Como se fosse a primeira vez
Resumo: Severus Snape sempre foi um homem teimoso. Assim, não é de se estranhar que negue o amor até que não seja mais possível fazê-lo. Abençoada seja a persistência grifinória!
Disclaimer: Todos os personagens de Harry Potter pertencem a J.K. Rowling e associados. Não posso, não quero e nem vou lucrar com eles.
Ela queria matar Rony Weasley. Uma, duas, tantas vezes quantas fosse possível.
Ela também queria se enfiar naquela neve e fingir que o mundo não existia. Fingir que não estava ocupando sua mente – logo em época tão próxima da guerra – com problemas adolescentes ridículos.
Entre essas duas coisas, contudo, Hermione não conseguia definir qual seria prioridade. Decidiu-se, por fim, não fazer nenhuma delas. Com um suspiro alto de exasperação para o vazio, chutou um pouco de neve a sua frente. Estava nos jardins do castelo e o frio que sentia lhe indicava que não estava suficientemente vestida. No afã de se livrar da visão de Rony abobalhado – sim, essa era exatamente a palavra – pela clara demonstração de interesse de Lilá Brown, esquecera-se de trazer luvas e cachecol consigo. Esquentava suas mãos dentro do próprio casaco, tirando-as vez ou outra, em um gesto nervoso, para esfregar o pescoço.
Olhando em volta para o ambiente deserto, encontrou uma pedra não totalmente coberta pela neve e entendeu-a adequada como assento. A visão do lago negro conjugada com o céu escuro dava-lhe a sensação de imensidão sem fim e isso estranhamente a confortava: era como se, diante do tamanho do mundo, seus problemas fossem realmente pequenos. Hermione queria, em verdade, sentir-se assim por completo.
Via-se como uma idiota, vez que se decepcionara com todos aqueles por quais nutrira sentimentos amorosos. Agora, aparentemente, era a vez de Rony.
O que mais a incomodava é que não sentia vontade de chorar, de gritar, de se vingar. Não naquele momento, ao menos. Sentia raiva, somente raiva, com uma pitada de frustração. Era como se não o quisesse perdoar por ter quebrado uma promessa séria, faltado com a palavra para com ela. Ainda que não fosse a pessoa mais experiente em relacionamentos, não era assim que costumava se sentir quando "sofria por amor".
Quando Vitor Krum se mostrara diferente do Príncipe Encantado que ela imaginara, tratando-a de maneira rude desnecessariamente ou mesmo deixando que a fama lhe subisse à cabeça, a decepção fora tão forte que, em alguns dias, tudo o que ela queria era se trancar no quarto e chorar. Fizera isso certa vez; nas outras, enfurnara-se na biblioteca, escondendo-se em pilhas cada vez maiores de livros, com três deles abertos à sua frente, numa tentativa teimosa e vã de encontrar uma solução racional para seu problema amoroso. Assim, acabou por aprender que problemas amorosos simplesmente não têm soluções racionais – e essa conclusão era uma das afirmações mais dolorosas de aceitar. Apenas esperar que ele fosse embora seria uma atitude covarde. E esquecer não daria certo; seus esforços em simplesmente parar de pensar no assunto sempre se revelaram um verdadeiro fracasso. Era conhecimento que ela havia herdado de experiência anterior.
Experiência essa que sua mente fora educada a não nomear, para que seu conformismo não estremecesse no fundo de seu coração e trouxesse à tona sentimentos que ela aceitara serem bobos, impossíveis, irreais. Amores platônicos eram uma piada, era o que ela achava. Eram a prova de que a pessoa não tinha total controle sobre si, o que Hermione odiava reconhecer. O que Platão – tão famoso filósofo trouxa (será?) – diria se soubesse que sua teoria é hoje lembrada pelo senso comum apenas para embasar devaneios tolos?
Ela franziu a testa para o nada.
Não pretendia que seus pensamentos caminhassem por aquele terreno. Com alivio, no entanto, notou que a vontade de matar Rony Weasley – ok, agora já abrandada para "bater bem forte em Rony Weasley" – ainda estava ali. Quando sua mente se voltou para as razões pelas quais estava com tanta raiva do ruivo, um farfalhar atrás de si a fez erguer-se de sopetão. Estreitou os olhos para a margem da Floresta Proibida, a varinha em riste, aguardando pelo que quer que fosse. Estava tarde e, graças aos privilégios de ser Monitora Chefe, não se sentia culpada de estar àquela hora fora da cama. No entanto, qualquer outro aluno não deveria ter esta mesma impressão de liberdade e ela estava pronta para assegurar isso com um sermão e uma ameaça de desconto de pontos, mas nada realmente aconteceu. Nenhum aluno, nenhuma criatura mágica. Aguardou alguns instantes antes de se sentar novamente.
Não demorou nem dois segundos para que o farfalhar se repetisse. Sem se mexer dessa vez, procurou aguçar sua audição e apreender um pouco mais sobre a ameaça antes de planejar algum tipo de abordagem: pelos sons, aquilo era definitivamente uma caminhada humana pela orla da floresta proibida. O barulho não vinha dos passos, vez que a neve fofa acolhia o peso do transeunte sem grande esforço, mas das folhas das árvores roçando em suas vestes. O movimento parecia irregular: vezes, o barulho durava mais segundos e os intervalos eram curtos; outras, o barulho se perdia em um silêncio sepulcral em que Hermione ouvia tão somente a própria respiração e seus batimentos cardíacos.
