Após um demorado suspiro, a loira forçou-se a abrir um sorriso simpático enquanto caminhava por entre os convidados, carregando a bandeja. Os cabelos dourados eram religiosamente escovados e então enfiados dentro da touca azul-marinho, a calça era preta social e a camiseta branca por baixo de um avental branco.
—O que você está achando da festa, Inozinha? — a pergunta fora feita pelo filho caçula de Mikoto, Sasuke.
Um porre, ela pensou, mas ao invés disso, suavizou sua expressão.
— Elegante. — o moreno, sorridente, pegou duas taças sendo uma para si e a outra para sua desagradável noiva de cabelos róseos.
A sala principal havia sido redecorada exclusivamente para aquela ocasião, e algumas das estátuas preferidas do Sr. Uchiha precisaram serem escondidas em um dos dezessete cômodos da mansão, 'por precaução' havia explicado a mulher do mesmo, que parecia amar mais as obras de artes do que os próprios filhos. De qualquer maneira, o amplo espaço da sala permitia que um longo tapete vermelho fosse colocado, assim como cerca de trinta mesas e cadeiras, além de um lugar improvisado para a apresentação de um cantor de ópera. Um gênero musical que sem a menor sombra de dúvidas, Ino repudiava. Se quisesse escutar gritos pela noite,bastava derramar vinho em um vestido Gucci da sua patroa.
Com esses pensamentos irônicos, ela viu-se afastando do pegajoso casal de noivos para ficar frente a frente com um dos sócios de Fugaku, que sempre que a via deliberadamente a engolia com os olhos. Manteve uma postura totalmente profissional, distante e polida, mesmo que seus instintos gritassem para que ela desferisse um soco contra o sujeito em questão. O piso daquela sala era revestido de mogno, contrastando com as paredes em tom de vermelho vivo, exceto por uma parede, que era pintada em um ardente preto carvão e possuía retratos dos membros da poderosa família. As longas escadas, de carvalho branco, não tinham menos que vinte e três degraus e corrimões também de carvalho.
—Você está linda como sempre, Ino. — decretou o homem de cabelos ruivos e olhos estranhamente lilases. Talvez se chamasse Nagato, ela não tinha certeza. Limitou-se a menear a cabeça em afirmação, sabia o que Mikoto diria caso ela se atrevesse a abrir a boca frente aos outros convidados.
Passou apressadamente por ele, lembrando a si mesma a não retornar para aquela parte, pediria para que Chouchou servisse aquele maluco.
—Ino! — a voz da matriarca soou próxima a si, ela parou de andar subitamente e então olhou na direção da morena, ao encontrá-la, não hesitou em dirigir-se a própria. Mikoto era uma mulher que estava acima de qualquer beleza convencional, no auge dos seus quarenta e tantos anos, a loira duvidava muito de que ela tivesse feito qualquer plástica em seu rosto; suas feições eram impecáveis,os olhos levemente acinzentados, rosto branco e aveludado como o de uma boneca. Os lábios não eram tão finos e nem tão carnudos... Ignorando esses devaneios, ela manteve-se próxima a mulher magra e esguia a sua frente. — Que uniforme é esse? — perguntou em tom comedido, olhando ansiosamente para os lados para ter certeza de que não estava falando com histeria.
É claro que ela já estava esperando por aquilo. Qualquer comentário agradável sobre si, vindo daquela mulher, seria realmente pedir demais. A Yamanaka não demonstrou nada exceto por uma curiosidade latente.
—Desculpe, senhora, não entendi.
—Não era para você estar usando esse uniforme hoje! — praticamente rosnou a mais velha, pegando-a pelo braço. — Esse uniforme é diário, pelos céus, meus convidados praticamente vem aqui diariamente. Vão achar que eu sou megera ao ponto de não personalizar a minha criadagem.
A loira escutou, com o máximo de atenção que conseguiu fingir.
— A senhora quer que eu troque o uniforme?
