• Os personagens aqui citados não são meus.
• Tradução devidamente autorizada da fanfic Bone Marrow, escrita por xfucktheglasses.
• Tradução feita por mim e pela Amanur.
• Boa leitura.
Medula Óssea
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Cinco meses depois da guerra.
Ela é veterana — uma sobrevivente, uma esperança viva, uma ideia de que pode e vai ter vida após uma guerra, algo pelo qual se pode esperar após a perda, após a desesperança. Ela tem dezessete anos, não um dia mais velha nem um dia mais nova. Ela é a herdeira da Lesma — a nova princesa Lesma, a nova portadora do selo de Yin, a nova Sennin Lesma.
Ela é tudo isso e nada.
Cinco meses depois da guerra e Sakura está diante de seu espelho, nua como veio ao mundo, observando a si mesma — a maneira que ela respira, o subir e descer de seus ombros, seu peito. Ah, seu peito! Pequeno, de pele cremosa como alabastro. Ela olha para sua barriga chapada, e para os pequenos músculos definidos que crescem, enquanto se deita de costas — e senta — e conta até duzentos. Ela olha para suas coxas, firmes e macias, as pernas longas. Ela olha para o espaço entre elas. Ela olha para si mesma.
Ela olha para a garota olhando para ela, com cicatrizes, irregular e quebrada, colocada de volta em uma maneira confusa de mantê-la inteira. Ela tem ossos salientes, cutucando seus pulmões, seu coração, seus sinais vitais, e Sakura se sente como se tivesse perdida entre a luta por si mesma e por seus amigos. Entre o que ela sabe que é certo e perder sua preciosa Shishou, perdendo seu precioso Kakashi-sensei, perdendo todo mundo que ela se importava, para receber de volta fragmentos do que eles uma vez foram.
E ali está aquela garota olhando para ela.
Aquela garota, nua, de cabelo rosa e olhos verdes, com um diamante vermelho-violeta no centro da sua (muito grande, Deus, é muito grande! Diminua, diminua, diminua) testa, parece rachada e horrível e morta e ela não tem como ser tudo o que todos esperam que ela seja e...
— Quando você parou de tentar — ela sussurra para a garota. A garota assobia de volta para ela — Quando você parou de tentar?! Quando você deixou de ser tudo que você sabe que pode ser?
E há uma voz que sussurra que a vida de um veterano é triste.
Em um tom decrescente.
Rápido e lento, que consome.
Você tem que estar três passos à frente, ou aquilo te aprisiona para nunca mais te deixar partir.
E Sakura encara a garota a encarando de volta e exige que ela volte e lute porque não há desistentes em Sakura Haruno. Ela é completamente normal, completamente sensata — uma ferramenta redefinida, cortante, com rachaduras e, talvez, despojada de toda sua afiação. Mas ela é o que ela é, e ela vai ficar e lutar e parar de morrer lentamente para não odiar a si mesma.
...
Sua cicatriz mais grossa é a que está logo acima de seu útero, a menos de três centímetros de deixá-la estéril.
É rosa e a ferida fechada se projeta, feia — defeituosa. Ela é defeituosa e está usada e quebrada. Aquilo olha com raiva enquanto ela fica acima do rio, olhando para seu reflexo vestido com faixas — muito apertado em volta do peito — e seus shorts curtos. Ela olha para a garota — esta princesa guerreira, tão perdida porque sua mente foi deixada no campo de batalha onde o sangue ainda mancha o solo e ela quer gritar para se controlar.
Aqueles olhos verdes não deveriam estar tão entorpecidos.
Aqueles lábios cheios não deveriam estar inclinados para baixo em uma expressão tão feia.
Onde está a esperança?
Sakura Haruno é esperança.
Sakura Haruno é amor, mas ela não pode senti-lo, mesmo enquanto corre através de suas veias — badum, badum — as batidas do coração. Quem é essa garota boba, usando sua pele — sua pele horrivelmente defeituosa?
— O que você está fazendo?
Ela olha para cima e o encara.
Badum, badum.
Ela sabe que ama aquele rapaz.
Esse menino saiu de trás em um composto manchado de vermelho e cheio de cadáveres.
Ela sabe que o ama, mas não consegue evitar de encarar ele.
Em branco, impassível, tão longe.
— Meu reflexo.
Ele se aproxima dela e Sakura pode sentir seu coração acelerando, mas as sensações de formigamento que ela sabe que deveria sentir estão perdidas atrás de uma parede gelada.
