Disclaimer: Não, não sou a Rowling. Tudo pertence a ela, claro, incluindo alguns euros.

Sumário: É tudo pressão da sociedade, sinceramente, exigir que as pessoas tenham um par para o baile. Mas se eu quero me divertir por uma noite, não há ninguém melhor que Tiago Potter para fazer isso.

Avisos: Não leia se você odiar muita tensão sexual não resolvida, uma Lily bêbada e um Tiago muito nobre e mais tensão sexual (não resolvida).

Esclarecimento 1: Continuação de February 14th; não, não é necessário ler aquela primeiro, mas eu recomendaria, porque é no mesmo estilo e no mesmo universo. Então, P.O's alterados. Primeiro Lily, depois Tiago.

Esclarecimento 2: Aqui só tem a primeira parte da fic, a segunda deve sair em duas semanas, mais ou menos, assim que eu terminar de escrever – era para ser uma fic só, mas... bom, eu não podia parar antes. Ah, reviews, por alguma razão, fazem eu escrever mais rápido. Quer testar? xD


March 21st

Minha mãe costumava dizer que o primeiro pensamento que você tem, logo depois de acordar, lhe dirá como será seu dia. Era engraçado, porque eu fazia o máximo para pensar algo bem positivo assim que acordasse – eu ia me deitar dizendo a mim mesmo que meu primeiro pensamento seria "Como é bom acordar!" ou "Que dia lindo está fazendo lá fora!", mas era muito raro isso acontecer. Não dava para pensar algo bom, não depois que você acordava daquele sonho horrível ou quando se lembrava de que tinha uma festa para ir.

E, essa festa, aparentemente, é o meu problema – e é o que me faz acordar murmurando um palavrão bem feio. Aliás, o termo correto nem é festa. McGonagall deu ordens bem claras para que chamemos esse evento de "Baile de Primavera".

Primeiro, eu nem gosto tanto da primavera. O inverno é muito mais legal, com a neve caindo e os lagos congelados, quando dá para patinar.

Segundo, a diferença entre "festa" e "baile" não significa muito para mim. Ainda tem tudo a ver com vestidos longos, danças formais e ter um par.

Um par. Como em um encontro. Como um casal.

É tudo pressão da sociedade, sinceramente. Para fazer você se sentir como se precisasse ter alguém – porque, afinal, como Marlene não pára de me lembrar, é chato chegar a uma festa – baile – sozinha. Ela explicou que as pessoas iriam ficar te olhando e sentiriam pena de você – e eu repliquei que não ligo para a opinião de ninguém. Então Marlene me sorriu e disse que, nesse caso, ficaria horrível para a Monitora-Chefe ir ao Baile da Primavera sem um par – e me abandonou depois disso, rindo.

Talvez, não fosse essa estranha perspectiva de ter que arranjar alguém, eu poderia até estar animada com o baile. Passei os últimos quinze dias vendo cada um dos mínimos detalhes – incluindo a encomenda de lírios, os meus favoritos, que vão ser maioria entre as flores. Enfeiticei cada um dos arranjos e preparei o cardápio para os elfos-domésticos.

Acho que eu teria obrigação de estar alegre – porque essas duas semanas foram divertidas, mesmo contando os quatro dias em que fui dormir depois das duas da manhã. Fomos, na verdade. Tiago vem sendo bem agradável e paciente comigo.

Tiago. Potter. De todas as pessoas no mundo, ele se ofereceu para me ajudar com os preparativos para o baile – e eu tenho quase certeza de que isso não teve nada a ver com o olhar estreito da Prof. McGonagall. Potter não teria nenhum motivo particular, afinal – ele não poderia prever, por exemplo, que ter se voluntariado significaria passar mais de 10 horas do dia ao meu lado.

E ele é tão engraçado – porque as coisas são meio difíceis de manterem sérias quando Tiago Potter (e o resto do seu grupo, que aparece para ajudar, de vez em quando) está envolvido.

Quase me faz desejar que ele não fosse assim, porque aí seria impossível gostar dele – aí ele seria uma pessoa normal e sem graça, e eu não iria sorrir tanto quando ele está por perto. Nem, provavelmente, iria achar o perfume dele tão bom, nem o seu sorriso tão contagiante, nem os seus olhos tão encantadores, nem os seus lábios tão sedutores...

Bem, o que importa é que eu andei pensando bastante desde que Marlene me lembrou sobre a importância – para a sociedade – de um par para os bailes. É só uma ocasião para se divertir por uma noite, o que seria bom, e Alice me lembrou de que ter uma pessoa atada a você por uma noite pode ser bem mais legal do que soa a primeira vista. Evita danças não desejadas e garante que você não vai precisar se erguer toda vez que querer um ponche.

Eu tenho certeza de que Cinderela não pensou nisso quando a Fada Madrinha apareceu e ela foi ao baile. Por outro lado, o baile era para o príncipe encontrar alguém para se casar. Mas, como a Cinderela tinha uma vida muito triste, com aquelas irmãs chatas e com a Madrasta malvada, talvez ela só tenha realmente querido se divertir ao menos uma vez.

Pensei muito sobre a Cinderela – eu não tenho uma madrasta ruim, e a minha irmã pode ser insuportável às vezes, mas nunca como a irmãs postiças da história – e constatei que ela está certa sobre se soltar por uma noite.

E, então, eu percebi que, se quisesse realmente diversão, só havia realmente uma única pessoa que eu gostaria que estivesse ao meu lado durante todo o baile – e isso não teria nada a ver com o seu sorriso ou o seu perfume ou os seus lábios perfeitos.

Ainda assim, mesmo após determinantemente ter recusado três convites para o baile, eu ainda acho que é uma loucura chamar Tiago Potter para ir ao baile comigo.


Estar acordado desde as cinco e meia da manhã nunca foi o meu forte – o meu humor pode variar muito nesses dias, mas, ao menos hoje, eu não me importo. E, agora, ao olhar o Salão Principal, quase todo decorado, me sinto satisfeito.

McGonagall também parece satisfeita. Recebo um olhar dela, cheio de orgulho, lá da mesa dos professores. Acho que ela está contente por ter me nomeado Monitor-Chefe – mas o meu olhar continua vagando em direção a porta, esperando.

Não importa quantos pontos Minerva McGonagall possa me dar, nem quantos elogios eu posso receber das pessoas que passam, admirando o meu trabalho. O único reconhecimento que eu quero tem que vir dela.

Desvio meu olhar para o relógio agora. Oito e trinta e três. Lily está atrasada – para um sábado de Hogsmeade, ela já deveria estar no Salão Principal há sete minutos.

Não que eu tenha, de forma alguma, decorado o horário dela. E eu não deveria estar me importando tanto com a opinião de Lily Evans, mas ela me pareceu tão interessada em fazer um baile perfeito, que eu tenho certeza de que qualquer coisa que eu faça vai ser só para deixá-la mais feliz.

E isso inclui acordar às cinco e meia da manhã para colocar cada um dos arranjos de flores no lugar certo e para enfeitiçar cada janela – de modo que cada uma é um jardim diferente. Eu espero que Lily fique realmente satisfeita, porque eu acho que fiz um grande trabalho.

