Happy

"Alguém uma vez me disse que você tem que escolher, o que ganhar ou perder. Não se pode ter tudo."


-Perebas!

Oliver desviou o olhar da tela do mini game e olhou na direção da voz. Viu um menino que ele não conhecia correndo no quintal do vizinho. Não sabia que o sr. Filch tinha filhos. O garoto era um pouco mais alto do que ele e tinha cabelos ruivos e cacheados, sua pele era tão branca que mesmo estando há uma certa distância, Ollie podia notar as sardas que enfeitavam seu rosto. Deu pausa no jogo e ficou observando o menino através das frestas da cerca. Estava entediado e chateado. Como se já não bastasse seu pai ter ido embora, sua mãe tinha decidido mudar de país para ficar longe o bastante dele. Por isso, Oliver teve que dizer adeus aos avós, amigos e sua antiga casa, e mudou com a mãe para o interior da Inglaterra. A cidade era pequena e para piorar estava cheia de ingleses! Tinha torcido o pé tentando ajudar na mudança e por isso estava de molho do lado de fora da casa, fingindo que o sol tímido atrás das nuvens conseguia esquenta-lo.

-Perebas!

O menino ruivo tropeçou num buraco e caiu de joelhos na grama. Oliver riu, mas no segundo seguinte sentiu as bochechas ficarem vermelhas de vergonha. Vovô Wood tinha dito que nunca se devia rir de alguém caído. Elevou o corpo usando as mãos e espiou por cima da cerca. O garoto ruivo ainda estava no chão, seu rosto estava tão vermelho quanto os cabelos e seus óculos pendiam de apenas uma orelha. Sentiu novamente vontade de rir, mas conseguiu se controlar.

-Tudo bem aí? Quer ajuda?- perguntou tentando reparar a primeira má impressão.

-Não obrigado!- o outro respondeu, levantando o queixo em desafio. Oliver sorriu animado, reconhecendo o gesto como sua chance de afastar o tédio.

-Quem é Perebas?- levantou completamente, colocando o pé enfaixado com cuidado no chão e se apoiou no cercado tendo uma visão melhor do menino e do jardim vizinho.

-É meu rato de estimação.- o ruivo respondeu levantando e se aproximando de um dos arbustos próximos da cerca. Ele pegou o óculos que ainda ameaçava cair e ajeitou no rosto. Oliver notou como seus olhos eram grandes e azuis.

-Você tem um rato de estimação?- perguntou com assombro.

-Tenho, por que?- o menino respondeu novamente na defensiva.

-Uou, isso é muito legal! Posso ajudar a procurar?

Os olhos do menino pararam na bandagem que escondia o pé esquerdo e boa parte da perna de Oliver, depois voltou a encara-lo com curiosidade.

-Como você se machucou?- perguntou de volta ao invés de responder a questão de Oliver.

O menino escocês pensou que dizer: "Torci o pé subindo a escada com minha caixa de revistinhas." Era uma resposta muito monótona para dar a um garoto que tinha um rato de animal de estimação. Por isso depois de pensar um pouco respondeu:

-Torci defendendo minha mãe de uns ladrões!

-Uau!- o queixo do menino ruivo foi quase no peito e seus olhos azuis brilharam de admiração. Oliver sentiu-se bem por ser o responsável por aquela reação.

Muito mais tarde, depois deles acharem Perebas mexendo na lixeira do sr. Filch, Oliver ficou sabendo que o outro menino se chamava Percy. E que ele, com apenas oito anos, já era o terceiro de sete irmãos.

#

-Vocês vão ficar fora quanto tempo?- Percy perguntou para Oliver sem desviar a atenção de Ginny que estava se mostrando uma grande oponente no xadrez.

-As férias inteiras.- Oliver respondeu enquanto empurrava Ron com o ombro para fazer o garoto mais novo perder a concentração.

-Hey isso foi trapaça!- Ron resmungou jogando o corpo em cima do outro tentando atrapalhar também. Podia não ser forte como Charlie e os gêmeos, mas já era bem alto para sua idade.

-Foi? Nem senti.-riu.

