Para Nath Evans,

que me deu idéias maravilhosas.

Feliz natal, baby!


Era início da primavera quando ele recebeu a primeira carta boa em cinco anos. Tinha comprado dois passarinhos que ficavam soltos pela casa e cantavam para ele acordar, muito bem treinados. Os mesmos passarinhos, um de cor parda e penas bastas, o outro de penas laranja e grandes olhos azulados, voaram até a janela da sala naquela manhã e ficaram ali até o dono receber a coruja que bicava o vidro. Uma brisa gostosa entrou junto com a boa notícia e se espalhou pela sala.

Ela voltaria.

Ron sorriu, satisfeito como não estivera nos últimos anos. Sorriu pensando em abraçá-la com força como o tempo e a distância não permitiam a oito longos períodos de trezentos e sessenta e cinco dias cada. Foi para a cozinha arrumar seu café da manhã para poder trabalhar e contar a todos os colegas do Ministério que ela voltaria, e voltaria logo, como diziam as letras naquela carta. Ela voltaria e também pedia um lugar para ficar. Ele tinha um lugar para ela na sala, na cama, no coração.

Naquele dia um raio de sol banhou o beco sujo que guardava a cabine telefônica do Ministério. Sua cor vermelha reluzia bem mais forte. Ron teclou a sequência para acessar o local de serviço e cantarolou enquanto descia ao subterrâneo de Londres. Cantou algo que lembrava que ela estaria ali, em breve, descendo aquele túnel ao lado dele e cantarolando algo sobre amor. O ruivo andou pelos colegas, cumprimentando todos e desejando que tivessem um ótimo dia. Uns aviõezinhos de papel voaram sobre a sua cabeça dentro do elevador e pareciam imitar os pássaros que ele guardava dentro de casa.

Entrou na sala do chefe levando duas xícaras de café, quase pulando de alegria. Precisava compartilhar com o mundo tudo o que sentia naquele momento. Harry levantou os olhos dos papéis que lia para encontrar as orbes azuis do melhor amigo mais cintilantes que nunca. Estavam exatamente da cor do céu, se não mais belas e repletas de emoção.

- Ela volta dessa vez?

Um sorriso de afirmação, claro que voltaria. Dessa vez era verdade e nenhum empecilho se colocaria entre eles. Poderiam ficar juntos. Poderiam casar. Ter filhos e cuidar daqueles passarinhos. Poderiam falar sobre as formas das nuvens durante o dia e sobre o futuro à luz das estrelas.

- Aliás, já terminei de ler. – Harry disse, abrindo um sorriso enorme e entregando um pesado livro de capa azulada a Ron. – Ele era incrível, não era?

- Teria sido o melhor pai, cara. – o ruivo segurou o livro entre as mãos e leu as letras prateadas em sua capa. – Me ajudou a crescer.

- Me ajudou também. Acho que ele foi o melhor pai. – o chefe voltou a baixar o rosto para as anotações do dia, para não se emocionar tanto.

- E deve ser genético! – Ron exclamou, antes de se levantar e bater de leve no ombro do outro, saindo da sala. Tinha recuperado o diário.

E ela voltaria.

Aquele era um dia bom, independente do tempo, da quantidade de trabalho, dos novos aprendizes no Curso de Aurores. Mas tudo deu certo.

Incrivelmente certo.



Ainda bem que ele não esta na França. Foi a primeira coisa que ela pensou quando o telefone tocou logo as cinco da manhã, fazendo com que ela levantasse as pressas e fosse correndo para a sala. Malditos modernos do Ministério Francês da Magia. Não mandavam cartas porque alguns assuntos poderiam ser très urgentes. Mas se o sol não tinha nascido ainda, o que era tão urgente?

Era algo sobre ela precisar trocar umas últimas palavras com o ministro. O governante sueco também precisava vê-la, e se ela queria mesmo voltar com tanta pressa assim para Londres... Pressa. Ela não tinha pressa. Passara os últimos oito anos prometendo que não teria pressa e que apenas seguiria à risca seu plano para libertar os elfos-domésticos de uma vez por todas. Era tão difícil acabar com uma cultura milenar de maus-tratos e crueldade, e tão necessário. Não tinha pressa agora.

Só tinha saudades.

Desligou o telefone e mirou o espelho que fitava-a no fim do corredor. Estava muito magra, muito pálida, com o cabelo muito espetado. Tentou ajeitar passando as mãos e decidiu que elas estavam muito ásperas. Atrás de si outro quarto do apartamento se abriu e uma cabeleira loura tão ruim quanto a sua apareceu na porta. Luna queria saber, esfregando seus expressivos olhos azuis, quem queria conversar àquela hora. Hermione suspirou algo sobre o ministro e disse que a colega poderia voltar a dormir.

Voltou para a cama, também, fechando os olhos cansados. Estava muito escuro dentro do quarto e ela se sentia feliz por não ter todas as luzes parisienses a sua volta agora. No escuro poderia enxergá-lo melhor, vagando em sua mente entre os espaços do trabalho e da carreira. Ela era uma ótima profissional, a melhor defensora dos elfos, excepcional no que fazia. Só tinha saudades.

Era melhor que ele não estivesse ali, mesmo. As funções como professor no Curso de Aurores não duravam muito e ela sabia que o ruivo andava por Londres no resto do dia, preenchia relatórios com Harry, saia com os sobrinhos, ajudava George na loja vendendo logros para as crianças inglesas. E ela passava o dia inteiro lutando. Na verdade, nunca saíra da guerra.

Prometeu, no início, uma carta por dia. Depois de pular alguns dias ele resolveu aceitar uma por semana. Hoje o ruivo jurava que, se ela conseguisse tempo, poderia mandar pelo menos uma a cada duas semanas. E quando tinha tempo ela mandava. Tempo.

Começou a chover e o céu a acinzentar. Ela chovia também.

Tinha mandado uma carta no dia anterior e rezava, agora, para que tudo desse certo. Pelo menos dessa vez, só para voltar para casa e ficar com ele um pouco. Um pouco mais o infinito, se possível.

Só precisava dar certo.