- Você fez - ouço, e num instante, já me viro, tentando ignorar o fato de ter pensado em voz alta. Lily está me sorrindo, e os olhos dela brilham de admiração. Por alguma razão, Minerva McGonagall tinha essa mesma expressão, mas é a de Lily que faz eu me sentir nas nuvens. – Mas não vá ficar muito metido – acrescenta, seu sorriso ficando cada vez maior.

- É meio difícil, mas eu vou tentar – lhe respondo, também brincando, e me sento ao lado dela.

Sirius me lança um olhar muito estranho, e seu sorriso é claramente malicioso. Escolho ignorá-lo e me viro para Lily, ao invés.

Os olhos verdes dela refletem as rosas e os lírios e sua face está iluminada pelo seu sorriso.

Não pela primeira vez na vida, me dou conta de que Lily Evans é a mulher mais linda que eu já vi.

- Eu não sei por que você fez isso – ela diz, se virando para mim lentamente -, mas obrigada. Ficou perfeito.

E então Lily está me sorrindo de uma forma muito diferente e o tempo pára. Não há mais nenhum som de conversa a minha volta e não há mais ninguém em volta. Eu e Lily estamos sozinhos no mundo, e os olhos dela brilham tanto, e eu posso jurar que o espaço entre nós está, de alguma forma, diminuindo...

Mas eu pisco, e ela pisca ao mesmo tempo, e o momento acaba. A conversa e as pessoas voltam subitamente, e quando me viro, encontro o olhar de Sirius, agora mais perturbador que nunca. Ele parece estar se divertindo comigo.

O meu caro amigo pode ser bem cruel às vezes – mas agora ele olha para Lily, e parece também achar graça nela. Curioso, torno a fitá-la, e descubro que Lily está parada olhando para a própria taça de suco, mordendo os lábios nervosamente. Ela fica estranhamente frágil desse jeito.

- Lily? – chamo, erguendo as sobrancelhas, tentando tira-la daquele estado. Lily parece ser forte demais para ficar assim. Ela se vira pela segunda vez.

Seus olhos estão fixos sobre minha face enquanto ela respira fundo.

- Eu estava pensando se... – e então pára, e volta a morder os lábios.

- Se...? – pergunto, curioso. Lily se mexe, tomando seu suco à guisa de me responder.

- Eu não estou mais com fome – declara, de repente, e se levanta.

Me dou conta de que Lily Evans está realmente estranha hoje – mas ela parece normal, por alguns segundos, ao me lançar um pequeno sorriso.

- Ficou realmente bonito – ela diz, e aponta para a janela mais próxima. – Os lírios brancos são os meus favoritos.

E, caminha para fora do Salão Principal, sem dizer mais nada. Perto da porta, vejo Alice e Marlene correndo para se juntar a ela, mas Lily meneia a cabeça e diz qualquer coisa que não posso ouvir.

A mente feminina não tem muita razão – e é só quando Sirius acena com a cabeça, concordando, é que percebo que disse isso em voz alta. Reviro os olhos, meio irritado, e encaro à toa a Mesa Principal. O Professor Dumbledore lê o jornal, cantarolando, mas a Prof. McGonagall me olha, indagadora. Quando meneio a cabeça, negando, ela apenas desvia o olhar, não parecendo muito surpresa.

Minerva McGonagall não acredita realmente que eu vá com Lily Evans ao "baile".


Alice e Marlene podem ser incrivelmente irritantes às vezes. Sem maldade, porque eu realmente as adoro desde o primeiro instante em que a gente se conheceu.

Mas essa mania das duas de bancar o cupido entre mim e Tiago Potter é realmente chata – e o olhar que ambas estão me lançando agora é mais chato ainda.

- Você tem certeza? Ele não poderia ter feito isso sem que você tivesse percebido... – Alice sugere, parecendo não agüentar mais a própria impaciência. Reviro os olhos.

Sim, Alice. Eu tenho mais certeza do que você poderia imaginar.

- Eu já disse. Potter não me convidou para o baile!

Alice suspira e me olha de outra forma agora. Por um instante, imagino que ela está sentindo pena de mim por ele não ter me convidado até agora.

Meu estômago revira desconfortavelmente e há alguma coisa, muito estranha, entalada na minha garganta – tento ignorar isso e me viro para Marlene.

Não quero pensar por que Tiago ainda não me convidou para o baile. Eu quero dizer, eu vou convidá-lo, mesmo, então não faz diferença. Mas, se ele não fez o pedido até agora, talvez ele não tenha nenhum interesse, então, e eu só irei fazer papel de tola o convidando, como se eu fosse uma garotinha ingênua, apaixonada por ele ou algo assim.

Eu não estou, claro. Mas Tiago Potter não me convidou – e, de todas as pessoas no mundo, era para se deduzir que ele já teria me convidado. Ele costumava gostar de mim. Entretanto... Nada. E isso incomoda. Irrita.

- Você deveria convidá-lo, então – Marlene está dizendo, e me forço a prestar atenção. Meu estômago continua ruim. Talvez eu devesse ter comido algo.

Sorrio para Marlene, com mais calma do que realmente sinto.

- É, eu pensei e acho que vou fazer justamente isso – digo, vagamente, e Alice pára no meio do seu movimento de subir um degrau. Marlene, mais a frente, se vira para mim.

Os olhos delas estão com a mesma expressão de choque e sinto uma vontade enorme de rir. Ainda assim, mantenho a minha face mais neutra e continuo a subir as escadas. Isso tem o efeito de despertá-las, e elas começam a falar sem parar.

- Mas como você não disse nada antes?

- Você está falando sério?

- Vai mesmo convidá-lo?

- Eu quero dizer, você está obviamente a fim, mas ele sempre foi o Tiago Potter e eu pensei que não fosse admitir assim tão...

- De repente – Marlene completa para Alice, e as duas agora aceleram o passo e então bloqueiam o meu caminho. Os braços delas estão cruzados, a espera de uma resposta. No rosto, a mesma expressão de firmeza.

- O que foi? – pergunto, me divertindo mais a cada momento. Ambas erguem as sobrancelhas, e solto uma risada. – Ok. Eu estava pensando que eu não tenho um par e que parece que eu devo ter um, então pensei que Potter poderia acabar tornando a noite divertida. Ele pode ser legal às vezes - comento, e agora minha voz vai abaixando, porque eu estou mais a falar sozinha do que com elas. – Eu não estou apaixonada por ele.

Nem poderia. Mesmo.

As duas me lançam um olhar de descrença, mas se movem para me dar passagem. Apenas sorrio, ignorando os cochichos conspiradores das duas atrás de mim.

- O que você vai fazer hoje? – Marlene me pergunta, finalmente, quando paramos em frente ao quadro da Mulher Gorda.

- Antes eu iria ficar arrumando a decoração do Salão Principal, mas agora acho que vou pegar um livro para ler...

Ambas meneiam a cabeça.

- Não. Você vai para Hogsmeade com a gente – a voz fina de Alice parece mais animada do que nunca. – E vamos fazer algumas compras, para variar.

- Por quê? – e meu olhar é confuso. Não consigo entender a alegria delas.

