Seus pensamentos, normalmente tão cheios de foco e certeza, agora divagavam quase que absolutamente, sem ter peso algum ou algo que os atrapalhassem. Ainda trajava as vestes que usara durante o dia. As calças de couro pretas esquentavam-lhe demais, mas não perderia tempo as tirando. E a blusa vermelha, essa continha o mais delicioso perfume, aquele que impregnava todas as roupas que tinha e rondava sua casa como um fantasma, lembrando-no de quando o outro estava longe.

Um sorriso abriu-se em seu rosto enquanto deliciava-se apenas com a lembrança do rosto anguloso, os olhos azuis emoldurados por cabelos negros lisos, perfeitos, parecendo um respingo de tinta na tela branca que era sua pele imaculada. Apenas lembrar-se de seu amor o fazia estremecer, os dedos coçavam para tocar os fios negros, e a pele morena ardia para ser descoberta pelos lábios fartos e normalmente tão incertos de suas decisões. O modo como crispavam ao ficar nervoso, como os olhos normalmente tão cheios de um vão absoluto faiscavam de ódio ao receber algum tipo de ameaça, ou como uma pequena covinha, tão perdida naquele rosto sério, vinha sempre a aparecer quando tentava esconder um sorriso. Tudo isso, estando sozinho, não despertaria sentimento algum pelo feiticeiro. Mas em conjunto pareciam levá-lo a loucura.

Esperava por seu garoto com a porta aberta, a mente ainda divagando quando a porta da entrada rangeu suavemente e o peso habitual dos passos firmes preencheu o apartamento. Um sorriso formou-se por hábito no rosto sempre sereno, fazendo-o fechar os olhos e colocar as mãos atrás da cabeça, cruzando-as despreocupadamente. Contou até cinco antes de escutar a voz áspera, porém tão suave aos seus ouvidos.

- Sorrindo sozinho outra vez?

A pergunta foi certeira, suficiente para fazê-lo abrir os olhos em deleite. A visão do rapaz recostado ao portal, os braços cruzados defronte o corpo e um canto dos lábios repuxado em um sorriso incerto foi a gota d'água. Estremeceu. Sempre se surpreendia com tal beleza. Não que já não tivesse visto alguém belo o suficiente para arrancar-lhe suspiros. Lembrou-se instantaneamente do garoto Herondale, seu temperamento tão igual ao de seu último descendente, aqueles olhos de tempestade escondendo o calmo anoitecer. Aquele sim era um rapaz maravilhoso, pelo qual cogitara se apaixonar, logo abandonando tal opção. Mas agora havia ele, fitando-o descaradamente de uma distância razoável, onde não poderia ser distraído com os toques do feiticeiro que já levantava-se para acabar com a tão incômoda separação.

O segurou pelo rosto, observando atentamente suas feições. Nada de cabelos louro-acastanhados, ou olhos verdes cinzentos como a natureza em decomposição. Brilhantes como seda, os cabelos negros lhe deslizavam sob os dedos, e os olhos azuis, sérios como um suspiro de morte, não eram de nada parecidos com o tão antigo ancestral. Às vezes a capacidade do feiticeiro de guardar detalhes, pequenas pessoas, e sobretudo de viver, o assustava.

Acabou com o curto espaço, os lábios quentes encontrando os frios. Devia ter passado o dia enfrentando o vento. As mãos fechando-se atrás da nuca, um colar qualquer marcando-lhe as palmas. Seu coração, que normalmente não dava sinal de existência, bateu com uma alegria incontestável ao sentir o outro responder aos seus toques. Desgrudou os lábios, levando os seus próprios até o lóbulo da orelha esquerda do garoto, onde deixou as palavras doces dançarem.

- Meu menino de olhos azuis.

Sorriu com o estremecer do acompanhante, que tinha as mãos firmes segurando-lhe os ombros como se aquele fosse o último sinal de vida. Fora-se o tempo, pensava, em que os Lightwood eram todos iguais.