Apertou a varinha mais firme em sua mão, ainda sem se mexer, o rosto tenso. Aguardou mais um pouco. E mais um pouco. E mais um pouco. Os segundos passavam devagar e a figura desconhecida parecia se mover, ainda oculta pela Floresta, de maneira lenta, quase penosa. Ela aguentou, parada, por todo o tempo que pode. Quando o farfalhar parou e deu lugar a um silêncio pesado, sua inconsequência grifinória decidiu que deveria tomar alguma atitude.
Não que tenha feito exatamente muita coisa depois disso.
Um olhar na direção da figura e Hermione estava novamente paralisada. Uma avalanche dos mais diversos sentimentos a tinha deixado sem reação e, por alguns instantes, limitou-se a observar o homem todo vestido em negro que seguia na direção do castelo sem, aparentemente, notar que não estava sozinho. Perceber isso, aliás, foi o primeiro indício que disse a Hermione que ele não estava bem. Tomada pela preocupação, ela deu alguns passos à frente, evitando ao máximo chamar atenção, e percebeu que a caminhada dele era incerta, quase como se fizesse um esforço descomunal para fazer o movimento de colocar um pé na frente do outro.
Seu coração batia freneticamente e ela tinha sérias dúvidas se ele não poderia ouvi-lo. Não parecia tê-la percebido ainda, contudo. Aproveitando-se disso, Hermione avançou alguns passos, mantendo uma boa distância. De onde estava era possível notar que o corpo dele se curvava ligeiramente para frente e, enquanto o braço esquerdo estava ao lado do corpo, balançando conforme seus passos, o braço direito estava dobrado à frente, quase como se ele segurasse algo no próprio tronco.
Com muito esforço, refreou o impulso de correr em sua direção e oferecer ajuda – porque ele definitivamente parecia precisar de alguma. Mas não, péssima ideia, ele não aceitaria. Ele olharia para ela com desprezo. Se se dignasse a dar uma resposta, ralharia com ela pelo imaginável e pelo inimaginável e a faria se sentir o pior ser humano da face da Terra. Refreada por esses pensamentos nada agradáveis, sua passada diminuiu. A figura continuou avançando naquela cadência irregular, sofrível. Se estivesse mais perto, Hermione estava certa de que conseguiria ouvi-lo forçar a respiração. Ela sequer ousava imaginar os ferimentos que ele carregava naquele momento.
Quando ele alcançou as escadarias para a entrada principal, alguma coisa o fez parar. Instintivamente, ela interrompeu a própria caminhada, ficando há uns sete metros de distância. Segurou a respiração, não ousaria se mover um centímetro, mas acabou por não resistir. Quer dizer, não pôde impedir-se de arregalar os olhos quando a voz dele cortou o silêncio.
- Senhorita Granger, acredito que a ronda nos jardins não seja de competência da Monitora Chefe. Menos dez pontos para a Grifinória. – Ele não se virou. Sua voz estava perigosamente baixa, perceptível sua irritação em cada uma das sílabas. No entanto, não soara firme em momento algum e ela suspeitava que a pausa fora para recuperar o fôlego. – Volte para seu Salão Comunal antes que sejam cinquenta.
- Prof... Professor? – ela arriscou, movendo-se um pouco para frente, deixando-se levar pela preocupação que a variação no tom dele despertara. Não parou para pensar muito nos pontos. – O senhor está bem? Precisa de ajuda?
- Você tem dez segundos para entrar no castelo e desaparecer nele, Senhorita Granger.
Severus Snape pareceu considerar aquela uma resposta adequada à pergunta, porque retomou sua caminhada como se o assunto estivesse encerrado. Em dois passos, ultrapassara as portas de entrada no mesmo caminhar cadenciado. Ela poderia jurar que ele sentia falta do andar imponente e do consequente farfalhar de sua capa naquele momento – era sempre uma boa maneira de encerrar seu discurso opressivo.
Sem nada dizer, ela fez o mesmo caminho até o saguão de entrada. As portas gigantescas de carvalho fecharam-se magicamente assim que ela atravessou. Snape aparentemente estava decidido a ignorar sua presença, vez que seguiu o corredor para as masmorras sem sequer lançar-lhe um olhar, nem mesmo um de reprovação e repulsa e Hermione não se sentia com vontade de agradecer por isso, já que o estado dele era o claro motivo daquela atitude.
Não sabendo muito o que fazer, parou na frente da escadaria que deveria subir para chegar à Torre da Grifinória. O saguão de entrada ainda estava no cômodo a suas costas. Snape já havia desaparecido pelos corredores da direção contrária. Ela poderia voltar para sua Casa, ignorar todos os presentes no Salão Comunal e subir até o dormitório feminino. Lá, tomaria banho, colocaria seu pijama, escovaria os dentes e se jogaria no travesseiro. Então, provavelmente passaria a noite em claro pensando em como ele estaria.
Provavelmente? Não, com certeza.
Ela não poderia ficar sem fazer nada. Suspirando com a própria falta de bom senso, porque aquilo certamente poderia se enquadrar como uma tentativa de suicídio, deu meia volta e desceu o único degrau que havia subido. Cruzou o saguão de entrada com passos rápidos e barulhentos, tentando evitar – com o barulho – que dúvidas pipocassem em sua cabeça. O longo corredor para as partes inferiores das masmorras lhe trouxera muitos minutos para pensar. Manteve a testa franzida enquanto sua concentração trabalhava em bloquear seus questionamentos, que se resumiam a variações de "será que estou chegando tarde demais?" a "quantos pontos um aluno já perdeu em uma noite na história de Hogwarts?".
Apesar de seus esforços, ao alcançar a porta do escritório dele, Hermione teve de parar para respirar fundo e se convencer a continuar. Mesmo que soubesse estar fazendo o certo, suas mãos tremiam ao bater por três vezes na porta.
Para sua surpresa, ela abriu no segundo seguinte.
