Se falassem com Ranmaru há alguns anos, que ele estaria em uma festa no Tenjin-ya – a pousada concorrente – no casamento de Odanna, seu arquirrival. Ele provavelmente iria rir, e até mesmo xingaria a pessoa ou faria algum comentário arrogante. Entretanto, lá estava ele, testemunhara a cerimônia de casamento de Odanna - agora mais para um parceiro de negócios do que inimigo - com Aoi, sua noiva humana que sem exageros foi uma das pessoas mais importantes na sua vida nas últimas décadas.
Aoi - essa menininha aparentemente frágil, foi a chave para que Ranmaru e seu irmão Ginji conseguissem salvar sua amada terra natal do desastre, e consequentemente, o ajudou a tirar um peso enorme dos ombros, algo que ele carregou junto ao pesar de se afastar de sua mãe adotiva, por um século. Ranmaru tinha de confessar que se sentia feliz com a alegria da moça, majestosa em seu quimono de casamento branco e vermelho, radiante ao lado de seu agora esposo, nos festejos pós-cerimônia.
Depois de retornarem de Orio-ya, Tenjin sofreu um golpe do Raiju, seu mestre foi preso, mas Aoi não desanimou, dando sempre seu melhor. Ela moveu céus e terras para libertar seu noivo, o próprio Ranmaru fez parte da expedição para as terras do Norte para ajudá-la na ausência de Odanna – àquela altura não havia dúvidas, não importava quando, a única certeza é que iriam se casar. Vê-los tão felizes era de aquecer o coração, pensava Ranmaru ao ver os dois se beijarem num momento em que pensavam que ninguém os estava olhando.
Quando a cerimônia terminou sendo extremamente bem-sucedida, o alívio que encheu seu coração lhe ajudou a acreditar em dias melhores, em uma vida melhor. Até então o ayakashi protetor das terras do Sul havia crescido focando apenas em uma coisa: realizar uma cerimônia de sucesso para prestar as devidas homenagens à única mãe que conheceu: Princesa Iso, assim sua morte não seria em vão. Mas, Ranmaru não pensou em um "depois".
Quando tudo deu certo com Umi-bouzu, ele sentiu-se abrir mais para vida, e observava que em seu hotel, que o clima também mudara, como se toda tensão de um século se desfizesse como nuvens sob a luz do sol radiante. Agora, romances floresciam em toda parte: Hideyoshi e Nene se casaram logo após o evento. Tokihiko havia pedido Shizuna em casamento. Depois de anos e anos de amor platônico, decidiu se declarar, e para sua felicidade, era correspondido! O amor crescia por toda parte ao seu redor, e ele pensava, às vezes, se também não deveria casar-se com uma boa mulher e formar uma família, agora que suas responsabilidades se tornaram mais leves. Entretanto, tantos anos solitário fez com que ele perdesse o traquejo e o tom de se envolver em romances.
Seu fluxo de pensamento foi interrompido quando o som suave do shamisen começou a entoar uma linda canção. Ele olhou para o palco principal, e entre a chuva de pétalas das cerejeiras floridas do Tenjin, avistou uma gueixa, totalmente paramentada no estilo tradicional - em um quimono rosa claro estampado com ramos de cerejeiras de um rosa um tom mais escuro, e cabelos ruivos como os dele, presos em um penteado bem elaborado. Ela dançava suavemente, com total segurança e delicadeza: era a personificação do feminino, se ele fosse defini-la. A gueixa prestava uma linda homenagem aos noivos, devia ser muito próxima deles. A beleza da cena era tão inebriante que ele parou um tempo admirando, como se estivesse hipnotizado.
Estava em um transe não profundo, segurando o copo com sake, sem levá-lo à boca, que não reparou a aproximação de Hatori, assustando-se com sua fala:
- Está admirando a irmã do Akatsuki?
Ranmaru respondeu rispidamente:
- Hã, do que você está falando? Está delirando, Tengu?
