Caminho para Casa
A neve havia caído sem piedade na noite anterior e a Estrada do Rei foi coberta. Um cavalo afundaria pelo menos vinte centímetros nos pedaços mais fofos. O bosque sagrado parecia mais silencioso do que o normal, como se os pássaros e animais pressentissem que outra nevasca viria em breve.
Jon aproveitou a trégua da neve para percorrer os arredores de Winterfell e avaliar o andamento das construções e qualquer eventual reforma nas estruturas principais que precisassem ser feitas. A capa com gola de gato da sombra e suas roupas pesadas não eram o bastante para isolar o frio de vez. Tão logo seus deveres fossem cumpridos, ele voltaria para dentro das paredes aquecidas do castelo e desfrutaria de um banho quente.
O cavalo se movia com dificuldade pelo caminho e bufava em razão do esforço. Os camponeses o saudavam quando passava, mas alguns sentiam tanto frio que mal conseguiam erguer o tronco. O inverno havia chegado e ainda levaria um bom tempo até que fosse embora, ao menos sabia que fora feito para resistir aos seus rigores. O sangue Stark era tudo o que precisava.
- O senhor se parece com seu pai. – um dos idosos da vila lhe disse com jeito austero – Muito mesmo. Lorde Stark, que descanse em paz, era um homem decente. Seu irmão também era, mas não se parecia com Lorde Eddard, não senhor. O senhor parece mais homem do Norte. Duro como uma rocha.
- Faço o que posso para honrar a memória do senhor meu pai. – Jon respondeu lançando ao velho um sorriso discreto – Continue com o bom trabalho e nosso inverno será menos desconfortável.
- Sim, meu senhor. – o homem respondeu – Só podemos rezar para que ele não demore muito a passar.
As paredes estavam de pé e agora restava apenas o teto para ser reconstruído. Maior parte de Winterfell havia sido erguida do nada e em condições penosas, mas se havia algo do qual se orgulhava era do povo duro e resistente do Norte. Um povo acostumado ao trabalho e às dificuldades, ao ponto de nunca se acovardar, mesmo diante das piores condições possíveis.
Jon duvidava se algum lorde tivesse sentido tamanho orgulho de seu povo quanto ele sentia. Lorde Jon Stark, Senhor de Winterfell e Guardião do Norte. Por mais que tivesse sonhado com aquilo durante a infância, ainda era um título com o qual teria que se acostumar.
Às vezes ele ficava acordado por horas durante a noite, na cama que pertenceu ao senhor seu pai e a senhora sua esposa sem conseguir dormir. Um pensamento desconfortável de estar no leito que um dia pertenceu à mulher que o odiou até o fim. Agora aquele quarto pertencia a ele, assim como o resto do castelo e as terras do Norte. E um dia, seus filhos nasceriam naquela cama.
Não parecia certo de forma alguma, mas Robb o nomeou herdeiro e um Stark legítimo. Bran concordou que em situações de guerra, Jon era uma opção muito melhor do que um menino que não podia usar as pernas e outro que não podia ser controlado. Stannis havia oferecido a posição e anos mais tarde ela foi oferecida também pela Rainha Dragão.
Bran renunciou ao assento dos Reis do Norte e ao seu direito de herdeiro para se cercar do conhecimento dos Filhos da Floresta e aprimorar suas habilidades. Rickon era o herdeiro imediato de Jon, mas não tinha nem paciência, nem seriedade para encarar as obrigações que um dia teria que assumir. Já estava conformado com a ideia de que o castelo e as terras passariam para qualquer filho que Jon colocasse no mundo, de modo que ele preferia se concentrar na tarefa de se tornar um cavaleiro.
O frio estava aumentando e os primeiros flocos de neve dançavam ao redor dele, indicando que era hora de voltar para dentro das paredes quentes de Winterfell. Queria estar diante de uma lareira, com um cálice de vinho quente nas mãos e várias peles na cama quando a neve pesada começasse a cair.
Ele atiçou o cavalo fazendo o caminho de volta para o castelo. A paisagem era branca e estéril pela estrada. As montanhas cobertas de gelo faziam-no se lembrar da Muralha e dos dias em que ele perambulou pelo extremo Norte, junto com o exército de Mance Rayder. Tempos passados, de uma vida passada.
O castelo não estava muito longe quando a neve começou a aumentar. O cavalo protestava quando Jon avistou uma figura escura no meio da neve. Outro cavalo, a beira da morte e seu pequeno cavaleiro não estava nem um pouco melhor. Viajantes eram incomuns no inverno e ainda mais incomuns com um tempo daqueles. Seja lá quem fosse era um louco desesperado, pois só alguém assim insistiria numa viagem como aquela.
Jon atiçou o cavalo até alcançar o viajante quase desacordado. Quando estava a pouco menos de dois metros de distancia, ele desmontou e buscou as rédeas do animal moribundo, parando-o imediatamente. O cavaleiro estava escorregando de sua cela. Cansado, faminto e mais morto do que vivo.
Lorde Stark o amparou antes que pudesse cair e o desceu de cima da cela. Já não estava consciente quando Jon afastou o capuz para ver o rosto daquela pessoa e para sua surpresa era um rosto de mulher extremamente familiar.