— Estou com uma cicatriz. — ela diz, passando a ponta do dedo pela linha grossa da cicatriz — Lutei contra um da Akatsuki e fiquei com isso. Salvei uma idosa. Eu era sua fantoche.
Ele olha para ela, seus olhos escuros calculavam, e os lábios pressionados em uma linha fina — observador. Ele a observa, bebendo dela, pintando-a na tela dentro de sua mente e ela deveria — quer, porra, como ela quer — sentir o amor, a esperança e o desejo, mas ela não consegue evitar, e apenas esquiva seus lábios em um sorriso falso.
...
Um ano depois da guerra.
Sakura faz isso com frequência — é seu ritual — ficar parada na frente do seu grande espelho e observar a si mesma e toda sua inaptidão, permitindo que as vozes desagradáveis dentro de sua mente a convençam de que, independentemente de quanto tente, ela nunca será boa o suficiente para ser qualquer coisa.
Princesa Lesma — absurdo.
Portadora do selo Yin — até que ponto?
Lesma Sennin — impossível.
Títulos vazios para uma garota vazia.
Quem é ela?
Um fracasso, ela responde e soca o espelho até rachar.
...
Ela se senta nos campos de treinamento, observando o pequeno pedaço de vidro saindo de um dos espaços entre os nós dos dedos. Ela calcula o nanossegundo de dor que sentirá quando puxar o vidro para fora e passar o dedo indicador pela ferida; permitindo que seu chakra conserte as células.
Ela balança a cabeça.
Ela quer que aquilo fique.
Sakura inclina a cabeça e o cutuca, o empurra mais ao fundo e dá um meio sorriso ao choque de dor que sente, fazendo-a pular em seu assento na grama do campo de treinamento do Time Sete. Ela está suada, cabelo curto grudado no pescoço e na testa, shorts desconfortáveis contra a pele.
Sai está em cima de um dos galhos das árvores, observando e desenhando. Naruto partiu para outros assuntos — se tornou um rapaz-homem tão ocupado depois da Quarta Guerra — e Sasuke está sentado não muito longe dela, inspecionando seu chokuto com uma pedra de afiar que estava perto.
E Sakura fica lá, inspecionando seus últimos ferimentos — uma futura cicatriz se formava ali e sorri como uma maníaca perturbada que ela sabia que era.
— O que está fazendo?
Ela olha para cima, sua expressão sóbria e impassível quando Sasuke olha para ela, suas mechas sujas emaranhadas com os cílios.
— Inspecionando essa ferida que tenho.
Os olhos deles se dirigem para o seu punho.
— Tire isso. — ele diz — Vai infeccionar.
— Posso tratar.
— Então trate.
Sakura suspira, puxando o pedaço de vidro da junta sem pestanejar. O sangue começa a fluir e ela olha fixamente para ele, por um segundo, observando o quão impressionante ele parece contra sua pele pálida, como ele flui pelos espaços entre os dedos dela caindo sobre a coxa dela. Por um segundo, ela fica em transe.
Ela puxou para fora quando Sasuke bateu a mão em sua ferida, dando-lhe um aperto duro e seus olhos olhando para ela com uma faísca de aborrecimento.
— Trate isso!
Ela quer gritar para ele que está tentando.
...
Ela o encontra em seu apartamento, em uma tarde.
Ele está sentado em seu sofá, relaxado e com as pernas abertas e cruzadas sobre o tornozelo. Ele está lendo um folder, grande e grosso — um folder médico, talvez, comenta em sua mente — e está completamente absorto. Sasuke Uchiha não tem consciência de sua presença.
Essa é a primeira vez, ela percebe quando chuta as botas e anda mais para dentro de casa.
— Como você entrou aqui?
— Janela
Ele sabia, o tempo todo, que ela estava ali.
— Por quê?
Sasuke olha para ela por um segundo, piscando as mechas de seus olhos.
— Estava aberta.
— Não. — Sakura resmunga, caminhando em direção à cozinha. — Por que você está aqui?
Ele não responde e Sakura tira o jarro de água que ela mantém dentro do refrigerador, não se incomodando em encontrar um copo e beber direto dela. Tudo fica estagnado e silencioso por tanto tempo, que Sakura se perde em sua mente, como sempre faz, pensando em algumas coisas, tentando ignorar as outras, seus demônios ainda tentando tirar o melhor dela...