- Suzuran, a dançarina para qual você olhava de boca aberta é uma das gueixas mais famosas da capital... Como você, um Hachiyo que vive indo até Youto, nunca a conheceu?
Ranmaru apenas ralhou algo como "Não tenho tempo para esse tipo de coisas" e deixou o Tengu falando sozinho. Realmente, sua cabeça sempre estava cheia de preocupações, nunca lhe permitiu viver momentos de lazer, nem em seu hotel, nem nas expedições ou reuniões que tinha de fazer à capital. Mas tinha de admitir, ela era uma mulher bonita, mas a beleza feminina não fazia parte de seu rol de interesses no passado recente.
A apresentação terminou e todos aplaudiam. Anunciaram então que haveria um brinde aos noivos, e distraído, Ranmaru seguiu até o garçom mais próximo para pegar sua taça de champanhe. Sem querer, sua mão chocou com outra que tentava pegar a mesma taça. Sobressaltou-se um pouco, ao ver que a pessoa que disputava consigo a bebida era a bela gueixa que há pouco dançava no palco.
Sem nada a dizer, olhou para ela, sério como de costume, e fez uma menção com a cabeça para que pegasse a taça. Ela sorriu. Um sorriso inocente que a deixava ainda mais bela, então agradeceu, pegando a taça. De uma maneira muito singela, falou com uma voz doce e melodiosa estendendo-lhe a mão:
- Muito prazer, me chamo Suzuran. E o senhor?
Ranmaru foi desarmado por aquele ar tão aberto e amigável, mas sua inexperiência com conversas triviais o desconcertou de tal forma que respondeu um pouco mais carrancudo do que gostaria:
- Meu nome é Ranmaru. Sou o Hachiyo do sul, mestre de Orio-ya.
Ele recriminou-se pela resposta pomposa, até mesmo arrogante, mas a mulher parecia admirada e mantinha um sorriso inocente no rosto. Ele nem percebera que involuntariamente havia pegado a mão que ela estendeu, e ainda não soltara. Ela não fez menção de soltar enquanto respondia:
- Ah, sim, o irmão de Ginji-san. Aoi sempre falou muito bem de você...
Ele soltou a mão da moça de maneira mais abrupta do que gostaria, e recriminou-se mentalmente por isso. Ela não pareceu irritar-se, pelo menos não transpareceu em sua expressão tão serena. Algo nela era muito familiar, ele não sabia dizer... Ao mesmo tempo em que ela o envolvia numa aura serena, ela também o agitava. Seu coração estava mais rápido do que de costume, não conseguia pensar em algo a dizer que não parecesse inadequado ou ridículo.
Acabou comentando que Aoi não tinha motivos para falar tão bem dele, e que achava esse comentário um tanto estranho. A mulher não conseguiu segurar-se e deu uma risadinha - que apesar de constrangê-lo, precisava admitir que era extremamente fofa.
- Perdoe-me senhorita, mas o que você acha tão engraçado?
- Mil perdões! Não estou rindo do senhor, mas é que seu jeito de falar lembra-me muito de alguém muito próximo: meu irmão!
Ranmaru respondeu em um impulso:
- Não me compare àquela aranha rabugenta!
A risada de Suzuran agora era mais espontânea e divertida:
- Isto é exatamente o que ele diria!
Perante tanta espontaneidade e leveza, Ranmaru não resistiu, relaxou seu rosto em um sorriso, olhando-a profundamente nos olhos:
- É um prazer conhecê-la, Suzuran!
Tamanha doçura e beleza acabaram por desarmar a fachada dura do Deus Cão. Realmente, depois de tanta solidão, tensão e excesso de cobrança, aquela presença tão suave fazia bem ao seu coração. A mulher pediu licença para aproximar-se dos noivos e abraçá-los. Deixando para trás um ayakashi muito bem impressionado… Ranmaru ainda sentia o perfume de flor de cerejeira que Suzuran desprendia, acompanhou-a com os olhos, sorrindo levemente daquela inocência e espontaneidade… Talvez fosse interessante conhecê-la melhor.