- Você pode dizer que não está apaixonada, pode não achar graça em bailes, pode estar realmente sendo só amiga dele por querer convidá-lo para ir junto. Mas não vamos deixar você fazer feio no baile.

- Exatamente, Lily – Marlene acrescenta. – Por isso, vamos te produzir como nunca e vamos fazer Tiago Potter ter o par mais lindo da festa. E vocês irão sair para uma caminhada a beira do lago e irão fazer juras de amor e – ela fecha os olhos, sonhadoramente - vão se beijar sob a luz do luar.

Por alguma razão, uma imagem se forma na minha mente. E, mesmo quando Marlene se despede, indo para o próprio Salão Comunal, e Alice se separa de mim, para se sentar com Frank em uma das poltronas em frente a lareira, eu não consigo deixar de pensar nisso.

Subo as escadas e, já no dormitório, me sento na cama contemplando a vista da janela.

Demoro alguns segundos para perceber que eu estou sorrindo – de um jeito que deve lembrar uma garotinha ingênua e apaixonada –, ao imaginar uma Lily Evans e um Tiago Potter, com vestes a rigor, ali no lago, se beijando.


Acabo de descobrir que Sirius não é o único que vê a minha vontade súbita de acordar bem cedo e decorar todo o Salão Principal como uma coisa anormal. De fato, o olhar de Remo, quando Almofadinhas acaba de lhe contar sobre o meu desejo repentino, me faz lembrar por que ele é um maroto.

- Nem começa – digo, meio irritado, quando Remo faz menção de dizer algo. Ele sacode a cabeça, seu sorriso com a mesma expressão do olhar.

- Eu ia dizer que ficou legal – ele declara, num tom natural, e suspeito que Aluado esteja reprimindo uma vontade muito forte de rir. – Alguma razão para ter tantos lírios?

E então ele e Sirius caem na risada. Reviro os olhos, meio resignado.

- São os favoritos de Lily – digo, num tom casual, e as risadas dobram.

Sirius parece que vai dizer algo, mas a chegada de algumas corujas o impede. Ele parece sinceramente espantado quando duas corujas param na frente dele, ambas com envelopes cor-de-rosa.

Remo revira os olhos e sigo-o no gesto. Fazendo as contas por cima, essas devem ser as trigésimas cartas que Sirius recebe desde que o baile foi anunciado.

- Por que você não aceita algum convite? – Aluado pergunta, entediado.

- Assim esses convites vão acabar – acrescento, feliz por uma chance de mudar de assunto. Essa é uma tática tão básica e útil. – E você já deve ter recebido o suficiente para ter o de alguém que consiga te agradar.

Sirius se arrepia e faz uma careta.

- Se eu for com alguém, vou ter que ficar grudado a noite inteira com ela. Eu quero dizer, e se ela for legal aos primeiros dez minutos e depois ficar chata? E se eu não puder dançar com mais ninguém porque ela vai fazer um escândalo? E se nós dois nos cansarmos um do outro e não termos nada para conversar? Vou perder uma noite por que me arrisquei num encontro que não deu certo? – Ele meneia a cabeça, com vigor. – Não mesmo.

Lanço um olhar rápido para Sirius, também sacudindo a cabeça.

- Não é isso – digo, franzindo a testa. – Você tem que ir com alguém que você sabe que faz você se sentir livre. Alguém que você goste que esteja ao seu lado, mas que você entenda quando ela precisa de um pouco de espaço. Uma garota que seja diferente para você – e meu olhar se perde no jardim de lírios brancos. – Não que seja uma que você ache que pode ter uma noite perfeita, mas aquela única que irá fazer a tentativa valer a pena.

Aluado e Almofadinhas trocam um olhar cheio de significados.

- Isso quer dizer que você vai convidar Evans para o baile? – Sirius diz, com apenas um leve traço de dúvida. Me engasgo com o suco, mas aceno com a cabeça, afirmativamente.

As gargalhadas dos dois enchem o Salão Principal e a maioria dos rostos se vira para olhá-los.

Perfeito. Agora todos vão saber dos meus planos de ir com Lily Evans ao baile. Embora, claro, isso talvez não seja surpresa para ninguém. Na verdade, já andei discutindo isso com Remo – que vai com uma Corvinal do quinto ano, animada demais – e ele me perguntou se eu não pensava em chamar Lily.

Não lhe respondi. Na verdade - e eu nem gosto de pensar nisso - eu não sei qual é o status da minha relação atual com Lily. Nós podemos trocar chocolates no Valentine's Day, e podemos ficar até as três horas da manhã acordados juntos, ou arrumando os corredores de Hogwarts, ou conversando sobre qualquer coisa; podemos ser Monitores-Chefes juntos, e ela pode rir de mim e me contar algumas coisas sobre a vida dela, mas o que isso faz de nós? Amigos? Melhores amigos? Eu vou ser obrigado a ficar ao lado dela a minha vida inteira, sendo gentil e amigável com ela enquanto tudo que eu quero é amá-la até o fim da minha vida?

Ou será que eu estou totalmente enganado e Lily possa gostar de mim, de um modo que não seja muito fraternal? Será, que por alguma razão, essas horas que passamos juntos não tenha feito, talvez, ela me ver de uma forma bem diferente, e os sentimentos tenham começado a surgir, e ela está num dilema interno sobre amar ou não amar Tiago Potter... E, então, quando eu a convidar para o baile, ela irá colocar as mãos em torno do meu pescoço e me puxar para perto; assim, com os nossos corpos abraçados – e começará a tocar uma música romântica no fundo -, vou colar meus lábios nos de Lily Evans, num beijo longo e demorado, e quando, enfim, nos separarmos, ela me lançará o seu sorriso mais lindo e dirá que adoraria ir ao baile comigo.

Ou, talvez, eu só esteja me enganando e Lily já tenha recebido mais de três convites para o baile e já tenha um par.

- Ela ainda não tem – ouço a voz de Remo, e, de uma forma muito rápida e dolorida, volto para a Terra, abandonado o sabor imaginário dos lábios de Lily. Quando o impacto do que Remo disse me acerta, sinto um pânico crescer. Ele me sorri, então, de uma forma bem gentil. – Não se preocupe, foi a única coisa que você disse em voz alta.

Solto a respiração, muito aliviado.

- No que você estava pensando? – Sirius pergunta, subitamente, erguendo as sobrancelhas.

- Não é da sua conta – digo, revirando os olhos. A julgar pelo estranho calor que estou sentindo, só de pensar em ter Lily Evans nos meus braços, eu sei que deveria estar sorrindo bem tolamente alguns segundos atrás.

Sirius meneia a cabeça, nem um pouco irritado. Parece que vai dizer algo, mas me levanto, pensando em ir me arrumar para ir a Hogsmeade. O dia não está muito bonito, mas há algumas coisas para comprar por lá. De qualquer jeito, Sirius não vai e Remo tem um encontro – aquela quintanista exageradamente animada. Pedro ainda nem desceu, então não sei dele. Vou ficar sozinho em Hogsmeade, nessa adorável manhã de Março.