-Seu otário, vai ser ótimo ficar sem você pendurado aqui em casa durante três meses!-Ron continuava tentando empurrar o garoto mais velho do sofá.

-Assim você machuca meus sentimentos, Roniquinho!

-Isso é tão triste, olhar para o Oliver é como ver uma mistura dos gêmeos e do Ron.- de alguma forma a voz fina de Ginny conseguiu sobressair por cima dos insultos que Ron e Oliver gritavam um para o outro.

-Mas você vai voltar a tempo da primeira semana de aula não vai?- Percy perguntou preocupado.

-Perce, prioridades! Estou falando para você que vou passar três longos meses no Highland escocês morrendo de frio, limpando estábulos e ordenhando vacas. E você se preocupa com a primeira semana de aula?

-E você quer que eu me preocupe com o que?

-Sei lá, e se o cheiro de bosta de cavalo nunca mais sair?

-Então você vai ficar muito mais cheiroso do que é agora! HAHA- Ron riu e se agachou para fugir da gravata que Oliver tentou lhe dar.

Algumas horas depois, Percy andou até a cidade com Oliver para comprar alguns "itens de emergência" que o amigo jurava que não tinha na Escócia. Torceu o nariz e pegou a quarta caixa de chocolates que Ollie jogou no carrinho.

-Oliver, não querendo ser estraga prazeres, mas você tem certeza que não tem chocolate por lá?

-Eu sei que tem, mas meu avô não vai me deixar ir até a cidade comprar, então, vou levar uma mala cheia.

-Uma mala? Não acha meio exagerado?

-Três meses no meio do nada Percy!- Oliver revirou os olhos e jogou mais duas caixas no carrinho.

-Pelo menos você vai a algum lugar. Eu vou ficar aqui e ter que ajudar na mudança do Charlie e...

-Você vai ficar com o quarto dele?

-Ele e o Bill dividem.

-Então é bem maior que o seu? Legal.

-Não exatamente e não. Vou continuar no meu quarto. Porque de acordo com a mamãe, Charlie vai voltar chorando para casa antes do Natal.

Oliver riu e puxou o carrinho até a próxima sessão do supermercado.

-Como se ele fosse chorar...- disse.

-Como se ele fosse voltar!- Percy respondeu. -Foi a mesma coisa que ela disse sobre o Bill, quando ele foi pro Egito e olha só... já faz dois anos e ele nem pensa em voltar!

-Não entendo isso, cara. Vocês tem uma família maravilhosa e ficam contando os dias para dar no pé!

Oliver realmente não entendia porque todos os Weasleys achavam que deviam ir para bem longe de casa assim que se formavam. Aquilo o preocupava, não pretendia ir embora, mas sabia que Percy sonhava em ir. Mesmo assim, não conseguia imaginar a vida sem seu melhor amigo.

-Não é que nós não amemos a nossa família, Oliver. Nós amamos. Mas queremos individualidade, sermos conhecidos por algo além dos cabelos ruivos e sermos "mais um Weasley". Você não sente vontade de sair de casa e ter as suas coisas?

-Claro, mas eu não vou abandonar a minha mãe.

Percy franziu o cenho e olhou para o amigo.

-Mas você não quer ser jogador de futebol profissional?

-Quero e é perfeito, porque vou poder dar uma vida melhor para ela.

Passou o braço pelos ombros do amigo e o puxou para mais perto. Ambos tinham quase a mesma altura, mas a julgar pelos Weasleys mais velhos, Oliver suspeitava que Percy ainda tinha muito a crescer. Continuou falando.

-Nós os Woods temos problemas com abandono. E nunca gostamos de ficar separados por muito tempo, por isso nós temos de ficar juntos de quem amamos.- mirou o rosto do amigo e levou alguns segundos para recuperar o fôlego diante da imensidão azul de seu olhar. -Você tem que prometer que não vamos perder o contato nessas férias...

Percy que estava parado muito tenso desde que Ollie o abraçara, sentiu o rosto arder de vergonha ao notar os olhares que outros fregueses do mercado estavam lançando na direção deles.