—Você por acaso é uma das anfitriãs da festa? Trocar de uniforme assim, do meio do nada? — cuspiu venenosamente, os olhos cinzas escurecendo gradualmente. — Na próxima vez, venha até mim. Não coloque simplesmente a primeira coisa que encontrar no seu armário, está bem? Agora quero que você vá até a cozinha e fique por lá.
—Sim, senhora. — mentalmente ela acrescentava que, na verdade, a socialite maluca a estava fazendo um grande favor. A loira então, apressou os passos até a cozinha da luxuosa casa.
Assim como os demais cômodos, a cozinha também resplandecia em pura ostentação e na mais alta tecnologia. Os fogões, felizmente elétricos constituíam uma aparência inovadora, as geladeiras eram imponentes, e o piso, era de pinho de Riga. O que contrastava com a tecnologia, criando um ambiente clássico e ao mesmo tempo moderno. O vai-e-vem dentro da cozinha era constante. Os garçons contratados por uma empresa terceirizada auxiliavam os demais criados.
Ela escorou-se na bancada da cozinha, pegando um copo descartável e abrindo a torneira, em seguida fechou a mesma e bebeu, mesmo que contrariada, afinal a água estava quentíssima. Respirou fundo por um segundo, limpando pequenas gotas de suor que escorriam de sua testa.
—Ino! — a loira fechou os olhos, depois de jogar o copo plástico na cestinha de lixo mais próxima a si. Então, lentamente virou-se para ver quem acabava de adentrar a cozinha. — Eu procurei em você em todos os lugares.
—Por que faria uma coisa dessas, Kankuro? — questionou com a sobrancelha arqueada.
Com um sorriso grotesco, o homem de cabelos cor de areia aproximou-se a passos rápidos.
—Essa festa está um verdadeiro tédio. — a cada passo que ele dava em sua direção, a loira recuava outros, até que por fim, bateu com as costas em uma das geladeiras ultra-sabe-se-lá-o-que de Mikoto. — O que acha de eu e você darmos uma escapadinha daqui, hein? — perguntou, devorando-a com os olhos.
A loira inspirou e respirou fundo, sentindo as pernas bambearem. Uma das desvantagens de ser apenas uma doméstica eram situações como aquela. Sabia que se gritasse por ajuda e estragasse o precioso jantar de honras do Sr. Fugaku, além de ser demitida por justa causa, compraria briga com aquele demente do Sabaku. Então, ao invés disso, era simplesmente mais fácil paralisar de medo e não mexer um músculo.
Ela fechou os olhos, encolhendo-se, temerosa do que aconteceria a seguir. Entretanto, para sua surpresa, o homem não a tocara – mas isso porque ele não teve chance de fazê-lo.
—Mas que porra está acontecendo aqui? — rugiu o primogênito de Fugaku, Itachi, arrastando o outro pelo pescoço, jogando-o há metros de distância. — Eu não vou falar novamente, Kankuro, se eu voltar a vê-lo na cozinha ou perturbando a Yamanaka de qualquer maneira, você irá pagar caro, estamos entendidos? Agora saia daqui, antes que eu chame os seguranças.
—Você não pode estar falando sério! — Ino paralisou, vendo o seu algoz levantar-se do chão, completamente tomado pela indignação. — Ela é só uma empregadinha, Uchiha.
—Não me importa. Debaixo do meu teto, você não voltará a tocar nessa ou em qualquer outra mulher. Vá embora. — ordenou, em tom baixo e controlado, apontando um dedo na cara do sujeito.
Kankuro sorriu com escárnio, enquanto limpava seu paletó com alguns tapinhas.
—Isso ainda não acabou. — avisou, agora voltando sua atenção exclusivamente para a loira, que continuava a estremecer.
Ela passou a mão pela testa, que estava encharcada de suor, antes de voltar sua atenção para o moreno. Mortalmente constrangida pela cena presenciada e principalmente pelo fato de ter sido ele o seu 'herói' – entre aspas, é claro, ele passava bem longe de ser uma pessoa agradável em dias comuns. – a loira obrigou-se a fazer uma mesura educada.