Eu poderia, por acaso do destino, encontrar Lily em Hogsmeade e poderia disparar "Evans, quer ir ao Baile de Primavera comigo?". E esse talvez seja o fim de nossa amizade. Ou talvez ela se jogue em meus braços, não?

De qualquer jeito, eu já me dei conta – há mais de três anos, desde a primeira vez em que a chamei para sair – de que estar apaixonado por Lily Evans quer dizer correr riscos.


Cinderela, apesar da madrasta, devia ser muito feliz. Ok, ela tinha as duas irmãs postiças, e tinha que trabalhar bastante, e, na versão da Disney, tinha que cuidar dos ratinhos que só se metiam em encrenca. Mas, fora isso, ela deveria gostar de sua vida.

Porque Cinderela não tinha duas amigas que saem com ela, fazem várias compras e lhe dão vinte sacolas para carregar quando avistam os seus respectivos namorados. E, enquanto as suas amigas devem estar agarradas na Madame's Puddifoot, eu estou aqui, no Três Vassouras, irritada por ter segurado as sacolas durantes os últimos nove minutos, enquanto tudo que precisava era de um feitiço simples.

Ao menos, é isso que Pedro Pettigrew me diz – o que aumenta a minha irritação.

- E era só girar – ich – a varinha e dizer Lomocotor Mortis! Ich.

- É "Locomotor" – retruco, tentando me controlar, inutilmente. Não consigo acreditar. Pettigrew está bêbado e eu estou sendo corrigida por um bêbado. A que ponto da vida eu cheguei?

- O que você está bebendo? – pergunto, olhando para a taça dele. Pela cor avermelhada, eu indicaria Uísque-de-Fogo. Mas Pedro apenas levanta uma garrafa e me oferece. Tiro a rolha e sinto imediatamente o odor forte e inebriante. Uísque.

Quando me volto para fitá-lo novamente, percebo que ele está me estendendo uma taça agora. Seu sorriso é desafiador – de um jeito que já vi Sirius Black lançar, e até mesmo Tiago.

E o mais chato é que eu odeio não aceitar um desafio.

Tomo-lhe a taça e despejo um pouco do conteúdo da garrafa. O uísque é de um vermelho bem escuro, quase preto. O líquido fica soltando algumas bolhas e me descubro fitando-o, quase hipnotizada.

Eu sou uma garota de dezoito anos, que precisa de um par para o baile e que não recebeu o único convite de que precisa. Eu não sou a Cinderela, então posso beber um pouco – e que mal isso irá fazer? Um gole só e pronto.

Sem olhar a Pettigrew, que agora diz algo, viro o copo de uma vez. Eu já bebi uísque antes, mas nunca estou totalmente preparada para a ardência que desce pela minha garganta, queimando e, ao mesmo tempo, dando um prazer sinistro.

Assim, um súbito relaxamento começa na minha cabeça e me lembro, vagamente, de porque não costumo tomar muito uísque.

Pedro Pettigrew ergue as sobrancelhas quando lhe sorrio – de uma forma bem solta -, e torna a encher a minha taça.

Bebo agora mais lentamente, saboreando o uísque.

- Prefiro Vinho – digo, porque há algo dentro de mim que me faz falar. Tomo a garrafa de sua mão e encho meu copo um pouco mais. – É mais suave.

Ele dá de ombros. Seus olhos estão mirados no teto, e tenho a impressão de que ele está em outro planeta.

- Você acha que vou ficar bêbada? – pergunto, porque, apesar de toda a conversa animada em torno de nossa mesa, eu não consigo suportar o silêncio agora. Eu preciso falar.

Pettigrew se vira para mim e acena, afirmativamente, aquele sorriso maldoso brincando nos seus lábios novamente.

- Eu não deveria beber, então – digo, quando torno a tomar mais alguns goles do uísque. – Mas só porque eu não deveria, não significa que eu não devo, certo? – Ele solta uma risada e um soluço juntos. Sorrio, meio vagamente. Está ficando difícil me concentrar em algo, mas consigo encher a taça mais um pouco sem derramar. – Dever é uma coisa tão relativa. Eu quero dizer, eu devo ter um par para o baile. Ou eu deveria ter um?

Ele pisca várias vezes, tentando focar a atenção. Acho que posso entender como isso é difícil.

- Então você não tem? – Pettigrew pergunta, parecendo mundanamente assustado. Meneio a cabeça, como num gesto de derrota – o que é algo que eu não sinto, porque, incrivelmente, não ter um par – ainda – não me afeta tanto quanto deveria.

Dever. Novamente essa palavra.

Pettigrew – como Tiago o chama mesmo, Rabicho? – me olha, em dúvida, por algum momento, então ri.

Me sinto muito satisfeita pelo bar estar tão cheio que ninguém percebe a risada escandalosa de Pedro Pettigrew.

- E Tiago – Ich - não te convidou? – ele pergunta, enxugando as lágrimas de riso na manga da camisa.

Eu estou a meio caminho de beber mais um pouco quando paro.

- Não – digo, lentamente. – Ele não me convidou.

E, quando essas palavras saem da minha boca, sinto uma estranha irritação – muito mais forte do que eu senti hoje de manhã, quando percebi isso.

Não me interessa que eu tenha recusado mil convites de Tiago Potter no passado, ou que eu recue diante de uma mera tentativa de ficar muito perto dele. Não interessa que nós sejamos melhores amigos, ou que pareça que somos só amigos. Ele devia ter me convidado.

Sinto uma vontade enorme de jogar a taça na parede, só para vê-la se espatifar – e, assim, talvez essa irritação, essa coceira no peito, pare de me incomodar.

Mas não faço isso, porque há um desejo ainda maior de beber mais o uísque. Talvez a ardência possa matar isso que eu estou sentindo. Talvez assim eu me esqueça de Tiago Potter - aquele que tem os olhos cor de chocolate, que me faz sorrir e me faz ficar estressada.

Porque Tiago Potter ainda não me convidou para o baile e nós tivemos muito tempo para isso. Ele poderia – não, deveria – ter me chamado enquanto estávamos em frente a lareira, às duas da manhã, organizando os cardápios. Ou quando estávamos sozinhos no Salão Principal, fazendo os arranjos de rosas.

Porém - e Pedro Pettigrew está me fazendo perceber isso – o que mais me incomoda, é a conclusão óbvia a que cheguei. Posso ter tomado umas sete taças de uísque, e minha cabeça está começando a pesar, mas isso está tão claro que não sei por que não vi antes.

- Tiago Potter não gosta mais de mim – digo, e falar isso em voz alta parece aliviar um pouco do que está entalado em minha garganta. Olho para Pettigrew, bem calma. É mais fácil admitir isso do que ficar martelando na cabeça. – Ele não é mais apaixonado por mim. E ele nem deveria, não é? Depois de tanto tempo, ele desistiu de mim.

Pettigrew coloca sua taça na mesa, bem devagar, e puxa a cadeira para mais perto. Bebo mais um pouco de uísque enquanto ele me analisa.

Torno a dar outro gole.