-Não precisa ser tão dramático, Oliver. São só uns meses e depois vamos até enjoar um da cara do outro quando as aulas recomeçarem.

Oliver sorriu e lhe lançou um olhar que deixava claro que considerava o amigo louco.

-Nunca vou enjoar dessa sua cara sardenta.- falou com firmeza.

#

Faltava uma semana para o fim das férias quando Oliver voltou para casa. Quando sua mãe estacionou o carro na entrada da garagem, Percy levantou do canto que estava sentado na varanda e se aproximou sorrindo. Trocou umas palavras com a senhora Wood e deu a volta no carro para ajudar o amigo com as malas, só então notou que Oliver o encarava como se nunca tivesse visto antes.

Percy sentiu as bochechas ficarem vermelhas, o amigo nunca tinha olhado para ele daquele jeito e por isso não sabia bem o que pensar ou fazer. Secou as palmas das mãos na calça e se adiantou puxando a alça de uma mala. –Bem vindo de volta, como foi lá nos seus avós?

Sentiu a garganta apertar um pouco quando notou Oliver desviando o olhar.

-Bem. E como foi o seu verão?-a pergunta foi num tom educado e sem nenhum sinal de sentimento ou interesse.

-Ótimo, eu adiantei várias leituras.

-Que novidade não é?

O ruivo engoliu em seco e colocou a mão no ombro do amigo, só para retirar rapidamente quando o outro deu um pulo, como se tivesse acabado de levar um choque.

-Tudo bem com você?-perguntou preocupado.

Oliver deu um sorriso forçado e continuou tirando as malas sem olhar em sua direção.

-Tudo. Eu só estou muito cansado. Sabe como é difícil dormir em aviões.

-Não, eu nunca andei de avião, lembra?

-Ah é...- tirou a ultima mala e fechou o porta-malas.-Olha, eu vou entrar e dormir um pouco, falo com você depois tá?

-Não quer ajuda com as...

-Não, elas estão leves, eu e minha mãe damos conta, não é mãe.

A resposta da senhora Wood foi franzir a testa e apertar os lábios em silêncio. Percy olhou de um para o outro e depois de acenar com a cabeça deu as costas e foi embora.

-Eu espero que você saiba o que está fazendo, porque quando você se arrepender pode ser tarde demais...

Oliver ouviu a mãe dizer, não respondeu, nem olhou para ela. Não conseguiu desviar o olhar das costas tensas de Percy, continuou observando até o ruivo sumir no fim da rua. Percy não olhou para trás nenhuma vez.

#

Se Percy soubesse que aquela seria sua última conversa com Oliver talvez tivesse ficado um pouco mais, forçado alguma resposta verdadeira. Mas quatro meses depois não havia muito mais há se fazer. Principalmente quando Oliver mal respondia as suas tentativas de ser sociável e nunca ficava tempo o bastante para trocarem mais de dez palavras. Sempre cercado pelo time de futebol e o grupo previsível de puxa-sacos implorando por segundos de atenção. Percy se negava a ser um deles. E sabia reconhecer quando alguém estava se esforçando para evita-lo.

Chegou mais cedo para o almoço, num dia que milagrosamente tinha cansado de estudar para as provas de admissão de Oxford. Encontrou Penelope Clearwater na entrada do salão e para sua surpresa ela o seguiu até a mesa da Grifinória, ignorando totalmente os chamados de seus amigos na mesa da Corvinal.

-Eu soube que você só vai prestar exame para Oxford é verdade?-ela colocou a bandeja ao lado da dele e jogou os longos cabelos loiros para trás antes de sentar junto a ele.

-É. Meu pai e irmãos mais velhos estudaram lá, embora o Charlie tenha abandonado.

-Mhhh Deus!-ela engoliu uma colherada da mousse de maracujá da sobremesa antes mesmo de começar o almoço.-Eu soube disso! Fiquei chocada, o que ele tem na cabeça?

Percy sorriu com o entusiasmo dela com o assunto e o doce e apontou para o canto da boca indicando que ela tinha um pouco de mousse ali. Penny riu e tentou limpar com a língua, mas só conseguiu fazer mais sujeira. Percy tentou dar instruções, mas não ajudou muito, no fim os dois riam mais do que outra coisa. Até que ele finalmente pegou um guardanapo na bandeja e limpou para ela.