Não só era uma mulher como sua barriga redonda estava dura contra a mão de Jon. Grávida e em um estágio avançado o bastante para tornar uma viagem pela neve uma loucura ainda maior. Ela tremia de frio entre os braços dele, murmurava palavras desconexas em sua inconsciência. Palavras que ele tentava compreender para saber alguma coisa sobre aquela mulher.
Neve...Winterfell...Agulha...Jon...
Ele arregalou os olhos ao notar a semelhança e o sentido que aquelas palavras faziam. Jon afastou a capa que aquela mulher usava e com o coração acelerado rezou em silêncio pedindo para que aquilo não fosse uma ilusão ou uma mentira.
Lá estava ela. Exatamente como ele se lembrava, como se ela tivesse saído da forja ainda ontem. Agulha ainda era esquelética e tinha sinais de uso prolongado, mas nada daquilo importava agora. Algo precisava ser feito e rápido.
Tudo o que importava era que Arya estava quase morta no meio da neve, na estrada para Winterfell e com uma barriga grande o bastante para precisar de um maester e parteiras em breve. Desacordada e quase congelando, com pouca comida e uma barriga tão grande. Ela precisava ser levada para o castelo o quanto antes e o tempo havia se tornado um inimigo.
Ele emparelhou os cavalos e os atou. Com muito custo conseguiu colocá-la de volta sobre um deles e seguiram a passos lentos até que os portões principais estivessem visíveis. Foi avistado de longe por uma sentinela e gritou para que os portões fossem abertos o quanto antes.
Os cavalos entraram no pátio principal e logo um cavalarisso veio atender ao lorde. Jon desmontou rapidamente, dando ordens para que alguém viesse ajudá-lo a retirar a mulher de cima da cela. Um dos soldados mais robustos se adiantou e levantou Arya nos braços sem grande esforço.
- Levem-na para dentro. Para os meus aposentos. Chamem o maester e tragam comida. – ele ordenou com voz de comandante. A mesma voz que teve de usar tantas vezes quando ainda vestia o negro.
Imediatamente ele foi obedecido e seguiu o caminho até o quarto, aonde a suposta Arya foi deitada sobre a cama e coberta com várias peles para mantê-la aquecida. A movimentação dentro do cômodo continuava. Mulheres ajudavam a retirar os sapatos e meias que ela usava. Os tornozelos estavam inchados e os pés machucados.
Samwel Tarly veio tão rápido quanto suas pernas curtas e barriga grande permitiam. O rosto vermelho de frio e suas correntes chacoalhando por todo caminho. Um desertor da Patrulha da Noite e um maester com uma esposa e um filho adotivos. Era impressionante quantos juramentos uma pessoa podia quebrar na vida.
Sam lançou um olhar confuso para a mulher sobre a cama. Não parecia ter mais de quinze anos, pelo tamanho talvez tivesse menos. A cor dela não o agradava. Mais alguns minutos na neve e ele teria perdido os dedos e só os deuses poderiam dizer o que mais. O maester colocou a mão sobre a testa dela, aos poucos a temperatura ia subindo. Se ela vivesse, em breve teria uma febre, ou qualquer doença de inverno.
- Eu não teria muitas esperanças, Jon. – Sam disse encarando o amigo e deixando a formalidade de lado – Muito magra, quase congelando no meio de toda essa neve e com uma criança na barriga pra piorar tudo. Gilly passou coisa parecida, mas ela estava mais forte na época e mais acostumada ao frio.
- Você tem que fazer alguma coisa, Sam. Qualquer coisa. – Jon disse travando a mandíbula.
- Farei o melhor que puder, mas... – Sam respirou fundo – É provável que eu não consiga salvar ambos.
- Salve ela então. – Jon respondeu – Não me importa a criança, mas salve ela! – já fazia tempo que Sam não ouvia aquele tom de voz. O tom de ordem, urgência e um toque de desespero.
- Quem é ela, Jon? – Sam perguntou por fim. Jon engoliu em seco e olhou para a espada esquelética deixada sobre um baú.
- É minha irmã. – ele disse como que profere uma prece, ou fala o nome de seu deus. Um pouco de temor e devoção – Arya Stark.
Sam arregalou os olhos e prendeu a respiração, sem saber o que dizer ou fazer. Ela tinha de ficar aquecida. Quando possível, deveria ser alimentada o quanto antes. O resto dependeria dela e de sua vontade de viver.
- Pensei que...- Sam temeu – Que estivesse morta. Você disse...Ninguém sabia onde ela estava. Pode ser uma impostora, Jon. Como da outra vez.
- Não é. – ele afirmou categórico – Não é uma impostora e eu não esperei todos estes anos para vê-la morrer na minha frente, então faça tudo o que puder.
- Eu farei, Jon. – Sam concordou.
Ele se sentou em uma cadeira colocada ao lado dela. Segurou sua mão gelada, extremamente frágil entre os dedos dele. Calejadas e quebradiças. Que os deuses não a tivessem levado até ele para que ele a sepultasse na cripta junto com o pai e os irmãos. Jon suportaria muita coisa, mas sepultar Arya seria de mais.
Nota da autora: Eu disse que a long vinha logo XD. Então, uma perspectiva nova pro casal. Jon é Lorde de Winterfell, a família Stark está totalmente reestruturada e a Arya aparece grávida de alguém (que vocês vão adivinhar quem é) só para enlouquecer o povo. Deu pra sentir que eu to numa vibe meio dramática neh? Espero que gostem e comentém.
Bjux
Bee