- Você é uma idiota – ele diz, de súbito, e não há mais nenhuma expressão vaga no seu rosto. Engasgo com a bebida, mas não digo nada. Meu coração está acelerado e, de repente, eu percebo por quê. Eu quero ouvir o que ele está para dizer. – Idiota. Idiota. E bem cega. Tiago ainda é louco por você. Ele não desistiu de gostar de Lily Evans. Ele desistiu de tentar fazer você gostar dele. Aliás, você nem merece ele.

Talvez eu realmente tenha bebido muito uísque, ou talvez eu só não me importe com o que ele está dizendo. Há algo ecoando na minha mente (algo muito próximo de "Tiago Potter ainda é louco por mim"), mas apenas torno a lançá-lo meu olhar mais calmo.

- Por quê?

Ele ergue as sobrancelhas, também calmo.

- Porque ele passou dois anos te chamando para sair. Porque você nunca achou que ele merecesse a sua atenção. Porque ele mudou muito esse ano e o que você fez? Começou a conversar com ele. Você acha que é gentil ser legal com ele? Ou você nunca parou para pensar que sendo amiga dele é a coisa mais cruel que você já fez?

Ele pára e torna a beber mais uísque. Ficamos em silêncio e volto a sentir aquela urgência em falar – mas, ao invés, contemplo a chuva fina pela janela.

Ele gosta quando chove – e dá para perceber isso porque é na chuva que Tiago Potter é mais do que um jogador comum de quadribol. Ele voa perfeitamente, como se fosse um dia claro, e o outro time nunca tem chance nenhuma contra Tiago nesses dias.

- Eu estava pensando em convidá-lo para o baile – digo, observando sombras indistintas do lado de fora. – Eu preciso de um par, e achei que Tiago fosse a pessoa mais indicada para fazer a noite valer a pena.

Ele me olha por cima da taça, novamente parecendo um analista.

- Você não precisa realmente de um par – Pettigrew diz, como se aquilo fosse óbvio.

Meneio a cabeça.

- Não vou mais convidá-lo. Eu acho – e você deve concordar – que ele fica melhor longe de mim.

- Eu não disse isso – ele dispara, e seu olhar analisador começa a me irritar. – Você é mesmo cega – acrescenta, pegando uma segunda garrafa de uísque. – Ele só arrumou aquela droga de Salão porque você iria gostar. Ele só é um bom monitor porque você ficou feliz com isso. Ele só gosta de te fazer feliz. Tiago Potter é apaixonado por você, Evans.

Desvio o olhar - agora luto para combater uma sensação bem diferente do que estive sentindo dois minutos atrás. Há um calor agradável preenchendo todo o meu corpo e eu poderia voar, de tão leve que eu estou me sentindo.

O uísque nunca conseguiria ter o mesmo efeito – porque Rabicho disse que Tiago ainda gosta de mim, e – eu não sei por que - é como se o Sol estivesse sorrindo para mim. Minha cabeça está girando e está difícil focar com clareza em alguma coisa. Eu não deveria ter tomado uísque. Eu não deveria estar tão feliz agora, e só porque Tiago...

Volto a olhar para Pettigrew, me sentindo ligeiramente zonza, e ele me fita, pela terceira vez, de um modo avaliador antes de soltar uma risada alta.

- Meu Deus, Evans. Você está apaixonada por Tiago!


Hogsmeade está fria e sem graça – e isso não tem nada a ver com a minha caminhada solitária, ou com o fato de que ainda não encontrei Lily aqui. Essa chuva fina parece refletir o meu humor.

Lanço um olhar para a rua, tentando escolher algum lugar para entrar. A Zonko's me parece agradável, mas já fui lá duas vezes hoje e acho que já decorei a loja. Estremeço. Está ficando realmente mais frio.

Assim, decido que o melhor é tomar uma Cerveja Amanteigada no Três Vassouras, o que me parece bem acolhedor. Lanço um olhar para o céu nublado.

Espero que o dia do baile não esteja assim – seria tão bom ter uma noite estrelada e razoavelmente quente – de modo que não será tão ruim dançar junto.

Isso, claro, se Lily for comigo. E, então, franzo a testa. Gastei tanto tempo pensando em como convidar Lily decentemente, ou se ela iria aceitar ou não, que não parei para pensar no que eu vou fazer se ela recusar o meu convite.

Não há mais ninguém que eu queira convidar – pelo menos, não tenho mais nenhuma amiga que não tenha um par ainda.

Exceto, claro, Lily – o que me trás de volta ao começo.

O Três Vassouras está lotado e quente – peço uma Cerveja Amanteigada a Madame Rosmerta e ela me sorri calorosamente. Talvez eu pudesse convidá-la para o baile. Lanço-lhe um olhar, enquanto ela está ocupada com outra mesa, e penso que essa é uma idéia muito boa – para a minha segunda opção.

Suspiro longamente e procuro uma mesa vazia. Mas está tudo cheio, e percebo que eu estou apenas caminhando à toa, procurando algum conhecido, enquanto amaldiçôo Remo e Pedro por não estarem comigo. Grandes amigos os dois são...

E, então, finalmente eu encontro alguém. Rabicho está na mesa mais afastada, rindo tolamente. Vou em direção a ele, animado, mas, de repente, ele está voando. Rabicho acerta a parede atrás, e cai no chão. Imediatamente, saco a minha varinha, pronto para acertar contas com quem quer que tenha feito isso – provavelmente Snape. Essa idéia me anima, porque faz tempo que não enfeitiço o velho Ranhoso.

Mas é Lily que está lá, com a varinha em punho – seu rosto está vermelho e ela parece simplesmente furiosa.

Fico parado entre os dois, dividido. Lily continua olhando para Pedro, caído, tremendo. Ela parece querer que Rabicho se levante, só para poder jogá-lo novamente pela parede.

As pessoas a minha volta começam a se mexer, se aproximando, mas só me movo quando uma voz pergunta, para mim:

- O que aconteceu? – é Alice, e Frank vem logo atrás dela. Dou de ombros, e Alice meneia a cabeça, fazendo os cabelos loiros e curtos dela voarem sobre o meu rosto.

- Vamos ajudar – digo, e, meio hesitante, me viro para ir ajudar Pedro. Alice segura o meu braço.

- Vá falar com Lily – diz, numa voz decidida.

Lanço um olhar a Rabicho antes de me aproximar de Lily. Ela não se vira para mim, nem dá nenhuma indicação de que me percebeu, mesmo quando a guio para fora do bar.

É só quando fecho as portas atrás de mim que noto a garrafa na mão dela.

- Você bebeu, Evans? – pergunto, e, com um gesto da varinha, faço a garrafa sumir. Lily se vira para mim, com uma expressão tão desafiadora, que temo que ela vá me jogar pela parede também.

- Sim – e sua voz é estranhamente suave.

Franzo a testa a isso, enquanto a guio pela rua acima.

- Para onde você está me levando? – ela pergunta, sem parecer se importar muito com isso. – Hogwarts é para o outro lado.

- Você não pode aparecer lá assim, Lily – digo, parando e me virando para ela. Estamos diante da Dedosdemel e não nenhuma pessoa a vista – Se McGonagall te vir assim, vai tirar o seu cargo de Monitora. Por isso, nós vamos ter que ir em segredo.