-Obrigada, achei que ia ficar o dia inteiro tentando!-ela riu, mas algo prendeu sua atenção por cima do ombro dele e o sorriso se desfez misteriosamente.-Hum, acho que estou incomodando alguém.

Percy amassou o guardanapo sujo e olhou na direção que ela encarava. Levou um susto ao ver o salão cheio, não tinha notado as outras pessoas chegando. E se espantou mais ainda ao notar Oliver olhando em sua direção, uma expressão de desagrado evidente. Sentiu as faces esquentarem de embaraço e se apressou a olhar novamente para Penny.

-Não se preocupe, o problema dele não é com você.- assegurou.

-Mesmo? Ele parece bem contrariado, talvez esteja achando que estou tentando roubar seu melhor amigo.

-Nós não somos melhores amigos.

Penny olhou novamente sobre o ombro dele e depois diretamente em seus olhos.

-Tem certeza?

-Tenho. Nem sei se ainda posso dizer que somos amigos.-respondeu olhando para o pote de mousse que tirava de sua bandeja e passava para a de Penny.

Ela abriu um sorriso luminoso e apertou a mão dele com os dedos sem se importar com os olhares curiosos que atraiam.-Você não precisa de amigos que não te dão valor.

Percy não podia concordar mais. Apertou de volta a mão dela e sorriu envergonhado com a intensidade do olhar. Quase forte o bastante para ignorar o calafrio das adagas que Oliver estava lhe jogando.

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Não tinha certeza de como havia acontecido, mas tinha quatorze anos quando tomou consciência de que estava apaixonado por seu melhor amigo. Era férias de verão e os Weasley e os Wood estavam passando um mês na praia. Percy tinha adormecido no sol e acordado com o lado esquerdo do rosto e as costas mais vermelhos que um camarão, para piorar a situação os gêmeos tinham colado adesivos em suas costas. Quando o senhor Weasley finalmente conseguiu tirar os adesivos Ginny disse que o irmão parecia uma casa rosa com portas e janelas. Ron riu de chorar.

Mais tarde naquele dia todos se arrumaram para ir a cidade, mas Percy não estava disposto, principalmente porque a ardência da pele fazia com que consideração o nudismo como estilo de vida. Para sua surpresa Oliver ficou para trás, mesmo depois de ter passado a primeira semana reclamando de não poderem ir até a cidade. Os dois passaram a tarde juntos, jogaram cartas e xadrez. Comeram todo o sorvete e Oliver conseguiu convence-lo que era uma boa ideia passar gelo nas costas. Percy não aguentou nem cinco segundos antes de sair correndo com o amigo em seu encalço.

E enquanto os dois riam caídos no chão, Percy não lembrou de sentir nenhuma dor, a única coisa que lembrou foi de pensar: "Acho que te amo". Enquanto olhava para o rosto risonho de Oliver.

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Em pouco tempo Penny se tornou uma presença constante em sua vida. Engraçada, inteligente, atlética. Nem os gêmeos conseguiam encontrar defeitos e eles bem que tentaram. Mas Penny ria de suas peças e ainda dava ideias para novas. Com o tempo eles desistiram, principalmente quando notaram que ela não ia a lugar algum. Todos os dias Percy, Penny e Ginny pedalavam juntos da escola até A´Toca . A senhora Weasley os recebia com o almoço e de ter certeza que todos estavam alimentados os deixava em paz e ia trabalhar em seu jardim ou na horta.

Primeiro eles ajudavam Ginny com a lição e depois estudavam até tarde para as provas de Oxford. Mas naquele dia os três tinham resolvido passar no supermercado para reabastecer o estoque de doces da casa. Percy empurrava o carrinho enquanto as garotas discutiam se valia a pena acreditar ou não que chocolate dava espinhas e jogavam todos os tipos de besteiras e guloseimas em sua direção.