— Por que você anda meio esquisita. — responde ele, encostado no batente da porta da cozinha. — Há um bom tempo, na verdade.
Ela olha para ele, inexpressiva e ele reflete a expressão para ela.
— Não ando, não.
— Você anda, sim.
Sakura franze a testa.
— Como você poderia saber?
Ele encolhe os ombros, entrando mais na cozinha, as mãos enfiadas nos bolsos.
— Por que conheço a Sakura Haruno.
Ela gira ao redor, seguindo cada movimento dele como se ele fosse um inimigo.
— Você partiu por dois anos. Eu mudei.
Ele sorri.
— Eu mudei!
— Sakura.
Ela balança a cabeça.
— Apenas... Será que dá para parar? Eu estou ajeitando as coisas na minha cabeça.
Ele fica quieto.
— E... E você não deveria se importar. Você não deveria estar aqui.
Sasuke suspira, inclinando a cabeça e dando a mesma expressão que ele sempre deu a ela.
— Você é irritante.
— Eu... Sou.
Ele levanta uma sobrancelha e Sakura anda mecanicamente em direção ao seu quarto. Ela não sabe quanto tempo ele ficou em seu apartamento antes de sair.
...
— Eu sou irritante — ela sussurra em seu espelho, naquela noite, olhando para sua pele.
O espelho está rachado e faltam pedaços como um jogo de quebra-cabeça, mas Sakura o ignora enquanto olha para si mesma com desdém. Vira-se e caminha em direção ao banheiro para se esconder debaixo da água quente, para acalmar seus músculos e aliviar sua mente.
...
Eles se sentam nos campos de treinamento, duas semanas depois; mesmas pessoas, mesmas posições. Naruto está fora, em algumas reuniões para sua iminente admissão como Rokudaime.
Sai está em cima das árvores novamente, Sasuke está afiando seu chokuto e Sakura senta, olhando para si mesma e para a grama, para as árvores e para tudo. O silêncio vem acontecendo há uma hora agora, e ela se lembra de um tempo em que nunca teria podido ficar em silêncio.
Mas o que realmente há para se falar?
— Acho que estou despedaçada.
Ela ouve um ruído — Sasuke olhar para o alto, diante das palavras repentinas dela e do quão pesadas elas soam.
— Busque ajuda.
— Não. — ela diz, suavemente. — Acho que estou despedaçada… Eu… despedacei... Em algum lugar… Naquela guerra...
— Já faz um ano.
— Me sinto despedaçada há um ano.
Ela o ouve suspirar, mas Sakura não olha para ele, apesar de saber que ele a encara. É a primeira vez que ela admite isso em voz alta, para alguém, e tem a sensação de estar... Certa sobre isso.
Ela está despedaçada; ela não é forte, não mentalmente, não emocionalmente, nem fisicamente, porque, ao perder tantas pessoas, vendo e ouvindo tudo o que ela tem ouvido... Ela se despedaçou.
— O que te faz dizer isso? — ele pergunta.
— Eu... — ela olha de volta para ele, seus olhos ardendo com lágrimas que não lembrava de ter invocado. — Eu não pude salvar eles. Não pude salvá-los, Sasuke. Minha Shishou… Kakashi-sensei... Neji... Eles estão mortos.
Ele a encara, de maneira rígida e prolongada.
— Pessoas morrem.
— E eu salvo elas.
— Você não pode salvar todo mundo.
Mas ela quer, oh, como ela quer. Como ela quer se provar eficiente, como ela quer provar a todos que é capaz de fazer algo — que ela pode salvar pessoas, salvar a todos. É uma expectativa que ela achava que poderia alcançar ao despertar seu selo Yin. Uma expectativa que ela falhou em obter.
Ela pisca, as lágrimas ficando presas nos cílios antes de escorrer pelas bochechas.
— Eu... Sou um fracasso. Eu sou defeituosa.
Sasuke tossiu.
— Você não desertou ninguém.
— Sim. — ela diz, olhando para ele outra vez, com lágrimas caindo sobre as bochechas. — Eu desertei a mim mesma, Sasuke.
...
Ele manteve o olho nela, depois daquilo.
Ela nunca o pega no ato, ele nunca se deixa pegar pelo óbvio — de fato, ele continuou completamente indiferente como sempre foi com ela. Mas Sakura sabe; ela pode sentir isso nos poucos centímetros de distância enquanto ele caminha mais perto dela, ou quando o Time Sete sai para comer ramen. Percebe no jeito que ele treina com ela em uma disputa de taijutsu, no jeito que ele às vezes a leva para casa, no jeito que olha para ela quando finge sorrir conversando com o resto de seus amigos.