Lily me lança um olhar vagamente curioso. Retiro a minha Capa da Invisibilidade do bolso, e os olhos dela se estreitam. Estremeço, esperando o sermão, mas ela sorri.

- Então é assim que você sempre escapa – declara, e dá um passo em direção a mim.

Por um momento delirante, parece que Lily vai jogar seus braços em torno do meu pescoço e me beijar. Porém, ela retira a capa das minhas mãos e joga em torno de nós.

- Isso pode ser divertido – diz, quase sonhadora, me olhando. Torno a estremecer, mas dessa vez, não há nenhum medo envolvido nisso.

- Você precisa chegar mais perto – digo calmamente, e Lily dá outro passo.

É realmente fácil entrar na loja e evitar passar pelos trinta alunos que a enchem. É realmente fácil enganar os donos da loja e entrar pelo túnel secreto no porão.

Mas não é nem um pouco fácil ignorar essa proximidade muito repentina de Lily. O perfume dela é ainda mais inebriante quando se está a dois centímetros de sua cabeça, e eu não paro de ter arrepios muito confortáveis cada vez que nossos braços e mãos se encontram.

- Podemos tirar a capa agora – digo, quando fecho o túnel e mergulhamos no escuro.

Lily nega com a cabeça, e acende a própria varinha.

- Está legal assim – diz, começando a andar. Caminho ao lado dela, apertando os lábios. – Como vocês descobriram o túnel?

Sorrio para mim mesmo.

- "Vocês?" – pergunto, à guisa de respondê-la. Lily solta uma risada tão solta, que não parece a dela. Imagino quanto de Uísque Lily realmente bebeu, mas não consigo me importar.

- Eu não sou idiota, Tiago – diz, e apóia a cabeça no meu braço enquanto andamos. Um arrepio incontrolável passa pelo meu corpo. – Os seus amigos também devem saber disso.

Entre um arrepio e outro, lanço a Lily um sorriso nervoso.

- Se eu te contar as coisas, você vai se lembrar depois?

- Hum... – e eu posso jurar que há um toque provocativo em sua voz. – Acho que não.

E solta outra vez aquela risada leve e relaxada.

- Usamos esse túnel para ir ao Três Vassouras pegar Cervejas Amanteigadas em segredo. Vai me reportar por isso?

- Acho que não.

Rio. Lily me olha, suas esmeraldas me avaliando – é quase assustador a sua expressão, de concentração e distração ao mesmo tempo.

- Quanta é a distância desse túnel? – pergunta, e seu sorriso poderia parecer insinuante.

Tenho que me lembrar de que Lily Evans está bêbada. Eu estou com ela em um túnel isolado do mundo, e ela está logo a um passo de distância de mim. Bêbada, porém.

- Pouca – minto, e posso jurar que ela parece desanimada com isso.

Seria realmente mentira dizer que eu nunca me imaginei com Lily nesse túnel – e, aliás, em cada canto do castelo -, mas nesses sonhos, Lily está lúcida e sabe muito claramente que quer me beijar.

Meneio a cabeça e tento afastar essas idéias. Lily me lança um olhar – e um sorriso tão cheio de malícia – que temo que ela tenha conseguido enxergar através de mim e possa ter lido meus pensamentos; mas ela volta a olhar para frente e me sinto internamente aliviado.

Caminhamos em silêncio e Lily solta uma risadas engraçadas de vez em quando. Em outros momentos, se vira para mim e abre a boca para dizer algo – mas desiste, solta aquela risada e desvia o olhar.

Após muito tempo, chegamos a uma subida árdua. Retiro a Capa e escalo algumas rochas mais difíceis; quando consigo ficar de pé de uma forma mais segura, estendo a mão para Lily. Ela parece quase surpresa, mas aceita a minha mão sem dizer nada. O seu toque é quente e, apesar de não ser necessário, os dedos dela entrelaçam com os meus.

Abro a passagem e olho para os lados, a procura de alguém. Os corredores estão vazios e dou espaço para Lily sair.

Ela tem uma expressão ainda mais vaga no rosto.

- Para onde vamos? – pergunta, e, sua voz tem o mesmo tom displicente que tinha há uma hora atrás quando me fez uma pergunta similar.

- Tem uma sala no sétimo andar – explico, tentado perceber se alguém está vindo. O andar de Lily está trôpego agora. Sinceramente, pessoas como Lily Evans não foram feitas para beber. – Muito boa para descansar por algumas horas. Vou te deixar lá.

Ela apenas acena com a cabeça, e se assusta quando paro de repente; estou ouvindo passos rápidos e – ou talvez seja imaginação – a voz brava de McGonagall com algum aluno.

Imediatamente puxo Lily mais para perto da parede, ao lado de uma armadura, e jogo a Capa em torno de nós no momento em que McGonagall e Filch passam com alguns alunos do segundo ano, que parecem assustados.

Suspiro aliviado.

- Essa foi por pouco – digo, e me viro para Lily. É só aí que me dou conta do quanto estou realmente próximo dela. Mais do que eu estive até agora.

Lily tem a cabeça levantada e seus olhos estão fixos nos meus – há um brilho sonhador e cheio de ternura neles. As mãos dela se erguem, lentamente, e pousam em volta do meu pescoço, nos aproximando ainda mais. Posso sentir a respiração dela, mas não estou prestando atenção nisso. Há menos de sete centímetros de distância, o verde nos olhos dela é ainda mais lindo e o seu perfume está me entorpecendo. Lily cheira a flores do campo e imagino que sabor seus lábios teriam.

E então percebo que Lily Evans está para me beijar, como em um dos meus sonhos.

Mas eu estou acordado.

- Você está bêbada, Lily – digo, minha voz saindo calma. Ela acena com a cabeça, suas mãos agora brincando no meu cabelo. Um arrepio passa pelo meu corpo e eu estou quase flutuando. Meu coração está acelerado e eu nunca senti isso antes. – Você não sabe o que você quer. E você não vai se lembrar amanhã – acrescento, respirando sem controle agora.

- Você não tem certeza – ela replica, meio inesperadamente e isso me distrai.

Por cinco longos segundos, meus olhos se desviam para os lábios dela. Lily Evans deve ter sabor de morango com chocolate e, só hoje, um toque de uísque.

Respiro fundo e, quando me forço a lhe encarar nos olhos, descubro que Lily está fitando os meus lábios.

Está ficando cada vez mais difícil resistir – minhas mãos parecem ter controle próprio quando uma delas se posiciona nas costas de Lily, e a outra procura os fios ruivos de cabelo dela.

- Por quê? – pergunto, de repente, quando Lily começa a olhar cuidadosamente cada canto da minha face.

- Porque talvez ele esteja certo – ela murmura, e não entendo nada. Mas não tenho tempo para questioná-la. Sua face se aproxima perigosamente da minha.

O tempo pára. São dois ou três segundos, mas eles parecem durar uma eternidade inteira – mas tudo se resume ao quase.

Os lábios dela quase tocam os meus e eu posso jurar que quase sinto a textura e o sabor dele. Os meus olhos quase se fecham quando as mãos dela deslizam para a minha nuca, e eu quase beijo Lily Evans.