Ele parou para escolher um cereal que não fosse 100% açúcar e deixou que as duas seguissem até a área dos gelados.

-Isso que é um carrinho saudável. Está tentando deixar algum dentista rico, Percy?

O ruivo virou na direção da voz animada e viu a senhora Wood se aproximando, um pouco mais atrás dela Oliver arrastando o pé e levando o carrinho. Provavelmente se esforçando na esperança de que Percy desaparecesse antes dele alcançar a mãe.

-Senhora Wood. Quanto tempo, como tem passado?- perguntou educado.

Ela tinha cortado e pintado os cabelos de castanho escuro e parecia levemente mais bronzeada, assim como Oliver.

-Estou ótima, querido e você? Estudando muito, imagino.-tentou não demonstrar surpresa quando ela o abraçou e nem enrubescer quando se afastou para olha-lo dos pés à cabeça.-Nossa, como você cresceu. Está bem mais alto do que Oliver!

Percy abaixou a cabeça envergonhado.

-Os gêmeos disseram que você anda se esforçando para bater a nota do Bill!-ela comentou rindo.

-É verdade.

-Vai estudar o mesmo que ele então?

-Mãe vamos indo...

-Não, Ciências Políticas e Relações Internacionais.-Percy e a sra. Wood ignoraram o protesto do Oliver e seguiram conversando.

-Ainda pensando em se tornar Primeiro Ministro?

Percy riu, achou engraçado que ela ainda lembrasse daquele sonho tão antigo.

-Quem sabe?

-Eu acho que você consegue se quiser!-Penny surgiu ao seu lado já mergulhando de cabeça na conversa.

-Oh! E quem é essa? Sua namorada?

Percy não se ofendeu com o tom de surpresa da mulher. Mas não pode deixar de fica irritado com o olhar hostil que Oliver estava mandando na direção deles dois. Qual era o problema dele afinal?

-Sou! Penelope Clearwater. Muito prazer senhora...

-Wood.

As duas apertaram as mãos e sorriram alheias a tensão crescendo em volta.

-Então, você é a responsável por esses novos hábitos alimentares desse rapaz?

Penny riu sem um pingo de culpa e levantou as mãos em sinal de rendição.

-Culpada. Mas não se preocupe, ele nem chega muito perto dos doces. Eles são meus e da Ginny.

Sra. Wood sorriu aliviada e por algum motivo, Percy sentiu uma vontade grande de sair logo dali. Sua agitação deve ter sido bem aparente pois ela se apressou em dizer.

-Desculpem, não vou mais prende-los. Vejo vocês no sábado então?

-Sábado?-Penny perguntou confusa.

Mas Percy sabia bem o que tinha no sábado. Ficou em silencio e evitou olhar para seu ex-amigo e a mãe.

-É, o aniversário do Oliver...-a mulher olhou reprovadora para o filho, rugas de preocupação ficando aparentes nos cantos dos olhos.-Você não avisou ao Percy que iria dar uma festa esse ano?

Oliver nem se dignou a parecer envergonhado, parecia mais irritado, quase pronto para arrumar uma briga.

-Não. Acho que esqueci.

Quando a senhora voltou a olhar para o casal suas bochechas estavam levemente rosadas e os cantos da boca repuxados para baixo.

-Estranho que os gêmeos também não tenham te dito nada, meu bem. Mas acho que é como são as coisas...-espiou o filho com o rabo de olho.-Eles também devem ter esquecido. De qualquer forma espero os dois na minha casa, sábado. Faço questão. Não precisam levar presentes. Até!

Ela segurou o braço de Oliver e deu um puxão na direção contrária da que estavam indo antes. Dessa vez ele não demorou a seguir. Percy apertou a mão de Penny quando sentiu ela deslizando os dedos entre os seus.

#

Para o desespero de Percy, sábado chegou num piscar de olhos. E antes que ele notasse estavam estacionando o Ford Anglia na frente da casa de Oliver. A música alta fazia os vidros do carro vibrarem, os gêmeos nem esperaram o carro parar totalmente antes de saírem correndo. Tinham decidido ir com eles quando descobriram que Percy não só tinha sido convidado, como iria levar o carro para dar uma carona a Penelope depois da festa.

