Era tempo do florescer das cerejeiras. A primavera anunciava tempos aprazíveis e nas aldeias só se viam rostos felizes. Essa aparente tranqüilidade escondia um lado febril daquele Japão feudal. As batalhas por posse dos feudos pipocavam aqui e acolá, sempre seguidas de grande comoção por parte daqueles que ficavam e presenciavam o não voltar de seus entes queridos. Haviam muitas revoltas entre os que eram contra os seus senhores de terras, os shoguns.
Nas terras do oeste reinavam os youkais cães, e dentre eles o poderoso lorde, Sesshoumaru, filho de um poderoso taioukai há muito morto em batalha. Nesse lugar as aldeias humanas eram largamente castigadas e não havia proteção de seu senhor, que sabidamente desprezava a humanidade, que julgava baixa, vil e totalmente imprestável. Esse lorde majestoso porém tinha um irmão mais novo, fruto de uma relação breve mas intensa de seu pai com uma princesa humana. Tal ser vivia vagando pelas terras sem fim, não sendo aceito nem entre os da raça de seu pai nem entre o povo de sua mãe.
Sendo um rebelde inveterado, passava de taverna em taverna, de casa licenciosa a casa licenciosa, sem parada ou destino certo. E quase sempre arranjava problemas. Como companheira de viagem ele tinha apenas a herança de seu pai, a temida espada feita com seus próprios caninos. Era a sua garantia de vida naquele reino onde o ódio entre homens e youkais imperava desde a morte do ultimo shogun, seu pai. Seu nome era Inuyasha.
Adentrando a hospedaria, Inuyasha sentou-se numa mesa num canto escuro e pediu uma bebida, que lhe foi servida por uma mulher de trejeitos humildes, sendo logo identificada como sendo mais uma daquelas pobres aldeãs que buscam subsistência em tempos de guerra, viúva de um marido que nunca mais verá. Ele agradeceu secamente e sorveu a bebida sem olhar para os lados. Como ainda era cedo o estabelecimento estava vazio. Ele pode ouvir os risinhos abafados das mocinhas lá em cima no segundo andar, se preparando para entreter os clientes quando a noite caísse. Talvez ele ficasse ali até essa hora.
A porta rangeu e ele virou levemente o olhar, e um ser baixinho e esverdeado adentrou, virando a cabeça para os lados, procurando algo. Seus olhos enormes, amarelos e malignos estreitaram ao ver Inuyasha imóvel no canto. Ele se aproximou e bateu com o cajado que portava no chão, autoritário.
- Até que enfim encontrei você seu bastardo inútil! O Lorde mandou que eu procurasse você!
- E o que ele quer com um bastardo inútil feito eu? – Inuyasha indagou sem se mexer.
- Você tem o sangue do grande Inutaisho! É hora de ajudar o seu clã!
- Feh! O Sesshoumaru nunca quis a minha ajuda, porque agora?
O mensageiro do lorde riu malevolamente.
- Porque você é o mais indicado para a tarefa humilhante que o lorde pretende ordenar!
Inuyasha pegou a criatura verde pelo pescoço tão rápido que ele mal pode sentir.
- Não me provoque Jaken! Hoje eu não estou de bom humor.
Ele o soltou e voltou a sorver a bebida calmamente. Jaken se recuperou e disse irritado.
- Se a honra de seu pai não importa para você, fuja feito um rato covarde! Afinal o que se podia esperar de um hanyou como você!
Inuyasha socou a mesa violentamente. O pequeno ser se afastou um pouco. Ele sorriu.
- O que o meu grande irmão quer que eu faça pelo clã, seu miserável? Fale logo!
Jaken se aproximou cauteloso e disse.
- Aqui não é um lugar apropriado para este assunto mas... você já ouviu falar de um humano chamado Hiroshi Higurashi?
- Sim – ele sibilou impaciente – é um humano que pegou em armas contra o meu irmão e pretendia liquidar o clã dos youkais cães, e juntou ao redor de si um bando de malucos revolucionários. E daí?
- Malucos? – Jaken revirou os olhos – pois saiba que eles estão muito bem organizados, e formaram um clã para tomar o poder dessas terras do oeste do controle dos youkais cães. Há rumores que eles agem nas sombras e muitas aldeias já estão sob influencia deles. E isso é perigoso.
- Não me diga que meu poderoso irmão está com medo de humanos organizados? Não me faça rir seu ser desprezível, me incomodar com uma historia dessas!
- Não os subestime – ele sussurrou em tom de provocação – você deve saber que esses humanos quando se organizam causam muitos problemas. Dizem que muitos membros do clã de seu pai já caíram sob a espada deles...
Inuyasha pensou um pouco. Tinha ouvido rumores de altos membros do clã terem sido mortos misteriosamente mas não tinha levado a sério. Jaken continuou.
- O lorde soube recentemente que Higurashi estaria tramando ataques contra os membros do clã para enfraquecer o poder dele, e que esse humano tinha uma filha que estaria perdida por estas terras. O que o lorde quer é que você a encontre e faça com que ela o leve até o pai.
Inuyasha riu alto para desespero de Jaken.
- Eu? E por que eu seu patife?
- Não é obvio? Você é um hanyou que tem uma mãe humana! É a tarefa adequada para você.
Desta vez Jaken foi mais esperto e desviou da fúria de Inuyasha. Ele continuou.
- Seu nome é Kagome, e ela é uma excepcional arqueira! Além disso dizem que ela carrega consigo uma jóia única em beleza e brilho, você saberá identificá-la!
Dizendo isso a criatura verde saiu o mais depressa que pode. Achava que já tinha provocado o meio irmão do lorde demais por hoje. Apesar de ser um hanyou. Inuyasha era temido entre os youkais por dominar as técnicas secretas do canino de aço do seu pai, o que não era de se desprezar.
Ele permaneceu pensativo por minutos. Desprezava o irmão tanto quanto ele o desprezava. Mas ainda sim a honra de seu pai não poderia ser maculada por míseros humanos que achavam que podiam subjugar o clã que ele havia erguido, e isso Inuyasha não permitiria. Ele sempre respeitou e honrou seu pai, e não seria agora que agiria diferente.
Passou pela mesma mulher que o servira e jogou um tostão na cara dela, com desdém. Ele até entendia que os youkais não o aceitassem no meio deles, mas nunca seu pai fora desprezado entre os seus. Mas ele se lembrava bem das lagrimas derramadas por sua mãe, vitima junto a seu filho do preconceito cruel dos homens. Passou então a odiar profundamente essa horda inútil, esses seres cheios de defeitos que ainda se achavam no direito de apontar as diferenças e se julgarem superiores. Escoria da pior espécie, era assim que ele definia a raça humana.
A noite caia devagar. O cheiro enjoativo das mulheres da hospedaria ia aos poucos deixando o seu olfato apurado. No caminho ele ia pensando em como encontraria a tal mulher que o levaria ao líder da rebelião. A tal Kagome.