Volto a ter controle das minhas mãos e, gentilmente, faço Lily recuar, a afastando de mim. Ela não se opõe, e mantêm os olhos fechados.

- Eu quero te beijar – começo, minha voz estranhamente trêmula. – É o que eu mais quero no mundo. Mas eu quero mais que você saiba o que está fazendo. E eu quero tambémque você se lembre quando acordar e nisso eu não vou correr nenhum risco, Lily.

Respiro fundo, bem devagar, e então percebo que Lily está meio apoiada na armadura ao lado, dormindo como um anjo.


Minha cabeça está doendo e a claridade está me irritando. Por que o Sol tem que brilhar tanto assim? E por que eu acordei? Estava tendo um sonho tão bom e tinha um homem nele, muito parecido com...

Levanto-me de um salto e pareço que vou explodir. Só há pontos brilhantes na minha visão e, por algum tempo, não consigo enxergar nada. Então, finalmente, me acostumo a luz e olho em volta.

Não sei onde estou porque eu nunca vi esse quarto antes. É bem parecido com o Dormitório Feminino, mas só há uma cama e uma pequena janela do lado, por onde a luz do sol entra – mas é bem mais fraco do que eu supunha e deduzo que deve ser o crepúsculo já.

Quando meu olhar passa pela mesinha ao lado da cama, vejo um bilhete nele. Sinto um calor estranho no estômago quando reconheço a letra de Tiago Potter.

"Olá, Evans! Não se preocupe, você só está numa sala enquanto se recupera um pouco, porque 'parece' que você bebeu mais do que deveria. Tem uma poção aí para a dor na cabeça, acho que vai ajudar. Passo aí lá pras sete horas, acho que você já vai ter acordado. Se cuida... Tiago."

Leio o bilhete repetidamente até perceber que não mais nada nele. Tomo a poção indicada e, imediatamente, o peso sobre a minha cabeça sai; sento na cama, tentando me lembrar.

Há algumas imagens confusas e fora de foco, mas não consigo discernir nada... Fecho os olhos e tento organizar as imagens, bem devagar. O que eu estava fazendo mesmo hoje? Eu acordei, ia arrumar o Salão Principal... mas Tiago já tinha deixado tudo pronto, já estava com as janelas enfeitadas e... Lírios, ele enfeitou tudo com lírios, para mim, e depois eu percebi que ele não tinha me convidado para ir ao baile. Então Marlene e Alice me levaram para Hogsmeade, certeza, mas depois de um tempo...

Ah, Três Vassouras – e agora flashes de várias cenas passam, enquanto eu as interpreto. Pedro Pettigrew. Algumas taças de uísque-de-fogo. Uma voz muito estridente: "Você está apaixonada por Tiago, Evans". Pedro voando. Tiago Potter. Um túnel. Os lábios de Tiago muito próximos.

Abro os olhos e me levanto com tanta rapidez que acerto a cômoda ao lado e deixo o vidro da poção cair e se espatifar no chão.

Mantenho os olhos fixos no resto de poção que vai manchando o tapete claro – mas sem realmente enxergar nada.

Por que há alguma coisa dentro de mim que está fazendo o meu ritmo cardíaco acelerar além do controle. Essa mesma coisa está me dizendo que essa visão dos lábios de Potter não é fruto da minha imaginação – e eu posso quase sentir os braços dele em volta de mim, e o calor dele, enquanto ele abaixa a cabeça e eu ergo um pouco a minha, e nossas faces estão próximas uma das outras...

Mas não há imagem de – e é estranho pensar nisso – beijo algum e eu tenho certeza de que eu teria me lembrado. Eu deveria me lembrar do toque dos seus lábios sobre os meus, ou do seu sabor, da mesma forma que eu lembro nitidamente da textura da sua pele quando – e me arrepio a lembrança – joguei meus braços em torno dele.

Um arrepio mais forte percorre o meu corpo e, ignorando o frasco quebrado no chão, me sento na cama. Minha cabeça volta a doer. Não há razão nenhuma para eu ter abraçado Tiago Potter. E não havia razão nenhuma para eu ter seguido ele por aquele túnel – e eu nem lembro de ter chegado lá.

Fecho os olhos e tento fazer as lembranças voltarem à mente, mas só consigo os mesmos flashes de antes. Há largos espaços brancos – em um momento estou em um túnel escuro e, no outro, tenho os braços passados em torno do pescoço de Tiago Potter, meus olhos fixos nos lábios dele...

Meneio a cabeça com força, irritada pela minha própria estupidez – e então eu percebo algo que soa como uma saída de emergência, como uma resposta óbvia para algo ainda mais óbvio ainda...

O uísque deve ter feito algo comigo. Eu bebi além da conta porque estava estressada e então Pettigrew me falou aquilo – então tudo deve ter se misturado na minha cabeça e eu devo ter... Mas eu não poderia, porque, de outra forma, eu teria me lembrado...

Jogo um travesseiro pelo quarto, em uma tentativa de aliviar esse aperto sobre o peito, essa indecisão. Mas uma voz grita "Protego!", e o travesseiro cai no chão, sem acertar a parede.

Ergo os olhos e minha respiração pára quando vejo Tiago Potter.

- Olá, Lily – ele diz, como se achasse graça. E, para meu horror, sinto meu rosto corar.

Eu estou ficando vermelha só de olhar para Tiago – e isso, claro, não envolve nenhuma lembrança do calor do corpo dele. Ou de seu perfume.

É incrível como o aroma de uma pessoa pode ser mais encantador quando se está muito próxima a ela.

- E a dor de cabeça? – ele pergunta, olhando para os restos da poção no chão. Pego a minha varinha e, com um floreio, a poção some.

- Bem melhor. Obrigada pela poção – digo, sorrindo, mas sem o encarar diretamente.

Os olhos de Tiago Potter lembram chocolates, e eles brilham quando se tem a face bem próxima a dele.

Tiago está caminhando e eu apenas olho para os seus pés. Não faço nada, nem quando ele se senta ao meu lado na cama.

- De nada – declara, meio animado. Imagino que ele deve estar sorrindo. – E... E como vai a memória?

Eu posso jurar que há um traço de incerteza nessa pergunta.

- Só alguns flashes – digo, e percebo que há o mesmo traço na minha voz. Lanço um olhar nervoso a ele, e, me sinto estranhamente desapontada quando percebo que os olhos dele estão fixos na própria varinha, que Tiago gira entre os dedos. Então ele pestaneja e se vira para mim, com um sorriso perfeito nos lábios.

- Então você não sabe por que bebeu tanto uísque, Evans – diz, num tom maroto. – Boa desculpa.

Meu rosto fica vermelho e lhe dou um tapa, de brincadeira, no braço. Ele ri.

- Vamos ver – ele começa, se fingindo de sério; ele se move, girando o corpo para me olhar. Imito o gesto dele, ao mesmo tempo, e estamos um de frente para o outro agora. – Então a Srta. Lily Evans se arriscou a perder seu cargo de monitora, a virar motivo de gozação da escola inteiro e jogou Pedro do outro lado do bar... E não lembra de ter bebido?

Ele torna a rir. Sorrio de volta, quase sem graça.

