Era uma noite quente de sexta-feira. Lá pelas onze da noite, três garotas muito diferentes perambulavam pelos corredores de Hogwarts, conversando em voz bem alta.
— Fala sério, Ray! Qual é o problema de ficar na sua sala comunal hoje? — Reclamava Sadie Cottonwealth, uma loira da Corvinal. Ao seu lado, Hannah Crossbound, uma morena rechonchuda da Grifinória, respondia com impaciência:
— É que ela acha que os coleguinhas mordem.
Rayvenne Goldenwing, baixinha e loira, normalmente ignorava os comentários das amigas quando o assunto era esse. Dessa vez, porém, resolveu interferir:
— Eles mordem mesmo, tá? Eles são cobras.
— E você por acaso é um ratinho? Ray, você é da Sonserina tanto quanto eles. Também é cobra e sabe muito bem dar um bote pra se defender.
— Mas eu não quero! A gente ainda podia ficar na sala da Grifinória; tem tanta gente legal lá... — Rayvenne miou, mas acompanhou as amigas em direção a sua sala comunal. Hannah torceu o nariz.
— Não podia, não. Briguei com o George e não quero nem ver aquela cara presunçosa dele hoje.
Sadie virou os olhos. Desde que conhecera Hannah, não se lembrava de um dia em que a garota não estivesse de mal com alguém – mas estava cansada de ver Hannah com cara de brava num canto; resolveu não forçá-la a chegar perto do amigo naquele dia.
— E a sala da Corvinal, Sadie? — Rayvenne perguntou, desafinando ao fim da frase. A mais alta simplesmente deu de ombros.
— Ah, claro. Bando de nerdzinhos quietos; fica um encorujado em cada canto com um livro no colo, e se você der um pio, já uns quatro te fazem shiu ao mesmo tempo.
As três continuaram debatendo isso até chegarem na sala comunal da Sonserina, onde entraram rapidamente. Alguns pares de olhos as fuzilaram assim que entraram, o que fez a menor observá-las com cara de "eu te disse".
— Cara feia pra mim é fome. — Sentenciou Hannah, embora ela mesma fizesse cara feia à mínima menção do nome de George. Sadie concordou; sentaram-se as duas loiras no sofá e Hannah numa poltrona à frente delas.
Ficaram um bom tempo falando sem interrupção; falaram mal dos professores, dos colegas, relembraram a infância (Hannah, filha única e extremamente mimada pelos pais; Sadie, também filha única, criada quase como irmãzinha pela mãe solteira; Rayvenne, que teve uma infância trouxa junto aos avós bruxos), tiveram ataques de riso... Tudo isso mudando de assunto com muita rapidez.
Estavam tão entretidas na conversa que não perceberam que a sala ia se esvaziando, ficando mais silenciosa, a não ser pelas vozes das três, que ecoavam altas pela sala comunal.
Era perto das duas da manhã quando o assunto, de algum modo, chegou à briga de Hannah com George. Sadie se exaltou muito nessa parte da conversa, achava que os dois estavam fazendo drama demais, e isso, e aquilo...
— ... E sei lá, Hannah, eu só acho que vocês estão sendo tão infantis! É ou não é, Ray?
E nada.
— Ray?
As duas começaram a rir. No meio da discussão da loira e da morena, Rayvenne havia perdido o interesse, deitado a cabeça no braço do sofá e caído no sono lá mesmo. Estava tão enroscada em si mesma que não ocupava nem metade do sofá.
Sadie começou a brincar preguiçosamente com uma das tranças em que tinha prendido o cabelo naquele dia. Estivera tão empolgada com a conversa que nem percebera como era tarde, e quanto tempo fazia que estavam acordadas... Só quando viu a amiga dormindo ela lembrou que poderia muito bem usar algumas horas de sono.
— Acho que a gente devia ir também, Sadie... Já é tarde.
Hannah levantou-se e fez um gesto impaciente com a mão para que a colega a seguisse.
— Ahn. — Grunhiu a loira. — Mas a sala da Corvinal é tããão longe... E amanhã não tem aula... Acho que eu vou ficar por aqui mesmo.
A morena só deu de ombros e saiu em direção à sala da Grifinória, onde o dormitório a aguardava. Sadie, então, agarrou uma almofada e ocupou o restante do espaço disponível, deitando no outro braço do sofá e adormecendo quase instantaneamente.
Sadie acordou esticada no sofá; o elástico em uma das tranças havia arrebentado e ela ainda apertava fortemente a almofada contra o peito. Demorou um pouco para entender onde estava. Rayvenne devia ter subido para seu dormitório em algum momento da noite; ela estava sozinha na sala comunal da Sonserina... Que horas eram? Não havia como saber; a sala ficava nas masmorras e não tinha janelas.
A menina apressou-se em levantar. Assim que se ergueu, porém – com metade do cabelo presa e metade desgrenhada, e provavelmente a maquiagem do dia anterior acumulada sob os olhos – uma voz a surpreendeu.
— Onde pensa que vai?
Era uma voz masculina. Quando ela se virou para ver quem a havia chamado, um menino loiro, ainda de pijamas, a estava encarando com uma expressão arrogante.
Sadie sorriu.
— Oi... Eu já estou de saída, não se preocupe.
O garoto não respondeu, só encarou-a como se reconhecesse algo. Seus olhos eram muito claros, de um modo quase hipnotizante.
— Você não é a garota que dormiu no jogo da Sonserina contra a Corvinal semana passada?