—Agradeço-o, senhor Uchiha, mas não precisava se incomodar.
O moreno franziu o cenho.
—Isso é assédio sexual, garota. Você ganharia um bom dinheiro processando-o. — a sugeriu, mas ela nada disse. Ele não insistiria mais no assunto,então. — De qualquer maneira, não há de que. Pode se retirar, seus serviços não mais serão necessários por hoje.
Ela balançou a cabeça, assentindo com seriedade, enquanto dava as costas para ele, ainda tremula e pálida feito o papel, obrigou suas pernas a deslocarem-se até a saída da cozinha, que dava para os fundos da mansão.
Assim que sentiu a brisa fria da noite sobre si, Ino retirou a touca completamente revoltada, andando a passos rápidos em direção ao ponto de ônibus mais próximo, dentro do avental havia algumas moedas que ela sempre jogara ali por precaução, caso precisasse deixar a mansão, exatamente como acontecia naquele momento. Os olhos azuis encheram-se de água, mas de embaraço. Conhecendo a índole daquele psicopata, tinha certeza: a última coisa que Kankuro faria, seria deixar aquela história de lado. Sentou-se em um dos bancos sujos disponíveis, e permitiu-se soltar um grunhido de raiva.
Ergueu a cabeça, a tempo de ver o seu ônibus aproximar-se, levantou-se depressa e então dera o sinal.
Chegou ao apartamento de Shino por volta de meia noite e quarenta, graças ao transito da cidade. Com uma expressão abatida, a loira esfregou o rosto diversas vezes para disfarçar as lágrimas de raiva que descia de seus olhos.
—Ei, você não deveria estar na mansão da família Addams? — inquiriu curiosamente.
—Ah, não quero falar daqueles perturbados. — ela bufou e, contrariando as próprias palavras, pusera-se a dizer. — Itachi me dispensou, então não vi razões para permanecer lá. — explicou categoricamente. — E não se preocupe, eu só vou dormir aqui por uns dois dias, depois eu volto para lá.
—Sabe perfeitamente que esse não é o problema. Mas daqui até aquela casa mórbida é mais de três horas de viagem, Ino. A bruxa má vai descontar do seu salário dois dias seguidos. — argumentou, preocupado, sentando-se ao lado dela no sofá e a abraçando de lado. — Aconteceu alguma coisa?
—Nada com que você deva se preocupar. — garantiu, aconchegando-se nos braços dele e o beijando carinhosamente na bochecha.
04h34min, o despertador soou alto pelo ambiente, com apenas um tapa ela o desligou. Havia acordado quinze minutos antes de o pequeno aparelho começar a tocar, o que era um ótimo sinal. Se tivesse sorte, conseguiria voltar para a mansão a tempo de tomar um banho e trocar o uniforme. Mikoto provavelmente surtaria se a visse daquele estado. Depois de improvisar um coque, ela colocou a touca e então despediu-se do amigo, que ainda dormia.
Pontualmente as sete e quarenta e cinco, estava novamente na residência isolada dos morenos. Infelizmente o lugar onde ela havia crescido e que possivelmente morreria trabalhando já que, órfã aos sete anos de idade, fora 'adquirida' pela mulher que viria a ser além de sua madrasta má, sua patroa. Suspirou com melancolia, odiava choramingar pelos cantos, mas sentia falta de seu pai e odiava aquelas pessoas como o diabo deveria odiar a bíblia. Entretanto, por questões financeiras e principalmente pela estabilidade que conseguira trabalhando ali, não via alternativa exceto permanecer trabalhando até conseguir juntar uma boa quantia para finalmente deixar o lugar. Os anjos, naquela manhã pareciam conspirar ao seu favor já que ela não tivera o desprazer de encontrar com a sra. Uchiha, que continuava a dormir serenamente e o pai e o filho mais velho já haviam saído para trabalhar, na casa restavam somente a mulher de Itachi, Izumi, e o casalzinho pegajoso de quem ela tentava a todo custo fugir. Em primeiro porque Sasuke por mais agradável que fosse na maior parte do tempo, adorava criar pegadinhas para constrangê-la e, em segundo porque ela realmente não suportava Sakura.