- Chato – digo, e com isso lhe dou outro tapa. – Eu estava no Três Vassouras e encontrei Pedro e fui me sentar com ele. Mas eu não teria sequer pensado em beber se Alice e Marlene não tivessem me deixado sozinhas ali! – acrescento, meio exasperada, tentando ignorar o riso silencioso dele. Reviro os olhos. – Eu não costumo beber!

- Percebi – comenta, irônico. – Mas por que você jogou ele longe?

Você está apaixonada por Tiago.

- Não me lembro – digo, evitando o seu olhar. – Mas ele estava sendo irritante.

- Ele sempre é – Tiago retruca, e deixo escapar uma gargalhada. Ele parece satisfeito por ter me feito rir. – Vamos, ele deve ter feito alguma coisa realmente ruim para você ter jogado ele. – Seu tom é de provocação agora. – Ele falou algo que incomodou, Lily?

Meu Deus, Evans! Você está apaixonada por Tiago.

- Ele estava rindo de mim – respondo, num tom lento. Estou tentando desesperadamente achar algo para lhe dizer, algo que seja verdade, porque simplesmente não é justo mentir para Tiago Potter. – Talvez por que eu não tenho um par para o baile – acrescento, deixando escapar a primeira coisa que me vem à mente.

Tiago, subitamente, tem uma expressão diferente no rosto e desvio o olhar. A minha frase soou como uma súplica. Como fazer uma crítica a si mesma só para obter um elogio em resposta.

Parece que eu só comentei que não tenho um par para que ele possa me chamar.

- Nós podemos ir juntos – ele declara, muito formalmente, e sinto uma vontade estranha de rir. Volto a lhe encarar.

Estou pensando em várias coisas. Estou pensando em lhe dizer que não, não precisa, porque eu não quero que ele me convide agora e desse jeito, como se parecesse que é um favor. Estou pensando que se ele não me convidou antes, como, por exemplo, quando primeiro soubemos desse baile, então é porque ele não tem interesse. Estou pensando que os olhos dele me lembram barras de chocolates, só um pouquinho mais claras. Estou pensando que os lábios dele devem ter um gosto agradável, já que os olhos são lindos e o perfume é muito bom.

Mas eu não costumo dar ouvidos aos meus pensamentos.

- Eu adoraria – digo; há uma coisa dentro de mim que está me fazendo falar. Quase como se eu tivesse bebido uísque novamente. – Se você não tiver outros planos, claro.

- Eu não tenho – ele responde no mesmo instante, e de repente, há alguma coisa bem estranha acontecendo entre nós.

Mas eu posso jurar que já aconteceu antes: quando eu me sentei ao lado dele hoje de manhã, e percebi que ele tinha decorado de lírios porque aquilo iria me agradar. Eu não sei o quê aconteceu, nem por quê, mas naquela hora, eu me virei para Tiago e ele se virou para mim e tudo sumiu a nossa volta, como se fôssemos os únicos que realmente importassem...

E isso está acontecendo novamente agora. Os olhos dele estão fixos nos meus, e há uma expressão intensa neles, que posso jurar que também no meu olhar. Isso é tão diferente de tudo que eu já senti, porque embora meus pensamentos tenham seguido caminhos perigosos com relação à Potter, isso raramente acontece com nós dois ao mesmo tempo.

Meu coração está acelerado e, eu não sei por quê, estou sentindo uma vontade enorme de me inclinar mais um pouco – e meu olhar se desvia para os lábios dele, e tudo isso me parece um incrível deja vu; eu já estive assim, me sentindo incrivelmente atraída a ele, mas, por alguma razão, eu não cheguei a beijar Tiago Potter, porque...?

Ele se afastou. Ele disse algo e depois eu já não sentia mais o calor do corpo dele. O que ele disse? Eu não lembro.

Pestanejo – e isso parece quebrar o encanto, o que me traz novamente o deja vu. Ele se levanta, sua mão no cabelo, parecendo nervoso. Tento-lhe fitar, mas Tiago me evita.

- Eu preciso ir – ele diz, num tom firme. – Tenho que visitar Pedro – acrescenta, mais como se desse uma ordem a si mesmo. Mordo os lábios, subitamente feliz com a mudança na conversa.

- Como ele está?

- Melhor agora. Num porre desgraçado, mas vai sobreviver. – Ele sorri, meio torto. – Mas não se lembra nem de ter sido jogado.

Um alívio toma conta de mim – não consigo imaginar Pedro Pettigrew dizendo aquela afirmação para Tiago Potter.

Nem quero pensar na reação dele.

- Até mais – ouço ele dizer, de repente, e me assusto. Minha mente estava bem longe dessa Sala, e, quando levanto o olhar, Tiago Potter não está mais a vista.

Há algo muito próxima da revolta se agitando dentro de mim, e descubro que essa sala está muito vazia. Imediatamente, começa a aparecerem vários móveis diferentes, preenchendo quase todo o espaço ao redor de mim.

Isso é realmente estranho. Me levanto e caminho em direção a porta. Descubro que, apesar de nunca ter visto a sala antes, estou no sétimo andar, no corredor das tapeçarias.

Passo a mão distraidamente no cabelo, andando em direção ao Salão Comunal. Quando me viro para olhar para trás, descubro que a porta que leva a tal sala está sumindo, ficando cada vez mais minúscula.

Paro, meio encantada. Tiago Potter é realmente o tipo de pessoa que eu esperaria descobrir uma sala estranha como essa...

- Srta. Evans! – levo um segundo para registrar a voz, mas empalideço quando me viro e reconheço a voz meio severa da Prof. McGonagall. - Eu estava lhe procurando – acrescenta, e já posso ouvi-la falar sobre como eu fui uma decepção, sobre como eu monitoras-chefes não devem ficar bêbadas... – Sobre o baile. Eu preciso saber se já está tudo combinado com Potter, sobre a abertura do baile...

- Abertura? – pergunto, chocada. Procuro na minha memória, mas não há nada disso.

- É – ela parece meio impaciente. – Eu disse a ele para lhe avisar de que os monitores-chefes costumam ir juntos nos Bailes, é tradição. Então vocês precisam saber os horários e não podem se atrasar. E devem...

Mas a voz dela se perde e essa é uma das raras ocasiões em que não consigo prestar atenção a Minerva McGonagall.

Tiago Potter não me convidou para o baile. Ele só aceitou a sugestão dela – talvez ele já tivesse um par, e só tenha aceitado ir comigo porque ele sabe como eu ficaria irritada de não cumprir a tradição.

E, talvez ele pense que McGonagall me disse isso, e eu só tenha dito que aceitava por causa dessa tradição.

Mas, agora, não sei o que me irrita mais. Se é Pedro Pettigrew me dizendo algumas coisas, se é Tiago Potter que só resolveu me convidar (apesar de todos aqueles tempos livres que tivemos quando decorávamos o maldito Salão Principal) quando Minerva McGonagall lhe sugeriu, ou se é o fato de que, por mais que seja estranho pensar nisso, eu não consigo parar de acreditar nas palavras de Rabicho, que ecoam pela minha mente.

Você está apaixonada por Tiago, Evans.