e a idiota da Shun-Rei que se foda. Ela que reze, ela que chore, ela que fique gorda igual uma leitoa parideira, ela que faça chazinho, ungüento, comida, eduque os pirralhos. Pra Shun-Rei, só merda, pro super Cavaleiro de Dragão, todos os louros, se der mole, ainda chego naquela bosta de Santuário e ele está nos braços de uma piranha.

Shun-Rei seguia seu caminho resmungando as mais diversas imprecações, contra tudo e contra todos. A linha que separa o amor do ódio é deveras tênue e ela caminhava por esta linha, como se fosse uma equilibrista sobre a corda bamba, ora pendendo para um lado, ora pendendo para o outro. Quando se casara com Shiryu ela sabia a vida que estava escolhendo, fora criada com ele, acompanhara seu treinamento, seu desenvolvimento, enfim, praticamente toda a vida dele. Porém a solidão, o isolamento e as preocupações vinham minando a paciência e o amor dela dia a dia sem que percebesse e agora, depois da doença do filho, parecia ter chegado ao extremo, ao limite.

Ele tinha saído na aurora do dia para atender um chamado de Saori para um "treinamento de guerra, afinal os cavaleiros não podem ficar fora de forma, uma guerra pode acontecer a qualquer momento." Ela já havia se acostumando com os ataques de "quero todos babando meu ovo, então invento qualquer coisa para trazê-los" da Saori, mas o Júnior estava doente, para ela, os filhos estavam acima até mesmo dos Deuses e acreditava que ele também deveria dar um pouco mais de prioridade as crianças, mas não foi assim. E mais uma vez ela teve que se virar sozinha, inclusive precisando levá-lo para o hospital, pois a febre não baixava.

- Pois é, Shiryu, seu filho mais novo quase morrendo e onde você estava? Babando ovo da mimada! Você vai ter que se entender comigo, se vai!

Agora o garoto já estava bom. Tinha mais de um mês que ele não colocava os pés em casa, não dava notícias, não ligava, nada. Conseqüentemente não tinha notícias do estava ocorrendo. Quando o garoto delirara e chamara pelo pai, ela se decidira por dar um basta em toda aquela situação. Esperou apenas que ele ficasse bem o suficiente para que pudesse se afastar para partir. Durante esse tempo sua revolta, sua indignação, seu ressentimento chegaram a níveis estratosféricos.

Conseguiu pegar um avião para Grécia sem maiores contratempos. A Fundação cuidava de manter sua documentação em dia para que pudesse se locomover sem maiores problemas em caso de emergência. Como ela não tinha velocidade de Cavaleiro...

No dia seguinte ao início da jornada estava a porta do Santuário. E para seu azar, o guarda, um novato, resolveu encrencar com ela.

- Será que você podia fazer a gentileza de avisar a meu marido que estou aqui e preciso falar com ele.

- Quem é o seu marido, minha senhora?

- Shiryu de Dragão, cavaleiro de ouro de Libra.

- AHAHAHAHAHAHAH. A quem a senhora está querendo enganar? Todos sabem que o Mestre de Dragão, tem uma doce esposa que o aguarda em Rozan. Como ela poderia estar aqui agora?

- Que tal: mula, carro, ônibus, avião, mais ônibus e mais mula? E ainda tenho que aturar um asno! Vá chamá-lo logo que eu estou perdendo a porra da minha paciência!

- Por Zeus, que mulher mais mal educada e mal humorada. Vê-se logo que não pode ser a esposa de Mestre Shiryu. Ponha-se daqui para fora!

- Eu não vou a lugar nenhum, vou ficar aqui gritando e criando escândalo até alguém com bom senso ir chamar meu marido.

Shun-Rei já estava a ponto de esmurrar o pobre coitado do guarda. A estupidez e arrogância do mesmo aumentavam a indignação da moça em progressão geométrica. E ela acabava descarregando sobre ele boa parte do que se passava por sua conturbada alma.

Quando o clima já estava fervendo e prestes a chegar às vias de fato, Kiki, hoje cavaleiro guardião da Casa de Áries, vem chegando ao Santuário e vê a confusão que está instaurada na entrada. Em um primeiro instante não reconhece aquela mulher descontrolada que estava quase espancando o guardião do portão, mas ao se aproximar pode ver que era a Senhora Shun-Rei. Ela era uma amiga muito querida, desde seus tempos de infância, quando Shiryu, hoje Cavaleiro de Ouro de Libra, acabara de se sagrar Cavaleiro de Dragão e levara a morta Armadura de Dragão para seu Mestre Mu consertar.

Kiki, hoje chamado de Kir, ou Cavaleiro de Áries, se ajoelha perante ela.

- Senhora Shun-Rei, me sinto honrado em tê-la em nosso humilde Santuário. Shiryu já foi avisado de sua presença?

- KIKI! Como é bom vê-lo meu amigo! Será que você poderia dizer para esta anta que não estou mentindo quando digo que sou a esposa de Shiryu?

- Ele não a está deixando entrar?

- Não só não me deixa entrar como não acredita em uma palavra do que digo.