-Vamos lá?

Ela perguntou depois de terem passado cinco minutos sentados em silêncio sem sair do carro.

-Nós temos?

-Sim, temos!- ela deu um sorriso torto e um beijo em sua bochecha antes de abrir a porta do carro e calçar as luvas. A noite estava fria.

Andaram lado a lado até a casa e quando cruzaram a soleira Penny segurou sua mão e apertou levemente passando segurança. A sala estava cheia de rostos levemente conhecidos da escola, ninguém fazendo segredo da surpresa de verem os dois ali. Percy lutou contra o embaraço e andou até a cozinha, tinham decidido que dariam um 'alô' a senhora Wood e depois de uns vinte minutos iriam embora, pegariam Ginny e uma amiga dela em casa e iriam ao cinema.

Encontraram a cozinha ainda mais cheia, Oliver estava tomando shots de tequila e naquele momento Percy teve certeza que a sra. Wood não devia estar em casa. Ela nunca forneceria bebida alcóolica para adolescentes ou deixaria que comprassem. Os gêmeos e o resto do time de futebol e seus fãs habituais estavam em volta torcendo e contando quantos shots Oliver e um outro cara, Marcus Flint, engoliam.

-Demoraram heim? O que vocês ficaram fazendo? Dando uns pegas lá no carro?-George gritou para se fazer ouvir por cima da música e dos gritos de incentivo.

-Duvido, até parece que Percy tem isso nele!-Fred gritou também.-Penny, quando quiser um cara de verdade, eu estou disponível.

Àquela altura quase todos na cozinha já tinham desviado a atenção da competição para eles. E riam dos comentários.

-Como se eu fosse trocar um futuro ministro por um palhaço.

A cozinha explodiu em gargalhada. Oliver engasgou com a tequila e um de seus amigos bateu em suas costas com tanta força que quase o derrubou no chão.

-O-Oi, vocês dois.-ele conseguiu dizer depois de parar de tossir.-Vocês vieram mesmo... que... que bom.

Penny e Percy trocaram um olhar.

-É... Só viemos desejar parabéns e dar um olá para sua mãe, mas ela não está, não é?

Oliver se aproximou dos dois para evitar ficarem conversando aos berros, mas o grupo em volta deles se acercou também. Todos evidentemente curiosos com o que estava acontecendo.

–Não sabia que você falava com esses nerds, Wood.-alguém disse.

Oliver, não disse não nada, estava parado olhando para Percy. Numa mistura de constrangimento e surpresa.

-Penny, te fez uma pergunta.

-O que?- ele piscou como se acordasse de um transe.

-Nada. Bem, nós temos que ir ou vamos nos atrasar!-Penny respondeu.-Tchauzinho.

Os dois saíram da cozinha sem falar mais nada. Estavam quase no carro quando ouviram os passos de alguém correndo atrás deles. Oliver chegou esbaforido e fechou a porta que Percy tinha acabado de abrir para Penny.

-Então é isso?

-O que?-o ruivo perguntou confuso.

-Você! Aparece aqui com ela.-apontou para Penny e Percy a puxou para trás se colocando entre os dois.- Para que? Jogar na minha cara?

-O que? Você está bêbado. Não está dizendo coisa com coisa.-Percy falou alto, a voz alterada pela raiva de não estar entendendo e se arrependendo de ter ido até ali.

Não deu tempo para nenhuma resposta, não estava ali para escutar desaforo de bêbado algum. Empurrou Oliver para fora do caminho com uma força que nem sabia ter, abriu a porta do carro e bateu com força depois que Penny entrou, depois deu a volta e assumiu o volante. Enquanto se afastavam viu Oliver sendo contido pelos gêmeos e metade dos convidados na frente da casa atônitos pelo que estava acontecendo. Socou o volante e acelerou deixando aquela vergonha para trás.

-Então, você ainda acha que ele não tem algum problema comigo?

Penny ainda tinha os olhos levemente arregalados, mas as cores já tinham voltado a seu rosto que antes estava pálido.