—O que aconteceu com você ontem, loira? Você sumiu e nem nos avisou. — reclamou Chouchou, que a encarava fixamente.
—Sinto muito por isso, meninas. — ela fez um beicinho para as amigas, Karui limpava as janelas á direita, enquanto Chouchou ficava com as da esquerda e Ino limpava as escadas. — Houve um contratempo e o mandou-me para casa, mas prometo que isso não irá se repetir.
—Ah, Ino, ficamos sabendo sobre o ocorrido. — a angolana confessou, baixando o tom de voz. — Kankuro saiu daqui cuspindo fogo. — comentou. — Ele não falou na frente do patrão, mas eu escutei ele te xingar de coisas horríveis. Deduzi que ele voltou a agarrá-la.
—Já estou acostumada com as graçinhas daquele idiota. — ela abaixou-se, molhando o pano dentro do balde cheio d'água. — Mas dessa vez ele passou dos limites. — meneou a cabeça. — Deixemos isso para depois.
—Sim, sim. — Chouchou retornou para as janelas. Ino a observou, com um sorriso divertido. Outra vantagem que aquele trabalho a proporcionara fora conhecer suas amigas estrangeiras, que tornavam seus dias melhores. O senso 'investigativo' de Chouchou era um show á parte, uma das suas melhores qualidades, embora Karui repreendesse a irmã caçula com veemência dizendo que aquele era um passatempo perigoso.
O dia prosseguiu normalmente, sem muitos acontecimentos escandalosos. E ao meio dia, a loira já se via do lado externo da casa, servindo bebidas para Sasuke e Sakura, que estavam aproveitando a piscina. Fazia um lindo sol, com direito a poucas nuvens e a um calor sufocante, ainda assim, a Yamanaka fazia questão do uso da calça, para evitar reprimendas.
Com dificuldade, a Yamanaka manteve-se de pé, mediante os dois idiotas, com a bandeja em mãos e fazendo cara de paisagem.
—Sabe Ino — começou a rosada, em voz alta, saindo da piscina pela escadinha como uma perfeita sereia. A estudante de medicina sentou-se em uma das cadeiras desocupadas, enquanto a outra , Izumi, aproximava-se vestindo nada além de um maiô preto e um quimono ocidental. — Você tem o corpo muito desenvolvido para alguém da sua idade. — ela apenas esperou pela alfinetada, que certamente viria. — Deveria aproveitar que é jovem e fazer programas, quero dizer, não acho que você ganharia mais do que deve ganhar aqui, mas...Nunca se sabe, não é mesmo? — ela sorriu de maneira arisca.
Farta das provocações e constantes humilhações por parte da outra, além de ter tido uma noite frustrante, a loira respirou fundo e com o tom mais cínico possível, replicou.
—Fico lisonjeada, mas não quero roubar os seus clientes. — Sasuke tombou a cabeça para frente, implodindo em gargalhadas histéricas. Sorrindo venenosamente, Ino fizera uma mesura totalmente debochada. — Com licença, senhorita. — e girou os calcanhares, indo em direção a cozinha.
Sakura, estupefata pelo fato de seu noivo rir com tanto prazer, e principalmente pela resposta malcriada, levantou-se aos tropeços e sem pensar duas vezes, jogara o suco nas costas da loira, que paralisou brevemente e fechou os olhos, engolindo alguns palavrões, muito educadamente, ela virou-se uma última vez para encarar a rosada.
— Eu deveria pedir á minha sogra para que a demita, criatura insolente. Entretanto, como eu sou uma pessoa extremamente generosa, irei relevar esse seu comentário inoportuno, se me pedir desculpas.
Nem fudendo.
Ao invés, Ino respirou fundo.
— Desculpe por dizer que eu roubaria os seus clientes, Sasuke não faz meu tipo, de qualquer maneira. — e então correu apressadamente para a cozinha, não dando tempo da outra fazer nada contra si.