A menina riu, torcendo em volta dos dedos a trança que sobrara. A outra mão ela estendeu:
— Sadie Cottonwealth, Corvinal, grande entusiasta de esportes.
— Draco Malfoy, Sonserina, tive minha sala comunal invadida por uma sujeita que não faz muito além de dormir.
Draco apertou a mão de Sadie rapidamente. Os dois sentaram-se lado a lado no sofá onde a menina estivera adormecida poucos minutos atrás; ela não podia deixar de se perguntar por que ele estava fazendo isso – ela própria puxava conversa até com surdo, mas conhecia muito poucas pessoas que faziam a mesma coisa. E Draco, com seu olhar frio e altivo, não parecia o tipo de garoto que saía por aí falando com desconhecidos.
Ainda mais desconhecidas da Corvinal com meio cabelo preso e maquiagem escorrida.
— Então. Você sempre invade as salas dos outros pra dormir, ou...?
A expressão de Draco era sarcástica, o que fez a loirinha rir.
— Fiquei conversando com umas amigas até bem tarde. É que deu uma preguiça de ir pro meu dormitório...
— Alguém que eu conheça?
— A Ray você conhece. — Ela respondeu, pensativa. — Rayvenne Goldenwing. Tá no seu time.
Pela cara que o menino fez, Sadie soube que os dois não eram exatamente amiguinhos. Principalmente com o comentário seguinte, feito numa voz seca:
— Ah, claro. Minúscula, esquisita, orgulho maior do que ela mesma.
— Ei! Até concordo com isso, mas... — A menina irritou-se, tentando encontrar um argumento de defesa. Odiava que falassem mal de seus amigos e já tinha, desde sempre, um instinto maternal mais forte com Rayvenne do que com o resto das amigas. Algo de que a menor não gostava, mas Sadie não estava nem aí.
— E, aliás, se você é amiga da Goldenwing, não sei nem como veio dormir no... Como é que ela fala? Ninho de cobras viscosas.
— Cobras não são viscosas! — Ela corrigiu na hora. — Tenho duas em casa, mas minha mãe não me deixou trazer nenhuma para Hogwarts... Só que elas não são viscosas. São lindas, aliás.
Sadie sorriu, divertida, ao ver o colega levantar uma sobrancelha. Provocava sempre essa reação quando mencionava os animais que tinha em casa, e adorava isso. As duas cobras eram lindas – uma naja negra, lustrosa, e uma cornsnake albina com olhos muito vermelhos. Tinham nome: Brownie e Muffin, e ai de quem risse!
— Você. Com essa cara de nerd extrema. Duas cobras?
Vendo o sorriso de Draco, a menina não pôde deixar de perceber como ele era bonito. Seus lábios finos se curvavam em um sorriso charmoso; o cabelo caía em fios lisos e muito claros sobre os olhos hipnotizantes; a pele era branca sem uma sarda sequer.
Ela, por outro lado? Corpo rechonchudo, uma quantidade absurda de cabelo loiro e muito grosso (que já estava inteiro desgrenhado; ela soltara a trança e agora tentava desajeitadamente penteá-la com os dedos) e toda a maquiagem que usava para realçar os olhos verdes – bonitos, sim, mas iguais a milhares de outros por aí – já estava amontoada embaixo dos olhos como um panda.
Bela maneira de conhecer um garoto bonito, sim.
— Sim, cobras. Não sei por que tanta gente odeia elas, na verdade; mesmo a Brownie, minha naja, é muito calminha... E cobras têm algo que os outros animais não têm. — Ela já não sabia se estava falando exatamente do animal; percebera havia tempo essa qualidade na grande maioria dos sonserinos. — Mesmo quando estão dando o bote, nunca perdem a graça, nem a elegância. Algo como... Eu posso até te matar, mas vai ser com estilo.
Os dois riram.
— Corvos também são animais graciosos, eu acho. — Draco refletiu. Provavelmente havia percebido a referência à Casa nas palavras da colega.
Foi assim que se conheceram, e naquele dia passaram boa parte da manhã conversando sem interrupções. A sala não chegou a encher muito; todos os sonserinos que desciam a escada de seus dormitórios saíam rapidamente em direção à porta, já com planos para um sábado tranqüilo em Hogsmeade. Aliás, foi assim que Draco e Sadie perceberam que já estava tarde: o fluxo de alunos que desciam a escada era cada vez maior...
Despediram-se quando Sadie lembrou que também iria para Hogsmeade com Rayvenne e Hannah, e ainda estava usando as roupas do dia anterior. Antes de sair, porém, ela prometeu que assistiria ao treino de quadribol do time sonserino, já que Draco havia dito que a faria gostar do esporte de um jeito ou de outro.
Sadie saiu porta afora com um sorriso bobo no rosto.
A/N: COMASSIM eu escrevi uma fic de novo? E em PORTUGUÊS? Nossa, voltei às origens. E quero saber como me saí nessa volta, viu, gente? Ah, e a fic é meio que entrelaçada com Soaring Black Bird, da Luh (ou Nicegirl100, como é o nick dela aqui no site). Aliás, a Sadie, a Hannah e a Ray foram criadas por ela. Mas a Sadie é inspirada em mim, e vai ser a personagem principal aqui, então... É, acho que é isso. A/N meio aleatória, não? Sim, mas azar; é uma e meia da manhã e eu passei o dia inteiro brincando de "pula sapinho" com meus primos, então nem dá pra exigir que eu pense com muita clareza. Reviews!