...
— Você me salvou.
Ela olha para ele, enquanto se sentam no campo de treinamento, um dia. Sakura enruga a sobrancelha, morde seu lábio inferior e solta sua lâmina sobre a grama que ela estava inspecionando antes de sua sentença abrupta. Sai está acima deles, novamente, perdido através das folhas enquanto ele faz sua observação e desenho, e Naruto está fora novamente, desta vez para passar um tempo com a Hinata.
— Eu... — ela balança a cabeça — Não, eu não fiz nada.
Sasuke não está olhando para ela, pelo contrário, está inspecionando o local, seus olhos apertaram, sua testa franzida e os lábios pressionados em sua carranca neutra.
— Você fez, sim.
— Sasuke — ela sussurra — Você voltou por conta própria...
— Não, não é isso. — ele se vira para ela por um segundo, a estuda com seus olhos negros demais. — Na Floresta da Morte, durante os Exames Chunin, todos esses anos atrás. Você me salvou. Eu teria matado todos eles. — ele fala arrastadamente, como se estivesse comentando sobre o tempo — Eu os teria matado num piscar de olhos.
Sakura balança a cabeça, um triste sorriso nos lábios.
— E não foi... Não foi só aquela vez. — ele continua, rigidamente, quase se sentindo incomodado em falar tudo o que lhe vem à mente. — Nossa primeira missão, minha luta com Gaara... Você... Me disse que me amava naquela noite.
Ela olha para ele, então, e ele já está olhando para ela.
— Sim.
— E eu a agradeci.
— Por quê?
Sasuke suspira, desviando o olhar, de novo, e inspeciona o perímetro como se eles estivessem em uma missão, com alto risco de serem atacados.
— Por que você me salvou.
...
Pouco a pouco ele começa a contar a ela tudo o que ela fez.
Ele é rude e direto, raramente olha para ela nos olhos; sua voz, um murmúrio baixo que beija sua pele e mergulha na própria raiz de seu ser através de seus poros; como beijos suaves, sua voz um punhal para a pele, ferindo e cicatrizando da maneira mais complexa e bonita.
Ela ouve em silêncio, enquanto ele conta sobre o massacre que teria sido da Aliança sem ela, lembra-lhe que foi o seu coração que voltou à vida, sob suas próprias mãos, que Naruto ainda está muito vivo por causa dela, que Sai teria sangrado até o fim não fosse por ela, que todos que sobreviveram, sobreviveram por causa dela.
E Sakura o ouve, lentamente sentindo calor depois de ter sentido nada além de frio; como o inverno que dura por anos e, agora, lentamente, vai derretendo quando o sol finalmente decide se erguer.
Ela o interrompe, um dia, enquanto se preparam para deixar os campos de treinamento.
Ele está dizendo a ela algo abafado, sobre seu selo Yin e a tal façanha notável de sua marca que permanece lá, em sua testa — um sinal claro dos três anos que ela passou, armazenando todo aquele chakra e indo para a batalha com apenas metade do grupo que ela montou.
Sakura embala o rosto dele, gentilmente, entre as mãos e coloca os lábios contra os dele em um beijo seco e casto. É confuso e desajeitado, seus dentes batendo contra os dele, sua língua cutucando seu lábio inferior. E ela estremece com a sensação — fino e macio e um pouco seco — respira fundo e lentamente se afasta.
Sasuke está olhando para ela, com a testa franzida como se estivesse acompanhando o que acaba de acontecer. Ele limpa a garganta, lambe os lábios — lambe os restos dela, lambe o beijo dela, guarda para si mesmo — e acena com a cabeça.
— Sim, bem...
Ela ri e pela primeira vez ela jura que é real.
...
É a vida depois da guerra.
Sakura está na frente de seu novo espelho, nua, o cabelo pingando o excesso de água do chuveiro e os olhos inspecionando todas as cicatrizes que mancham sua pele pálida. Ela estuda suas clavículas, volume de seus seios, o vale entre eles, os músculos macios em seu abdômen, suas coxas, suas pernas sem fim...
Braços enroscam sua cintura nua e ele roça os lábios no ombro dela.
Sakura sorri para seu reflexo, satisfeita, pela primeira vez, com o que vê.
Espero que gostem dessa one tanto quanto eu.