#

Os gêmeos e Percy nunca tinham se dado muito bem. Quando eles nasceram Percy deixou de ser o bebê da família e embora ainda fosse de longe o filho preferido da mãe, já não recebia mais tanta atenção. Uma vez que tudo o que os gêmeos faziam era "uma gracinha" aos olhos dos pais e "hilário" de acordo com os irmãos mais velhos. Com o tempo o desgostar foi se tornando indiferença mútua e os três gostavam de fingir que nem eram parentes. Por isso foi uma surpresa voltar para casa no sábado à noite e não só encontrar os dois já em casa, mas claramente esperando por ele.

Percy revirou os olhos já imaginando que eles reclamariam da cena na festa e diriam que ele só tinha ido para estragar tudo. Percebeu que algo estava errado quando Fred puxou as pernas e deixou que ele passasse sem tentar faze-lo tropeçar. Ainda assim fingiu que não estava vendo os dois sentados no chão do corredor bem em frente da porta do seu quarto. Preferia não ser o primeiro a puxar brigas. Destrancou a porta – tinha aprendido a deixa-la trancada sempre desde que os irmãos menores tinham aprendido a andar – e estranhou quando ao virar para fecha-la deu de cara com George e Fred de pé logo atrás dele e olhando embaraçados de um para o outro e fazendo sinais com a cabeça. Revirou os olhos.

-O que vocês querem?

-Cadê a Ginny?-George perguntou, mesmo estando claro que ele queria falar outra coisa.

-Ficou na casa da Luna.

Os dois fizeram que sim com a cabeça e quando Percy fez menção de fechar a porta trocaram olhares nervosos e Fred escorregou para dentro do quarto sendo rapidamente seguido pelo gêmeo. Nenhum dos dois se importou em pedir permissão, como sempre. Percy franziu a testa e respirou fundo antes de deixar a porta aberta e se voltar na direção dos dois. Abriu a boca para perguntar novamente o que queriam. Mas eles foram mais rápidos.

-Que filme vocês assistiram? Não foi nada da Disney, foi?-Fred perguntou. Ele e George já tinham se acomodado na cama e estavam sentados lado a lado com as pernas esticadas.

Poderiam definir suas expressões como inocentes se não fosse pelo olho roxo de um e o lábio aberto de outro. Percy arregalou os olhos.

-Vocês não ficaram na festa? Como é que foram se meter em briga?-perguntou enquanto se abaixava para pegar o kit de primeiros socorros que guardava debaixo da cama.

-Isso não é nada, precisa ver o outro cara.- George respondeu, mas sem o ar de quem conta vantagem habitual.

Percy abriu o Kit e tirou iodo e algumas bolas de algodão, olhou para os dois por cima do óculos.

-Quem foi o outro cara?

Os dois desviaram o olhar.

-Um otário que nem merece ser mencionado.- Fred respondeu.

-E nós saímos logo depois que vocês foram embora. A festa estava um saco.-George completou ainda sem olhar na direção do irmão mais velho.

-Eu só fui mesmo para andar de carro com a sua namorada.

Percy e George reviraram os olhos com a declaração de Fred.

-A mãe fez pizza pro jantar, nós podemos esquentar e assistir uns filmes.- George disse.

Demorou um pouco para Pecy notar que estava incluído no convite. Piscou um tanto confuso com o que estava acontecendo ali e observou em silêncio Fred limpar a ferida no lábio e fazer caretas de dor.

-Não, eu estou cansado acho que vou dormir.

-Qual é! Nós não fazemos mais nada juntos...-eles reclamaram.

O mais velho mordeu a língua para evitar de apontar o óbvio de que eles nunca tinham feito nada juntos. Mas estava claro que os dois estavam fazendo um esforço enorme tentando incluí-lo e se sentiu mal por não aceitar. Sorriu.

-Tudo bem então...

Foi uma noite muito curiosa.


NOTA: Dividi em duas partes porque achei que estava muito grande. Segunda parte postarei mais tarde ou amanhã. No começo Percy e Oliver tem 8 anos, os gêmeos tem 6, Ron tem 4 e Ginny 3.