- Venha comigo. Tome um refresco em minha casa e descanse enquanto procuro por Shiryu e aviso que a Senhora está aqui.

- Obrigada, meu amigo.

Enquanto o diálogo acontecia o guarda olhava para a cena pasmo e com a consciência de que cometera uma das maiores asneiras que poderia cometer em toda a sua existência. Duvidara, humilhara e quase batera na esposa de um dos mais fortes Cavaleiros protetores de Athena e fora flagrado por um outro Cavaleiro, que pelo visto tinha muito respeito e apreço pela maluca. Como mestre Shiryu conseguia tanta paz e serenidade sendo casado com uma louca como aquela? Se saísse vivo deveria agradecer a todos os deuses e mudar de profissão o mais rápido possível, bem que sua mãe o aconselhara a trabalhar na Quitanda de seu avô.

- E quanto a você, apresente-se ao seu superior tão logo acabe o seu turno. Saiba que providências serão tomadas. Você não deve permitir o acesso de ninguém ao Santuário, mas se alguém solicita uma audiência com algum dos Cavaleiros ou alega ser amigo, conhecido, parente de algum de nós, a sua obrigação é levar imediatamente a requisição a algum superior. Assim certamente vai evitar erros tão grosseiros e constrangedores quanto o que acaba de cometer.

O pobre soldado se curva, quase se arrastando no chão.

- S-s-sim me-me-me-mestre Kir.

- Agora levante-se e abra logo este portão para que a Senhora possa entrar.

Shun-Rei nem ao menos se preocupa em olhar para o asno do portão. Apenas acompanha Kiki, em direção a casa de Áries. Tudo estava mudado no Santuário. Shun-Rei olhava de um lado para o outro espantada com as modificações. Há muitos anos não ia ao Santuário. E, desde que saíra de sua casa em Rozan tudo a espantava. Sua vida e a dos aldeões com que convivia era tão imutável que estava redescobrindo o mundo. Aceitou feliz a limonada que Kiki ofereceu. Estava um calor insuportável na Grécia aquele dia. A briga com o guarda tinha sido das boas. Precisava mesmo de um refresco.

- Espere um pouco aqui. Descanse e refresque-se. Vou procurar por Shiryu.

Kiki já sentira o cosmo do amigo, e sabia que ele estava na arena de treinamento e sabia também que ele não estava sozinho. Não tinha o direito de interferir nem se meter na vida de ninguém, muito menos na vida de Shiryu. Mas vira como a Senhora Shun-Rei estava nervosa, se ela visse a cena que certamente veria, se fosse direto para a arena, era hoje que o Cavaleiro de Dragão estaria em sérios apuros. Por mais que hoje Shiryu usasse a armadura de Libra, ele seria para sempre o Cavaleiro de Dragão. Com esses pensamentos se dirigiu para a arena.

- Dragão! Dragão!

- Fala Kiki, algum problema. – Shiryu responde soltando um pouco a amazona que abraçava... ou melhor, com que treinava luta corpo a corpo...

- Acho bom você tomar um banho, respirar fundo, preparar os ouvidos e a paciência.

- Por quê?

- Sua mulher acabou de chegar ao Santuário, um guarda imbecil a impediu de entrar, quando eu cheguei ela estava quase saindo no tapa com o cara. Agora está em minha casa tomando um refresco enquanto eu correndo te avisar.

- Shun-Rei! Aqui?

- A própria. Em carne, osso e estresse.

- Por todos os Deuses, o que terá acontecido?

- Não sou eu que vou me meter, mas você não acha que talvez ela tenha vindo por você já estar a muito tempo longe de casa? Lógico que é só uma hipótese...

- Ela trouxe as crianças?

- Não. Está sozinha.

-Estou fudido.

- Com um F bem grande meu amigo... Agora vai, se demorar muito acho que ela é capaz de quebrar metade deste Santuário.

- A coisa ta feia assim pro meu lado?

- Que tal um pouco pior?

- Fui...

O Cavaleiro de Dragão toma uma rápida chuveirada, e vai correndo ao encontro de sua esposa, sem ao menos olhar para a amazona com que treinava...

A pobre coitada sai desolada da Arena. Kiki apenas senta-se na arena vazia e ri. Quanta encrenca esses doidos se enfiavam. Ele nunca esperara que Shiryu fosse capaz de fazer algo semelhante ao que vinha fazendo. Será que todo casamento estava fadado a terminar assim? Kiki sacudiu os, hoje longos, cabelos ruivos e coçou as marcas de sua raça. Não. Nem todo casamento terminaria assim. O de Aiória e Marin não acabara assim, o de seu mestre também não. Mesmo o casamento de seu mestre não sendo convencional, ainda assim era uma casamento. E muitos anos depois, Mu e Shaka ainda viviam felizes e apaixonados como nos primeiros meses.

Torcia sinceramente para que Shiryu conseguisse se acertar com Shun-Rei, gostava por demais de ambos para desejar que tudo acabasse assim.

No próximo capítulo: Se não colocarmos nossos monstros para fora, eles nos devorarão. Mágoas acumuladas em anos de casamento são descarregadas de uma só vez. Capítulo Lavanderia – Revirando o Baú.